Jorge Manuel Lopes

Uma Europa à espera de Charles Mingus

Jorge Manuel Lopes, editor-adjunto da Cultura do Jornal de Notícias (Foto: Artur Machado/Global Imagens)

Escolhas musicais de Jorge Manuel Lopes.

O contrabaixista, compositor, pianista e líder Charles Mingus (1922-1979) foi no jazz genial, maximal, volátil, rápido, completo, imprevisível. Na escrita e no improviso. A História da música americana irrompe pela sua obra, por vezes em surtos que fundem o rigor com um febril zapping mental.

A uma discografia abundante q.b. em vida continuam a somar-se gravações espalhadas por arquivos vários. A mais recente recuperação chama-se “Charles Mingus @ Bremen 1964 & 1975”, tem edição da Sunnyside e, como o título deixa antever, junta duas gravações separadas por 11 anos, captadas em concerto pela alemã Radio Bremen, que se manteve no poder das fitas originais durante décadas.

Se ambas as formações que acompanham Mingus são excecionais, a de 64 contém os nomes mais facilmente reconhecíveis: Johnny Coles no trompete; Eric Dolphy no saxofone alto, clarinete baixo e flauta (faleceria nove semanas após esta atuação, num hospital em Berlim, num coma diabético mal diagnosticado); Clifford Jordan no sax tenor; Jaki Byard ao piano; e Dannie Richmond na bateria. A banda de 1975 repete apenas o baterista, acrescentando Jack Walrath no trompete, George Adams no sax tenor e Don Pullen no piano, concentrando energias em material dos dois volumes de “Changes”, discos então acabados de sair e com um substrato político que transparece nos títulos de algumas peças : “Remember Rockefeller at Attica”, “Free Cell Block F, tis Nazi USA”. Outras duas faixas denunciavam a sombra projetada, em Mingus e nos que o rodeavam, por aquele que terá sido o autor mais brilhante e total da música da América no século XX: “Duke Ellington’s sound of love” e “For Harry Carney” (Carney passou décadas na orquestra de Ellington como saxofonista e clarinetista).

“Charles Mingus @ Bremen 1964 & 1975” é uma sucessão de longas aventuras no som, atravessada por uma abundância de referências fugazes a linhas melódicas familiares. Uma floresta de frases que, escutadas à distância, formam um grande fresco de uma nação que parece nunca sair de um estado de convulsão.