“Trends, no trends”. A moda está a mudar

O conceito tradicional desconstruiu-se. As tendências são cada vez mais transversais aos tempos e mais versáteis. E a pandemia também teve dedo nisso. O conforto entrou pela porta grande, aproveitam-se sobras de coleções inteiras para dar vida a novas peças, corre-se atrás da pressão de consumidores pela sustentabilidade que entrou de vez nos tecidos e nas linhas de produção. E até quem assume estilos fora da caixa, sem seguir as montras estação após estação, tem influência na indústria. São os fenómenos sociais a ganhar peso. Uma moda cada vez mais criada por todos.

A pandemia a ditar tendências

A história a entrar pelas montras das lojas adentro não é novidade. E a pandemia não fugiu à inevitabilidade de ficar cravada nas tendências de moda. “É evidente que o trabalho em casa alterou muito os hábitos de vestuário. Desde logo as pessoas passaram a usar muito menos roupas formais. Não é de todo estranho vermos firmas produtoras de fatos, como a Dielmar, a cair.” Alexandre Oliveira, CEO da GT Portugal, agência têxtil que faz a ponte entre fábricas portuguesas e marcas pelo Mundo fora, trabalha no setor da moda há décadas. E não tem dúvidas da influência dos grandes acontecimentos no mercado. Afinal, a história também se escreve no que vestimos. Basta olhar para os anos 1980, que estamos a reviver, “com tendências muito masculinas, desde os blazers muito largos ao estilo militar, que estão associadas a políticas muito fortes, de Ronald Reagan a Margaret Thatcher, e mesmo em Portugal com Cavaco Silva”.

No mundo giratório da moda, a covid-19 carregou no acelerador do conforto, que já andava no radar. As sapatilhas, as malhas, as sweatshirts estão cá e vieram para ficar. Um exemplo. “Depois de dois anos a usar sneakers, muito dificilmente as mulheres voltam ao tacão alto, a não ser em ocasiões especiais”, explica Alexandre. Certo é que a indústria, sobretudo a da roupa formal e de noite, levou um abanão como nunca. E houve stocks a ficar entre as paredes dos armazéns ou alargou-se o prazo de validade das tendências e as mesmas peças voltaram agora às lojas? “Depende. O mercado mais conservador, como é o alemão, que fechou durante todo o tempo de covid, está a reabrir em grande crise e as empresas abasteceram-se pouco, estão a manter as coleções. Mas em mercados mais dinâmicos, como o dos Estados Unidos, que reagiu rápido no online, conseguiram esgotar os produtos. Até venderam mais em 2020 do que em 2019.” Outros houve, como no Reino Unido, em que se cancelaram encomendas logo em março de 2020 e pouco restou para, agora, renascer das cinzas.

Até um gigante como a Zara, que vende nos dois hemisférios, comprou menos no arranque da pandemia, mas rapidamente ajustou as montras online aos novos tempos e terá recuperado pouco da era do confinamento para esta estação. E Portugal? “É um mercado que sofre menos com a variação de tendências”, diz Alexandre. Mais do que isso, adaptou-se rápido ao aproveitar tecidos já em stock para máscaras. O excedente de roupa formal, esse, é que é certo. “Mas há uma vantagem, as mudanças aí não são tão radicais.”

Upcycling: sobras a gerar novidade

Mesmo com um mercado português a reagir bem às mudanças, Graça Guedes, especialista em design e marketing de moda, defende que houve coleções inteiras a ficar em armazém e que o upcycling entrou em força. Que é como quem diz, transformar peças ou tecidos já em stock e adaptá-los às novas tendências. “Há marcas a reformular peças. E há uma nova forma de upcycling. Normalmente, temos matérias-primas limitadas. Agora, temos centenas ou milhares de peças, é um upcycling em série. É mudar uma bainha, uma gola, acrescentar um detalhe numa série de peças iguais. Uma coisa que antes nunca aconteceu.” O setor que até então tinha lidado com restos de coleção ou com artigos que não fizeram sucesso, passou a ter, segundo a docente da Universidade do Minho, coleções inteiras paradas e as empresas não podem carregar um prejuízo tão absurdo nem “desperdiçar toneladas de peças”, até por uma questão de consciência ambiental.

“É evidente que muitas foram desviadas para o comércio online e foram vendidas. Mas é preciso olhar para as estatísticas, que apontam para uma quebra significativa de vendas no setor têxtil e de vestuário. As pessoas em casa não sentiam necessidade de comprar tanto. A pandemia teve um impacto brutal”, observa a professora de tendências. A par do upcycling, também haverá artigos, sobretudo os básicos, “que estão a voltar às lojas tal e qual eram”.

