A TAVI é uma intervenção pouco invasiva e alternativa à cirurgia convencional para a estenose aórtica do idoso, doença cuja prevalência está a aumentar. Fomos saber em que consiste.
Já lá vão quase três décadas de luta contra um coração que lhe tem pregado partidas atrás de partidas. Aos 79 anos, José Dionísio Alves tem tantos “acessórios” dentro do corpo que até diz ser um “homem biónico”. Foi um enfarte aos 50 anos que o estreou nos blocos operatórios, numa cirurgia de emergência que nunca há de esquecer. “Já ressuscitei duas vezes. Tenho sido um grande resistente.” Entre bypasses, cateterismos, um pacemaker e um sem-fim de problemas cardiovasculares, a estenose valvular aórtica também entrou no rol de doenças.
Não deu para ignorar o cansaço extremo e a dor no peito a fugir para as costas de cada vez que caminhava. “Como tenho sido acompanhado, o cardiologista diagnosticou logo.” Mas o que é a estenose valvular aórtica? “A válvula aórtica é a última válvula por onde o sangue passa antes de o coração o bombear para todo o corpo. E ao longo do tempo vai-se calcificando e deteriorando, até chegar uma altura em que abre muito pouco”, explica Duarte Cacela, coordenador de Cardiologia do Hospital CUF Descobertas. Ao abrir pouco, a quantidade de sangue que é bombeada para o corpo vai diminuindo, “o que quer dizer que os órgãos e músculos passam a ser pouco irrigados”. Não há medicamentos milagrosos, só há duas soluções: substituir a válvula aórtica através de cirurgia de peito aberto ou de uma TAVI (Transcatheter Aortic Valve Implantation).
Foi em 2018 que José foi submetido a uma TAVI na CUF Descobertas, uma intervenção minimamente invasiva. Trocar uma válvula do coração sem abrir o esterno? Sim, o futuro já mora aqui. “Quando sofri o enfarte, abriram-me o peito, levei meses para recuperar da intervenção, até tive que reaprender a andar. Desta vez pouparam-me, fizeram pela virilha. Saí do hospital como novo, pronto para ir para a guerra.” Basta recuarmos a 2019 para nos lembrarmos de Mick Jagger, aos 75 anos, a ensaiar para a tour dos Rolling Stones poucas semanas após ter sido submetido a uma TAVI, num vídeo que viralizou.
José, que mora em Cascais, não é muito diferente. O cabelo grisalho e o historial clínico podem enganar, mas ainda administra quatro empresas. “Trabalho bastante e isso tem-me valido imenso. Porque me mantém ocupado.” E a TAVI teve dedo nisso. “É como do dia para a noite. Deixei de ser um velho para me sentir uma pessoa de meia-idade. Agora ando imenso, já não estou sempre cansado. Tenho sido um sortudo. É até expirar o prazo de validade.”
Em Portugal desde 2007
Na quarta-feira da semana passada, dia 29 de setembro, celebrou-se o Dia Mundial do Coração e para entendermos a importância da TAVI é preciso descortinar a estenose aórtica do idoso, que afeta cerca de 3% da população a partir dos 65 anos. Com o envelhecimento do país, a prevalência está a aumentar. Não há muito que se possa fazer, é o peso da idade. E a doença é progressiva. Nos casos graves, em dois anos tem uma sobrevivência de 50%, e em cinco anos cai para os 20%. Ou seja, a taxa de sobrevivência é menor do que em muitos cancros metastizados. Mas há três sinais de alerta. “Um cansaço anormal e falta de ar para esforços sucessivamente menores. Depois, as tonturas, as ameaças de desmaio ou mesmo o desmaio. E, por fim, uma dor opressiva no peito”, avisa Duarte Cacela.
