Mais de um século de vida, produtos originais, residências artísticas, oficinas para miúdos, visita incontornável do roteiro do Turismo Industrial de São João da Madeira, a funcionar no mesmo espaço há 80 anos. Tanta história, tanta inovação.
Vila do Conde, 1907, dois homens, o conselheiro Figueiredo Faria e o engenheiro francês Jules Cacheux, constroem uma fábrica de lápis, pioneira na produção de artigos de escrita no nosso país. A Fábrica de Lápis Portugália começava a funcionar. Veio a I Guerra Mundial e a empresa teve de colocar o pé no travão. Na década seguinte, a Grande Depressão de 1929 abanou os planos de negócio. Um pouco mais a sul, o industrial da chapelaria Manoel Vieira Araújo, figura proeminente de São João da Madeira, queria diversificar o ramo de atividade, apalpou o pulso ao mercado, comprou a unidade industrial vila-condense em 1931. Cinco anos depois, registou a marca Viarco, junção das iniciais do apelido Vieira Araújo e Companhia, Lda. Um nome que atravessa gerações, perdura e adapta-se à passagem dos anos, responde às exigências com novos produtos e usa a inovação perante as circunstâncias.
Em 1941, há 80 anos, a Viarco deixou Vila do Conde, instalou-se em São João da Madeira, cidade do labor, das gentes que não tinham medo do trabalho. A deslocalização foi preparada depois de anos de intensas pesquisas, investimento, desenvolvimento de novos métodos de produção. Transferiu-se a maquinaria e os trabalhadores da Portugália mudaram-se para sul para um novo ciclo de vida.
A Viarco ainda hoje se mantém nesse edifício de traça antiga, agora património de interesse municipal, com salas e máquinas do século passado, como uma pérola da arquitetura industrial, testemunho da arqueologia feita de tantas mãos de trabalho, visita do Turismo Industrial de São João da Madeira, roteiro que mostra fábricas da cidade em pleno funcionamento, tal como são.
A Viarco vai na quarta geração. José Miguel Araújo, bisneto do fundador, é o dono da empresa. Entrou em 2000, como estagiário, assistiu a pelo menos duas tentativas de compra de empresários nacionais e estrangeiros. Na altura, já sabia que, à volta, havia preços competitivos, um mercado ávido por novos produtos. Em maio de 2011, comprou a totalidade a empresa juntamente com Ana Costa, companheira na vida, sócia no negócio. “Acreditámos neste projeto, percebemos que tinha viabilidade.” Com o mercado escolar a perder terreno, a fábrica de lápis vê mais além, além do que era óbvio. “Podíamos não ser competitivos a fazer lápis para a escola, mas podíamos tentar ir por outro caminho.” Assim foi, sem nunca abandonar a produção de lápis, a essência.
As origens não se renegam e a Viarco garante que tem mais de um século de trabalho porque os anos de Vila do Conde também fazem parte do seu percurso. Continua a conservar o estatuto de única fábrica de lápis do país. Mas, na verdade, é muito mais do que isso.
Material de desenho, um novo caminho
A Viarco não parou no tempo. José Miguel Araújo sempre soube que o mercado não iria dar tréguas. Ontem como hoje, amanhã também. “Olhamos para as coisas não só como elas são, mas como podem ser.” Muita coisa aconteceu na última década. Abriram-se as portas a artistas, a residências criativas, testaram-se novos materiais com a partilha constante de conhecimentos de quem os manuseia nas suas artes (da pintura ao desenho, das aguarelas ao carvão), criaram-se momentos e acontecimentos como o Viarco Express com lápis que passaram de mãos em mãos entre artistas que partilhavam a formação ou tinham relações de vizinhança – e muitas obras aconteceram.
A Viarco testou novos materiais e ferramentas de desenho, surpreendeu-se com o interesse e a curiosidade em feiras internacionais, arrumou espaços sem uso no complexo industrial para receber artistas de todo o país e não só. Trabalhava e testava. Testava e afinava. E assim surgiu a linha ArtGraf aguarela de grafite, pó de grafite, lápis de grafite aguarelável, blocos de pigmento prensado de várias cores para desenho e pintura. Materiais inovadores. “Produtos que valem por si.”
O vintage e o futuro
A Viarco estica para vários lados. O seu portefólio tem produtos de design, como um conjunto de 24 lápis de cor aguareláveis, lápis piões, lápis magnéticos, lápis com afia, lápis aromatizados com essências de flor de laranjeira, jasmim, lírio do campo, peónia, figueira e alfazema. A Viarco também respeita o passado. Tem material escolar, reedições e coleções vintage, o clássico lápis da tabuada, caixas de lápis de cor com imagens dos anos 1950 e 1975, lápis vintage com temas sortidos (código da estrada, o alfabeto, selos, notas musicais).
E olha para o futuro. A Risko, mesa de desenho, esboço e pintura, com rolo de papel manobrável, espaços para materiais e acessórios, design arrojado, é disso um exemplo. Uma secretária nunca antes vista que conquistou um prémio internacional de design na Alemanha, em 2019.
A produção acontece conforme as encomendas. A máquina que faz 30 mil lápis por dia funciona quando se justifica. Há dias de lápis, há dias de produtos ArtGraf, o que tiver de ser.
O seu caminho já não é feito apenas de material escolar, produz sobretudo lápis personalizados para instituições públicas, hospitais, câmaras, eventos culturais, hotéis. Neste momento, 50% do que a Viarco produz é vendido em Portugal, 20% nos Estados Unidos, 20% na Europa, o restante em alguns países asiáticos e da América Latina. “Uma parte substancial da faturação é feita com produtos que não existiam há dez anos e que não usam madeira”, sublinha.
Tudo interessa a José Miguel Araújo. “A segurança das pessoas, a qualidade do trabalho, o respeito pelos acabamentos, o desenvolvimento técnico, o espírito criativo, o envolvimento com a comunidade. Estamos todos a trabalhar para o mesmo.” As portas da Viarco continuam abertas a artistas, a turistas nacionais e estrangeiros, a quem tem ideias, a quem tem dúvidas, a quem quer conhecer, a quem quer experimentar. José Miguel Araújo não consegue trabalhar de outra forma.
A empresa produz e, ao mesmo tempo, é um laboratório vivo de experiências, um edifício aberto a residências criativas, a parcerias, a oficinas para miúdos para dar espaço à criatividade. Com 114 anos de vida, a Viarco resiste, com orgulho no passado, concentrada no presente, atenta ao futuro. É uma marca da história industrial portuguesa, com certeza.
Nome: Viarco – Fábrica Portuguesa de Lápis
Atividade: Fabrico de lápis, materiais e ferramentas de desenho e pintura
Data de fundação: 1907
Localização: Rua Jaime Afreixo, n.º 533, São João da Madeira
Número de funcionários: 30