Rui Cardoso Martins

Um jovem alcoólico

(Ilustração: João Vasco Correia)

Crónica "Levante-se o réu", por Rui Cardoso Martins.

Era difícil dizer se o jovem vinha, ou ia, para o cadafalso. Caminhava com um ar antigo de pelourinho. Mãos algemadas, a cara hirta e, por baixo, os nervos do pescoço retesados como cerdas de violino. De vez em quando o arco movia-se e plinc, partia-se mais uma corda, plinc. Nasceu em 1995. Mudou a morada: da Av. Rio de Janeiro para a penitenciária de Alcoentre.

– O senhor lembra-se que, por sentença de 14 de Maio de 2018, foi condenado como autor material de um crime de violência doméstica na pena de 18 meses de prisão suspensa na sua execução por 18 meses com regime de prova? E na pena acessória de não contactar a vítima e no pagamento de uma indemnização. Sucede que o tribunal teve conhecimento de um acórdão de 6 de Junho de 2020, transitado em julgado… o senhor foi condenado pela co-autoria de quatro crimes de roubo praticados durante o período da suspensão da pena de prisão, na pena de quatro anos de prisão. Era suposto o senhor não praticar outros crimes, era suposto não o fazer… e o senhor praticou não um, mas quatro! Roubos, que são crimes graves. Por isso o senhor foi preso e é uma pena de quatro anos de prisão. O senhor quer explicar ao tribunal o que é que aconteceu, ou não deseja falar?

– Antes de mais, gostava de pedir desculpa, pela oportunidade que me deram e não aproveitei. Eu cometi estes quatro roubos porque estava muito dependente do álcool, tinha um problema grave e, como não tinha mais dinheiro para comprar álcool, decidi fazer estes quatro roubos, dos quais me arrependo bastante.

– Em relação a essa dependência, o senhor agora está preso. Está a fazer algum tratamento, informou o estabelecimento prisional?

– Sim, estive a ser acompanhado em Caxias, nos Alcoólicos Anónimos, e agora devido à pandemia, deixou de…

– Foi suspenso.

– Sim.

– E o que é que o senhor achou, que esse tratamento o ajudou?

– Bastante. Fiquei muito melhor.

– E no estabelecimento prisional, o senhor não tem tido problemas disciplinares?

– Nada. Nada.

– E o senhor tem apoio da família, quando podem vão visitá-lo ao estabelecimento prisional?

– Ainda não falharam nenhuma visita.

– Senhora procuradora, a senhora precisa de esclarecimentos do arguido? Quando o quiser, pode fazê-lo directamente.

– Sim, começou a procuradora. Olhe, eu quero me explique como é que o álcool o fez fazer os roubos.

– Não sei explicar bem. Eu tinha um problema muito grave, sentia-me muito dependente do álcool, não me sentia bem se não bebesse, sentia-me maldisposto, com azias…

– Eu já percebi que o senhor tem uma dependência do álcool, mas o que eu quero perceber é o que é que o álcool tem a ver com os roubos, qual é a relação?

– Não tinha mais dinheiro para beber e como vi os quatro jovens a fumar charros, decidi abordá-los para conseguir tirar-lhes os charros e conseguir vender… Só que como não encontrei os charros, levei-lhes os telemóveis e as carteiras.

– O seu tratamento só começou na prisão.

– Sim. Desculpe!, engano, já estava a ser acompanhado no Júlio de Matos. Penso que foi em Abril de 2019.

– Então como é que o senhor em Abril está a ser acompanhado no Júlio de Matos e pratica os roubos em Junho de 2019?

– Mentia à pessoa que me acompanhava.

– Tomava a medicação?

– Nunca tomei a medicação. Era para começar a tomar, mas não cheguei a tomar..

Era empregado de mesa num bom restaurante de Alvalade.

– Trabalhei até ser preso. Desde Janeiro até dia 30 de Junho.

Ganhava 700 euros, 150 dava-os em casa dos pais.

– O resto gastava no álcool.

Desde preso, em abstinência total. Tem diabetes tipo 1, há um ano que não tem consulta da doença, foi para Alcoentre tirar curso de francês e gostava de se formar em Desporto.

Isto dizia o jovem e plinc, mais um nervo partido no pescoço.

(O autor escreve de acordo com a anterior ortografia)