Síndrome de congestão pélvica é mais frequente em mulheres jovens, que tenham tido duas ou mais gravidezes. Dor na região pélvica e abdómen inferior é um sinal de alerta. Uma realidade feminina que importa entender.
Varizes pélvicas, ou síndrome de congestão pélvica, não é uma patologia nova, nada disso, e a consciência e o entendimento deste problema têm vindo a aumentar progressivamente ao longo dos últimos anos. De que se trata, afinal? “Varizes pélvicas são veias dilatadas, tortuosas e com refluxo, ou seja, através das quais o sangue, ao invés de ser drenado, se escapa em sentido contrário. Localizam-se na cavidade pélvica, isto é, dentro do baixo-ventre, não sendo, portanto, evidentes”, adianta Sérgio Sampaio, cirurgião vascular, professor da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, membro da Fellow – European Board of Vascular Surgery.
“Estas varizes são acompanhadas, por vezes, de varizes vulvares ou varizes na face interna das coxas ou nas nádegas.” São sinais de alerta. O reaparecimento de varizes nos membros inferiores, após uma ou mais tentativas de tratamento, também não deve passar despercebido. No entanto, as causas desta síndrome não são ainda completamente conhecidas.
O que se sabe é que estas varizes se manifestam, sobretudo, em mulheres jovens, com maior frequência nas que já passaram por duas ou mais gravidezes. Há explicações para que assim seja. “Durante a gravidez, as veias pélvicas são comprimidas pelo útero gravídico em expansão, levando sempre a algum comprometimento da drenagem venosa. Desta situação resulta refluxo (isto é, fluxo em sentido contrário ao que era suposto) e, subsequentemente, dilatação das veias”, explica o cirurgião vascular.
“Por outro lado, a gravidez caracteriza-se por um aumento de fluxo sanguíneo a nível pélvico. Estes dois acontecimentos, eventualmente atuando de modo sinérgico, podem acabar por danificar determinadas veias de modo permanente, o que pode acabar por levar ao desenvolvimento de varizes pélvicas”, acrescenta. Seja como for, independentemente do mecanismo que tenha estado envolvido no processo, a consequência prática é a dificuldade da drenagem venosa da cavidade pélvica e a pressurização dessa zona, que envolve útero e ovários.
Trata-se de uma doença relativamente comum que pode afetar cerca de 30% das mulheres após a gravidez
Uma dor na região pélvica e no abdómen inferior é o sintoma mais comum. É uma dor crónica que, regra geral, se arrasta por mais de seis meses. É como uma sensação de peso, por vezes, como uma cãibra menstrual mais prolongada e intensa. Agrava-se quando se está de pé muito tempo, mas, por outro lado, passar muitas horas sentada também pode resultar em desconforto. Segundo o cirurgião vascular, esta dor agrava-se frequentemente depois de esforços, nomeadamente os que implicam aumento da pressão intra-abdominal como certas rotinas de exercício físico ou levantar pesos, e durante o período menstrual e durante ou após relações sexuais.
Pode ainda verificar-se um aumento da frequência da sensação de necessidade de urinar ou até mesmo um agravamento de incontinência urinária. Contudo, nem sempre há sintomas e, muitas vezes, só se tornam evidentes durante ou após a gravidez. É muito raro aparecer em homens.
Muito mais do que um problema estético, as varizes podem provocar, além do grande incómodo e prejuízo da qualidade de vida, várias complicações de saúde
Há o que se sente e há o que se vê. O que se vê são varizes exteriores. “Estas veias dilatadas e sinuosas podem passar a ser vistas e sentidas na região perineal (nos grandes lábios, mas, por vezes, também na região circundante, ou mesmo por cima do púbis). Algumas doentes notam estes achados no interior da vulva. Quase sempre a situação estabelece-se durante uma gravidez, acabando por não regredir ou fazendo-o de modo apenas parcial após o parto”, refere Sérgio Sampaio. “O mecanismo de aparecimento destas varizes quase que se percebe intuitivamente: não são mais do que a manifestação exterior, através do pavimento pélvico, da transmissão da pressão anómala. É também este processo que explica o aparecimento de varizes nos membros inferiores com determinadas características e em localizações específicas que nos devem colocar na pista de uma ‘origem pélvica’ do problema”, sublinha o médico.
A realização de um teste pélvico pode detetar a presença de veias dilatadas. Muitas das vezes, é necessária a realização de um teste transvaginal, uma vez que esses vasos podem ser difíceis de estudar através da parede do abdómen. É quase sempre necessário complementar este estudo com outros meios de imagem não invasivos, como a angio-ressonância ou o angio-TAC.
Quem tratar? Se num exame, ecografia ginecológica, por exemplo, realizado por um motivo não relacionado com esta doença, forem detetadas varizes pélvicas, o estudo aprofundado e o tratamento devem ser considerados? Sem sintomas, em princípio, não, responde o cirurgião vascular. “Isto é, se a doente não se queixar de nada que possamos relacionar com esta situação, como varizes exteriores que considere inestéticas, o tratamento é, de facto, altamente questionável, uma vez que que não é certo que estas varizes pélvicas venham algum dia a fazer-se sentir ou a notar-se ao longo da vida da doente.” “Devemos assim resistir à eventual tentação de tratar o que não necessita de ser tratado”, aconselha.
A investigação de uma causa pélvica é fundamental e as perguntas certas são, muitas vezes, o passo necessário para iniciar o caminho de diagnóstico e terapêutica
Há casos em que a situação pode melhorar com uma abordagem conservadora, isto é, através da administração de medicamentos. Alguns esquemas com medicamentos hormonais também podem ser considerados. “A realidade, algo desapontante, é que a resolução definitiva apenas com recurso a fármacos é muitíssimo rara”, avisa. Como tratar? “A lógica subjacente a um tratamento de sucesso e duradouro é a eliminação das fontes de refluxo. No fundo, de pouco ou nada adianta tentarmos eliminar a varizes exteriores visíveis se a fonte de pressurização retrógrada anómala daquele território continuar ativa. Na melhor das hipóteses, tal traria apenas benefícios parciais e muito transitórios – na verdade, na maioria das vezes, nem isso traz”, adianta Sérgio Sampaio.
O tratamento de eleição é, segundo o especialista, a embolização venosa. “Este é um método minimamente invasivo, realizado sob anestesia local e através de uma picada na virilha (por vezes no pescoço). Através desta punção é avançado um ‘tubo’ de finíssimo calibre (cateter) pelas veias a estudar. Conseguem-se assim identificar com precisão os pontos por onde está a ocorrer o já referido refluxo, fonte da pressão responsável pelo conjunto de sinais e sintomas”, revela.
É por esse cateter que se procede à oclusão terapêutica seletiva das veias doentes, o que é conseguido com recurso à injeção de um produto esclerosante e ao implante de um ou mais dispositivos apropriados. “Frequentemente e para maximizar resultados, são utilizadas várias técnicas num mesmo procedimento – esclerose e implante de dispositivos de oclusão. Trata-se de um procedimento eficaz, muito seguro, geralmente realizado em ambulatório e com uma recuperação rápida e essencialmente confortável”, remata o médico.