Até porque a moda tem vindo a tornar-se mais transversal às estações. “As peças já são pensadas de maneira a que façam conjunto com as de coleções anteriores, há mais continuidade na cor, padrões. Há sempre as de topo de estação, que marcam nas cores, texturas, silhuetas. As marcas não podem repetir propostas, têm de lançar produtos novos se querem manter-se no mercado. Mas os básicos mantêm-se”, constata. E uma coisa é o que as agências de tendências dizem, “mas o que interessa é o que as marcas estão a pôr nas lojas”.

O futuro mora no conforto

E as lojas rechearam-se de conforto. Da cabeça aos pés. É essa a grande tendência ditada por um vírus que nos mudou até a forma de vestir. Menos folhos, menos rendas, menos sapatos formais, mais materiais macios e largos, mais sapatilhas. “A pandemia alterou padrões de consumo. E as habilidades da roupa de estar em casa juntaram-se agora à roupa de ir à rua”, sustenta Miguel Pedrosa Rodrigues, vice-presidente da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal (ATP). O mercado foi rápido, até porque, atualmente, as tendências são mais aceleradas. “Deixaram de ser momentos tão estanques no tempo de apresentação de coleções, são mais dinâmicas e as marcas são reativas. Porque agora também dependem do que uma Kardashian veste ou não”, realça Miguel. Há mais forças a influenciar o percurso das tendências. E a pandemia foi uma delas. Com a moda informal, o streetwear, os básicos, a ganharem traços de sofisticação e a tornarem-se produtos de status. “Hoje, há sweatshirts com valor de retalho de 800 euros. Quando antes o casaco de pele é que seria o luxo”, destaca o dirigente da ATP.

E a malha está a entrar a grande velocidade no premium, até em calças, o que beneficia Portugal, que tem indústria nessa área. A tendência já vinha de trás, é certo, mas a covid-19 acelerou-a, e muito. É o loungewear a ganhar destaque nas prateleiras. “E não vejo maneira de voltas atrás nisto. As pessoas não voltam a ser as mesmas. Mudaram hábitos em tudo”, conclui Graça Guedes.

O sprint atrás da sustentabilidade

A mais antiga marca de sapatilhas portuguesa, que foi relançada em 2019 para uma “terceira vida” pela bracarense M2Bewear, não se sentou à sombra da história de quase 90 anos e pôs pés ao caminho. A sustentabilidade entrou pela porta grande da Sanjo nas últimas coleções produzidas em Portugal. Não é a única. Os setores da moda e do calçado estão a sentir a pressão ecológica e a despertar para um caminho sem retorno. “Tem muito a ver com a mensagem da marca, estamos a tentar minimizar a pegada”, assume Vítor Costa, responsável pela direção criativa e design e pelo desenvolvimento de produto.

Desde o início de 2020 que a mais antiga marca de sapatilhas portuguesa está a investir em materiais sustentáveis. Algodão orgânico, burel, material reciclado de lixo de plástico. Vítor Costa, diretor criativo da Sanjo, assume que as marcas não podem ignorar a pressão ecológica
(Foto: Gonçalo Delgado/Global Imagens)

Desde o início de 2020 que a Sanjo está a investir no algodão orgânico, mesmo custando mais do dobro da lona habitual das tradicionais sapatilhas. “E usamos o burel na construção do calçado, que é um produto português, natural e que respeita a Natureza. É a lã da tosquia feita manualmente uma vez por ano aos animais pelos pastores.” Mais recentemente, entrou ainda em jogo um material reciclado de lixo de plástico, “similar a um nylon impermeável”. Já para não falar da bombazina, que deixou de usar recursos animais. “Já temos mais de seis materiais novos com esta preocupação”, sublinha Vítor. Até nas solas optaram por “uma borracha não tão nociva” e uma montagem mais amiga do ambiente.

“Não podemos ignorar. Mesmo nos processos de fábrica tentamos usar menos químicos, menos água.” E até no comércio online a questão ambiental mexe, com um projeto-piloto com os CTT, em que a caixa é devolvida. Vítor Costa não tem dúvidas, “os consumidores estão muito mais sensíveis, isso é certo”.

