Jorge Manuel Lopes

Todos procuramos uma casa

As escolhas de cinema de Jorge Manuel Lopes

No final da Guerra Civil americana, com a poeira longe de assentar, o antigo capitão Jefferson Kyle Kidd desenrasca uma profissão conveniente para quem a fuga, sem especial rumo, é uma proteção para a saúde mental: de terra em terra, em assembleias noturnas, munido de um molho de jornais, lê as mais recentes notícias locais e nacionais. No norte do Texas, em 1870, caldo em violência, ressentimento e anarquia, ele encontra uma desamparada Johanna. A rapariga tinha como destino uma localidade longínqua e uns tios de acolhimento; o soldado negro que a transportava acabou pendurado pelo pescoço numa árvore. Os pais de Johanna, alemães, haviam sido chacinados, e ela ficara temporariamente aos cuidados de uma tribo Kiowa que lhe deu um idioma, roupas, hábitos. O capitão ajustou o plano de divagação para entregar a jovem aos tios, encetando os 600 e tal acidentados quilómetros que ocupam o miolo de “Notícias do Mundo”, um filme de Paul Greengrass.

Na pele do capitão protagonista, Tom Hanks compõe um homem perdido, de uma tristeza que se espalha até às raízes. Há cinco anos que não retorna a casa porque a mulher sucumbiu à doença (cólera) durante a guerra. Sem despedida. Suor, poeira, chuva, rochas e deserto – é também isto que dá corpo a “Notícias do Mundo”, matéria omnipresente enquanto o capitão e Johanna (ou Cicada, como os Kiowa a tratavam) se cruzam violentamente com caçadores de prémios e com um alucinado feito dono de um povoado, ou quando um acidente lhes destrói carroça e cavalos.

Cada desenvolvimento narrativo ajuda a solidificar a ideia central deste filme. Uma ideia de regresso a casa. Da procura de uma casa quando as anteriores foram visitadas pela morte. Uma casa como essência, espaço físico e emocional. Helena Zengel transmite uma força vital a Johanna, assustada e indomada, muitas vezes silenciosa. Tom Hanks arranca uma performance épica de contenção.