
Artigo de opinião de Nuno Fernandes, professor catedrático no IESE Business School (Espanha).
Fazer previsões económicas é sempre complicado, sobretudo no Mundo conturbado em que vivemos. A incerteza global está elevada, e existe a possibilidade de termos em 2022 desenvolvimentos muito disruptivos para o mundo como um todo. Este artigo assume que os principais fatores de risco que pesam sobre a Humanidade não se vão materializar. Ou seja, supõe que existirá uma evolução positiva do controlo da pandemia e que não existirá nenhum conflito bélico substancial no Sudoeste Asiático, nem nas fronteiras europeias com a Rússia. É o cenário que eu chamo de “Mundo estável”. Caso algum destes fatores ocorra, obviamente que estaremos perante cenários muitíssimo negativos. Pelo que qualquer decisor faz bem se os incorporar nas suas análises de cenários e planeamento.
Assumindo um “Mundo estável”, destacaria algumas tendências económicas para 2022.
Estamos cada vez mais perto do fim do dinheiro barato. O norte-americano FED já anunciou (até três) subidas potenciais da taxa de juro de referência. E mesmo que o Banco Central Europeu decida não atuar e continue com uma política de juros baixos, a globalização dos mercados significa que uma subida de taxas nos EUA levará ainda assim a um aumento dos custos de financiamento na Europa, via comportamento dos investidores nos mercados secundários. Como é sabido, Portugal tem um problema com a sua dívida. Um aumento de 1% na taxa de juro significa que o Estado irá pagar mais 2700 milhões de euros em juros. Ou seja, mais do que o orçamento de vários ministérios somados.
Globalmente, a subida potencial de taxas nos EUA tem efeitos negativos em vários mercados emergentes na Ásia, América Latina e África. Em alguns mercados mais vulneráveis, uma subida de taxas nos EUA e Europa pode causar dificuldades no refinanciamento, saídas de capital e mesmo crises cambiais.

(Foto: DR)
2022 tem também o potencial de ser o ano em que vários investidores privados se vão ver envolvidos em perdas e fraudes, relacionados com investimentos em criptoativos. Desde o confinamento que se iniciou em março de 2020, milhões de jovens e adultos sem qualquer experiência de investimentos viraram-se para os seus computadores na expectativa de conseguirem bater, com as suas decisões de trading, os grandes tubarões financeiros. A maior parte dos investimentos em criptoativos pouco tem diferente do jogo online ou de uma ida ao casino. Dada a explosão em termos de publicidade (veja-se quem patrocina várias equipas de futebol ou de basquetebol mundiais e a quantidade de anúncios nas redes sociais mais usadas pelos jovens), o potencial para o pequeno investidor, pouco sofisticado, ser “enrolado” é grande.
2022 deverá registar descidas na inflação. Como é sabido, as cadeias de valor mundiais, e em particular as redes de distribuição, foram muito afetadas pelos diferentes confinamentos e diferentes evoluções da pandemia a nível mundial. Algumas estimativas apontam que estamos agora no pico das disrupções nas cadeias de valor e que, daqui para a frente, a estabilização acontecerá. Assim, o aumento da inflação que se verificou ao longo do ano atual deverá reverter-se a partir do primeiro trimestre de 2022.
Não obstante o crescimento económico em 2021, o nosso país não conseguiu compensar as fortes perdas de rendimento de 2020. Em Portugal, o PIB apenas deve atingir no final do primeiro semestre de 2022 os níveis anteriores à pandemia. Quando nos comparamos com os nossos parceiros europeus, verifica-se que a economia portuguesa está em perda relativa face aos outros países. Ou seja, tivemos uma crise muito mais aprofundada e não fomos capazes de sair dela mais rápido do que os outros.
Estamos obviamente bastante dependentes da recuperação do turismo para perceber qual será o crescimento real do PIB em 2022 e anos seguintes. E aqui, infelizmente, dependemos muito pouco de nós, pois Portugal é uma pequena economia aberta e com concentração significativa da atividade em alguns setores, sendo por isso particularmente dependente do que se passa no Mundo.
Este artigo de opinião é parte integrante de um trabalho publicado na edição impressa da Notícias Magazine, em que desafiámos vários pensadores, de diferentes áreas, a lançar o ano de 2022. Nuno Fernandes abordou o ano que aí vem na perspetiva da Economia.