Centenas de empresas certificadas

Segundo Braz Costa, diretor-geral do Centro Tecnológico Têxtil e Vestuário (CITEVE), “já são centenas as empresas portuguesas certificadas a este nível”. “Cresceu exponencialmente nos últimos cinco anos. Foi a pressão do mercado.” Arrisca dizer que é este o setor a agarrar com mais força a sustentabilidade. E as fábricas nacionais estão na linha da frente. “O boom de encomendas, sobretudo do mercado europeu, tem muito a ver com o facto de Portugal ter propostas nesta área. Isso não significa que não haja muito por fazer.” Aliás, em 2022, com o apoio do Plano de Recuperação e Resiliência, há iniciativas no nosso país que vão sair da gaveta, “desde biomateriais à reciclagem, com um recycling hub”.

Certo é que este é um círculo vicioso. As fábricas de confeção são pressionadas pelas marcas para as quais produzem, que querem evidências de sustentabilidade para erguerem como bandeira, pressionadas também elas por clientes mais exigentes. “As marcas precisam de dar respostas à opinião pública. Vai-se a uma loja hoje e vemos logo anúncios a dizer que é orgânico, que é sustentável.” Nem todo o marketing é bem verdade. E numa sustentabilidade ainda tão difícil de medir, com tudo o que envolve, desde os campos de algodão ao transporte, a transparência é o caminho. “Para o cliente saber o percurso da peça, quantos litros de água foram usados, quantos pesticidas, quanta energia, se a produção recorreu ou não a trabalho escravo, um indicador que não serve a Europa, que tem leis apertadas.”

O CITEVE certifica produtos pelo material usado ou fábricas pelos seus processos eficientes, seja na utilização de água ou no recurso a corantes naturais para evitar produtos químicos. “O que está mais em voga atualmente é a certificação de produtos reciclados, de algodão orgânico e de produtos que garantem que não têm substâncias nocivas à saúde.”

Menos peças, mais qualidade

Susana Fonseca, da associação ambientalista Zero, é mais crítica. Não nega que as marcas estão despertas, “mas sobretudo a grande indústria ainda está muito focada na reciclagem, a única dimensão que não interfere com o modelo de negócio”. E o problema, defende, é que a reciclagem de roupa é difícil. “Porque há mistura de fibras e quanto mais mistura temos, mais difícil é reciclar uma peça.” O investimento deve ser na origem. “As marcas estão constantemente a criar novas coleções, que instigam mais consumo, quando deviam apostar em roupa com mais qualidade, que dure mais tempo, com fibras mais fáceis de reciclar. Fazer menos e com mais qualidade.” Susana reconhece que já há aposta em fibras sustentáveis, no uso de produtos menos poluentes, mas o verdadeiro desafio está na redução. “A quantidade de peças produzidas anualmente é brutal. E a acumulação de resíduos é imensa.” A partir de 2025, a Estratégia Europeia em Matéria de Têxteis Sustentáveis já vai obrigar os países a gerir os têxteis ao nível dos resíduos. Uma pressão legislativa.

Salsa quer poupar milhões de litros de água

No corre-corre de um mercado acelerado, não há dúvidas de que a sustentabilidade virou música para os ouvidos de consumidores e marcas. E a Salsa não fechou os olhos. Uma promessa até 2023: poupar 82 milhões de litros de água e eliminar o plástico nas embalagens das calças de ganga, evitando um milhão de sacos por ano. “Temos consciência de que esta indústria é complexa. Mas a sustentabilidade deixou de ser negociável do ponto de vista do consumidor, é um dado adquirido.” Félix Santos, fashion design director da Salsa, afirma-o sem rodeios.

Na coleção outono-inverno da Salsa, 25% das jeans já são ecowash, ou seja, têm a poupança em média de 58% de água. Félix Santos, fashion design diretor da marca portuguesa, diz que “a sustentabilidade deixou de ser negociável do ponto de vista do consumidor”
(Foto: Miguel Pereira/Global Imagens)

A marca portuguesa tem vindo a desenvolver técnicas sem recurso a água para o processo de lavagem dos jeans – e sem comprometer a qualidade – desde 2013. Só agora viram a luz do dia. “De toda a nossa coleção outono-inverno 2021, 25% das peças jeanswear já são ecowash. Até 2023, todas elas serão.” Significa isto que em cada par de jeans ecowash, há a poupança, em média, de 58% de água. Um cálculo certificado pela Control Union, organização global.

A estratégia de sustentabilidade da Salsa também inclui a embalagem da loja online que é feita com cartão microcanelado em vez de kraft, o que permite poupar 165 toneladas de cartão. E até a logística foi repensada. “O novo ship from store permite-nos reduzir a emissão de CO2 por transporte aéreo em mais de 100 toneladas e quase 30 em emissões de consumo de combustível.”

