Soreto de Barros: o conciliador

Soreto de Barros é presidente da Comissão Nacional de Eleições (Ilustração: Mafalda Neves)

Os netos, sempre. O pomar, as roseiras e os peixes, sempre que pode. Gosta de azul, apesar de ser do Sporting. Gosta de receber atenção, embora não a peça. Tem alguns receios, mas é um otimista.

Sempre que pode refugia-se em Sintra para cuidar do pomar, das roseiras, dos peixes. “Um quintaleiro com uma pequena casa”, investimento feito a pensar na reforma, por enquanto lugar de fins de semana. Perfeito, dir-se-ia, para tempos de confinamento. Ou não, por causa das saudades dos netos. “Não dá para estar tanto tempo longe deles. Preciso de os ver nem que seja da janela. Vê-los crescer é o meu prazer maior.”

Com os netos faz jogos de palavras. “Na medida em que me dão trela, falo com eles”, diz com sentido de humor. Têm entre 8 e 17 anos. Por eles e por causa deles “raramente olha para trás”. Com eles apurou o que considera ser a qualidade maior de quem julga. “Saber o que se passa à sua volta, compreender os outros e as suas histórias.”

Ir buscar os mais pequenos à escola é a alegria de fim de tarde que os membros da Comissão Nacional de Eleições (CNE), a que preside, conhecem bem. O advogado João Tiago Machado, nome proposto pelo CDS, recorda os primeiros encontros na CNE: “Ressalta desde a primeira hora a calma”. Depois, vai-se revelando “o sentido de justiça, a propensão para o consenso”. O presidente reúne com dez elementos das mais variadas áreas da sociedade e diferentes simpatias políticas. “Não condiciona, ouve a todos, procura soluções equitativas, nunca deixando a ideia de que há vencedores e vencidos.”

“Sempre com um sorriso”, mesmo quando se discutem temas polémicos – as regras da publicidade institucional ou o tratamento jornalístico das campanhas tem dividido a Comissão entre os mais e os menos legalistas. Nessas fases, recorre ao habitual sentido de humor. “Aí vamos nós para a unanimidade menos um.”

Expõe o que pensa apenas no final. “Tenta sempre encontrar uma saída. Tem alguma tolerância, deixa arrastar as discussões muito tempo para que todos se possam exprimir”, conta João Almeida, licenciado em Filosofia e técnico superior da Administração Pública.

Aos 73 anos, o presidente não tem pressa. “Já não tenho a preocupação de andar depressa. Uma decisão ponderada é sempre melhor do que uma decisão apressada”, salienta.

João Almeida retoma: “Nele a irritação parece uma indisposição. Quando tem de desempatar marca posição sem rebuço algum. Se lhe pisam os calos, reage, claro, mas nunca é irascível”. Indicado pelo PCP, lembra as primeiras impressões, já lá vão cinco anos, que o “tempo reforçou”: “Uma pessoa simples, sem pretensões desnecessárias”. Não lhe conhece preferência partidária. Nem precisa. “É um homem do sistema constitucional”, define.

Desengane-se quem pense que o cargo (não remunerado) é enfadonho. “Tem-me ajudado a envelhecer”, assinala o juiz jubilado. Em tempo eleitoral, a CNE reúne o plenário duas vezes por semana. No restante, uma vez. “Tive a sorte de encontrar pessoas que são um consolo. Muito afáveis, muito competentes e com vontade de fazer bem.”

Beirão da Tocha, terra da sardinha na telha e da batata assada na areia com bacalhau, fez a Escola Primária à custa de caminhadas diárias de dois quilómetros que ainda hoje recorda. As férias de verão, passava-as na praia da aldeia. “Aprendi a nadar, mal, naquele mar.” De uma família modesta, sem tradição no Direito, escolheu cedo o caminho das leis, sempre com o fito da magistratura. Depois de uma passagem pelo Ministério Publico, enveredou pelos estudos judiciários. O desembargador Pedro Antunes conheceu-o no Palácio de Justiça e na Associação Sindical de Juízes. “Alguém perspicaz, muito sensato e inteligente.”

Soreto de Barros fala de si com desconforto. “Obstinado, afável, com alguma desenvoltura social, mas sendo nunca a estrela da companhia”, solta a custo. A doutrina diverge. Em Coimbra, foi membro do Teatro Universitário, nas récitas liceais era o declamador de serviço. “Cheguei a crer que dizia bem a Toada de Portalegre.” José Régio é, ainda hoje, um dos poetas preferidos.

Gosta de azul, apesar de ser do Sporting. Gosta de futebol e da geometria do jogo. Gosta de receber atenção, embora não a peça. Gosta de viajar e do verão no Alvor. Irrita-se com quem não aproveita a vida e conflitua pelo que não tem importância alguma. Gosta de música, de acompanhar o que se passa no Mundo. Apesar de alguns receios, é um otimista.

José Vítor Soreto de Barros
Cargo:
Presidente da Comissão Nacional de Eleições
Nascimento: 27/04/1947 (73 anos)
Nacionalidade: Portuguesa (Tocha, Cantanhede)