No tratamento, a TAVI surgiu como alternativa à intervenção de peito aberto. A técnica que na Alemanha já ultrapassou a cirurgia convencional foi usada pela primeira vez em França, em 2002. E chegou a Portugal em 2007. Afinal, em que é que consiste? “Trata-se de meter uma válvula dobradinha dentro de um cateter quase sempre através de uma artéria da virilha que é conduzida até ao coração e é implantada abrindo a artéria que está doente”, esclarece o cardiologista. A válvula é biológica, de porco. E a intervenção é feita numa sala de raio-x, com o doente acordado, sob sedação em vez da anestesia geral.
No privado, sem seguro de saúde, o preço pode variar entre os 35 mil e os 40 mil euros. No SNS, há seis hospitais de referência a fazê-lo. Além de três em Lisboa (Santa Marta, Santa Maria e Santa Cruz), o Hospital Universitário de Coimbra, o Santos Silva em Vila Nova de Gaia e o São João no Porto também efetuam a intervenção. Só em 2019, segundo a DGS, foram implantadas 628 próteses percutâneas na válvula aórtica (TAVI), mais 10% do que em 2018.
TAVI aos 90 anos
Foi precisamente no Hospital de São João que João Silva, aos 90 anos, foi submetido a uma TAVI. Foi a sorte de quem tem um filho cardiologista a quem se queixou. “Comentei com ele que às vezes sentia dificuldade na respiração. Era uma coisa leve, mas ele mandou-me logo fazer exames.” Um ecocardiograma e o diagnóstico veio num ápice: tinha que substituir a válvula aórtica. A contar nove décadas de vida, a cirurgia convencional nunca foi opção. Era a TAVI a resposta.
“Durante a intervenção, deram-me uma sedação e arranjaram um assunto para me pôr a falar e lá fui falando”, lembra ele. Passou uma noite no hospital. “No dia seguinte já vim embora para casa e fui logo trabalhar. Foi como se nada tivesse feito. Até fiquei espantado.” A falta de ar foi embora. Hoje, tem 93 anos, é ávido de vida. Não se resigna à reforma, construiu uma oficina no quintal de casa, em Esposende, para continuar a dedicar-se à alfaiataria. Chega a trabalhar cinco a seis horas por dia. Não é capaz de estar parado “a esperar a morte”.
Critérios e vantagens
O diretor do serviço de Cardiologia do Hospital de São João, Filipe Macedo, alerta que a estenose aórtica é a lesão valvular mais prevalente na Europa. E admite muitas vantagens no recurso à TAVI. Desde logo a rapidez. Numa manhã no bloco, o médico faz, em média, três TAVI. “A cirurgia clássica implica a abertura do esterno, internamento hospitalar de seis dias, tem riscos e é feita sob anestesia geral. Enquanto a TAVI só requer sedação, tem tempos de recuperação muito inferiores e é significativamente menos agressiva para o doente.” Aliás, há vários casos de implantação em doentes com mais de 90 anos em Portugal. Pese embora as vantagens, nem todos têm critérios.
Tudo depende da discussão de uma equipa médico-cirúrgica designada de Heart-Team. “É óbvio que toda a gente quer uma TAVI. Mas os custos ainda são muito grandes comparados com a cirurgia convencional”, frisa o também diretor do Programa Nacional para as Doenças Cérebro-Cardiovasculares. As próteses valvulares da TAVI, pela tecnologia que trazem, custam entre 16 mil e 18 mil euros. O risco cirúrgico e a existência de comorbilidades, como a diabetes, doença renal ou histórico de AVC entram na mesa do debate. De forma geral, são os pacientes com mais de 75 anos e mais frágeis os candidatos a TAVI, “porque não aguentam uma cirurgia geral e ao fim de 48 horas podem estar em casa”.
E as recentes recomendações das sociedades europeias de cardiologia e de cirurgia cardiotorácica referem isso mesmo: os doentes com mais de 75 anos com estenose aórtica grave devem ser submetidos a TAVI e não a cirurgia.