Novas gerações não vão facilitar

Segundo António Dinis Marques, engenheiro têxtil e professor na área do design têxtil e de marketing, “um mercado mais exigente beneficia os países que respeitam os direitos dos trabalhadores e que têm regras”. É o caso da União Europeia, que tem legislação nesta área. “O setor está a ser todo levado por esta onda de processos, materiais e tecnologias mais limpas. E é uma tendência que está a ser bem agarrada pelas empresas portuguesas.” Umas mais do que outras, depende do arcaboiço. “Mas, mais cedo ou mais tarde, todas vão ter de caminhar para certificações ambientais.” Até porque a indústria da moda é uma das mais pressionadas e as novas gerações “não vão facilitar, não é à toa que vemos greves climáticas”. Também por isso, considera que os próprios designers têm de começar a incorporar o eco design, pensar no fim de vida da peça. “Pensar na reutilização ou reciclagem. Misturar materiais torna tudo mais difícil”, diz quem sabe que, para as marcas, este movimento “implica mais custos, alteração de fornecedores, da cadeia de valor, dos métodos de trabalho, matérias-primas mais caras”. Só que não há outro caminho possível.

À medida da personalidade

“Porque aquilo que vestimos também é uma forma de comunicar.” A frase, roubada do genérico do magazine sobre moda “Armário”, foi repetida ao longo de 13 episódios na RTP2. E resume bem o universo de Joana Barrios, que lhe dava corpo e alma. Vindo de uma confessa não seguidista de tendências, tão conhecida pela mão para a cozinha como pelo estilo fora da caixa, “é só juntar um mais um”. Porque a moda também se faz de quem não segue o que o mercado dita, de quem brinca com a roupa para lá da ditadura das montras. E as tendências já não são, afinal, apenas criadas por designers.

Antes de chegar aos passeios no mainstream, a cozinhar num programa da manhã ao lado de Cristina Ferreira, Joana Barrios já dava nas vistas no universo da moda. A atriz do Teatro Praga, autora de livros de receitas, abriu essa porta com o blogue Trashédia. Há uma razão para isso. “O vestuário, desde que tenho memórias, é uma coisa sempre presente. Seja através da memória visual ou de sensações ou estados de espírito que a roupa me transmitia.” Em miúda, as brincadeiras faziam-se de tecidos, agulhas, dedais, de fazer roupa para brinquedos. Um bocado como agora, brinca, mas com os aventais criados por si que vende online.

Entre a televisão, o teatro e a cozinha, Joana Barrios também dá nas vistas na moda. A atriz, que entrou nas luzes da ribalta num programa de Cristina Ferreira, assume um estilo muito próprio, que é já imagem de marca
(Foto: Carlos Pinto)

Ao contrário do que se possa pensar, raramente perde tempo de manhã com as conjugações improváveis que veste. “De todo. O processo é anterior.” Só compra peças de que gosta mesmo muito. Não se compromete com coisas que não a apaixonam na totalidade. “Vai daí, sei perfeitamente o que tenho à disposição – que é pouca coisa para espanto de muita gente – e na hora de me vestir é só pegar no que estou a sentir.” A roupa vem de todo o lado, “herdada, emprestada, feita à medida”. Liga pouco ou nada às tendências de cada estação. “Mesmo que sejam peças super incríveis de temporada, só me comprometo se for para ficar. E quando entra uma sai outra.”

Ainda assim, na prateleira dos favoritos, tem designers que é capaz de vestir quase sem pestanejar. Ricardo Preto, Alexandra Moura, Manéis, Chanel, Bottega Veneta, Prada, Sacai, Victoria Beckham, Miu Miu. Tudo o que comunica, até o que veste, assume, tem uma intenção ativista. Ambiental, social, económica. “A moda é comunicação não-verbal”, sublinha. Talvez por isso, não haverá quem a siga nas redes sociais e na televisão na ótica de ser uma inspiração, uma criadora de tendências? “Ai, acho que não. Mas se for o caso, desculpem qualquer coisinha.”

A remar contra a indústria

Silvana Mota Ribeiro, socióloga da cultura e dos estilos de vida, chama-lhe slow fashion. “São pessoas que compram peças de que gostam e usam-nas durante anos, que vão contra a indústria da moda tradicional, de tendências sempre a mudar. Este tipo de pessoas que tem um estilo muito próprio, naturalmente que não o mudam de três em três meses como a indústria nos quer fazer crer que deve ser.” São menos sensíveis às ondulações do mercado. Não vão, assegura a docente de Moda na Universidade do Minho, “às lojas ver o que se vai usar”. Nem vão usar padrões de leopardo só porque está na moda ou tornar-se minimalistas se o seu estilo é romântico ou exuberante. Quem se veste de forma muito marcada corre antes atrás de peças “únicas ou especiais”. “E tem respeito pela ideia de peça que é feita por alguém.” Preferem até investir mais. “Podem comprar uma t-shirt por 50 euros, mas ficam com ela durante vinte anos.”

E também ditam tendências? “Quero acreditar que sim. Sobretudo na sua comunidade. No sentido em que passam a mensagem de que não precisam de estar sempre a comprar o que chega de novo para estar na moda e ter pinta. Porque ter um estilo marcado não significa estar completamente desfasado do que nos circunda.” E o mercado também abre cada vez mais o leque da oferta para dar resposta a isto. “O fenómeno de não comprar constantemente o que está em tendência está a tornar-se maior. E agora há mais opções de escolha, em segunda mão, online.”

Moda mais versátil

Para Vanessa Santos, designer de moda, “o setor tem reagido rápido às mutações que vão acontecendo em termos sociais”. Até porque “há toda uma máquina por trás da indústria do vestuário/moda”. Que já percebeu que há figuras com estilos marcantes que acumulam seguidores nas redes sociais, uma espécie de modelos a seguir. Por isso mesmo, a professora da Escola de Moda do Porto reconhece que na moda “existe cada vez mais espaço para a individualidade”, com tendências mais versáteis, adaptáveis ao estilo de cada um. “Nem todos seguem as tendências tal e qual como elas são apresentadas, as pessoas tornam suas as tendências, personalizam, adaptam, reciclam. E a sociedade tem um papel fundamental nas tendências, porque é a própria que as influencia, que cria necessidades que precisam de ser colmatadas pelos designers e marcas. O nosso papel não é só criar necessidades, também é seguir as influências de tudo o que nos envolve.”

Mas é possível não seguir tendências e estar na moda? A resposta é sim. “Estar na moda é ser original e fiel àquilo que se é. A moda é uma forma de afirmação, daquilo que somos mas também de como gostámos de ser vistos. Aquilo que visto, as marcas que uso, faz parte daquilo que sou.” E há uma predisposição hoje para “nos apresentarmos realmente como somos, usar aquilo que queremos e não o que nos dizem para usar”, frisa. “Há uma tendência para que a moda seja cada vez mais global, criada por todos e acessível a todos.”

“Autêntica em tudo”

Alexandra Jesus é o exemplo perfeito. Da humildade do seu anonimato, sabe que há quem a siga no Instagram para se inspirar. “Não sou uma fashion victim. Sou autêntica em tudo. Adoro peças, adoro moda e adoro pessoas.” É artista plástica, 49 anos, em Vila Franca de Xira. Há mais de uma década que vive da pintura – como sempre sonhou desde pequena – e estendeu o negócio às t-shirts, sweatshirts, sacos, blocos, agendas com a sua marca Alexa Jesus. Os corações estampados por todo o lado são imagem de marca. “A minha vida é zero monótona, super colorida e sem stress.” E parece o espelho da roupa que veste. “Sou capaz de usar uns calções com padrão camuflado e uma camisa com padrão tigresa vermelho e preto. Ah e tal, usa-se isto agora, não quero saber”, atira.

Não tem medo de misturar cores nem padrões. Compra peças duas vezes por ano e adapta com o que tem mais antigo no armário. Sapatos e básicos são a perdição. “Se comprar peças de que gosto e tiver muitos básicos, consigo criar muitas conjugações.” De manhã, é rápida, “tudo fica bem com tudo”. “Estou sempre despachada. O que vence é a atitude.” Não é acaso ter vencido em catraia um prémio de construções cromáticas.

Alexandra sabe que arrisca, muito. “Misturo tudo. Porque gosto disso. Percebo que sou fora da caixa, mas gosto de ser assim.” As amigas ou seguidoras perguntam-lhe onde comprou o vestido, os sapatos. Muitas vezes, são peças com mais de dez anos. “Não gasto muito dinheiro em roupa. Já gastei, mas não me importo, ainda visto tudo.” E assume, sem pudores nem pretensiosismos: “Não sou uma trendy girl. Mas acho que sou criadora de tendências no meu núcleo. As pessoas querem comprar igual a mim. Porque comunico a minha boa energia na roupa”.