Valter Hugo Mãe

Serralves e a EDP


Rubrica "Cidadania Impura", de Valter Hugo Mãe.

O centralismo reduz Portugal e eu considero inaceitável que proíbam o país para lá de Lisboa.

Ao anúncio da parceria estabelecida entre a Fundação de Serralves e a EDP senti um calafrio. Serralves é claramente a estrutura de programação mais consistente do país no espectro das artes plásticas contemporâneas. Não me admira que, depois de tantos anos mostrando a maravilha que faz, seja considerada para acudir um projecto cultural que a EDP parece ter definido por precipitação na atolada cidade de Lisboa, onde o centralismo também se mede assim.

O primeiro sinal de susto é dado por Luís Marques Mendes, no seu comentário habitual na SIC, no passado dia 7 de Novembro, quando julga estar a fazer alguma justiça dizendo: “Uma fundação muito credível, com provas dadas, com um trabalho magnífico no Norte, e que assim ganha dimensão nacional em Lisboa e dimensão internacional”. A dimensão de Serralves foi sempre internacional. Pelas suas salas passaram muitas das mais impactantes exposições do país, com inigualável importância entre nós, de Andy Warhol a Francis Bacon, de Yoko Ono ou Anish Kapoor a Louise Bourgeois ou Ai Weiwei. O Porto tem estado na rota superior do mundo das artes plásticas contemporâneas, e era só o que faltava que o país tivesse de ter todo o pé em Lisboa para justificar seu território, suas gentes, sua diversidade, sua pertinência nacional e internacional.

O centralismo reduz Portugal e eu considero inaceitável que proíbam o país para lá de Lisboa. A insistência na fórmula lisboeta para todas as ratificações é um modo de rasurar e cancelar o país e nós não somos o Luxemburgo que se sumaria numa cidade. E se isto pode ser dito em relação à brilhante Fundação de Serralves, no espaço da cidade impossível de ignorar que é o Porto, como esperar uma paridade mínima com Évora ou Bragança, Viseu ou Viana do Castelo, Coimbra, Braga, Funchal ou Ponta Delgada? Como esperar um país consciente de si mesmo, de sua inteireza e consequente necessidade de atendimento?

O calafrio que acontece nos amigos de Serralves tem que ver com a facilidade com que o convite feito pela EDP pode ser envenenado. O risco de secarem a acção da Fundação para caucionarem as estruturas lisboetas, desde logo o MAAT, é tremendo. Temo que possamos assistir a uma pressão sobre Serralves para privilegiar o espaço lisboeta em detrimento do portuense, sendo levada a contribuir para o centralismo e a ser boicotada no seu fito principal que é o de se erguer na quinta de sonho onde começou por se erguer. Claro que todos me dirão que isso não vai acontecer. É também claro que vai. São infinitos os exemplos em que o Porto serviu de incubadora para as grandes iniciativas que, “com provas dadas”, se viram desviadas para a capital com a passividade, ou mesmo com o entusiasmo, dos governos e dos mecenas.

Depois que Vicente Todolí saiu para a Tate e João Fernandes saiu para o Reina Sofia, já muito bem se entendera a dimensão de Serralves. Na verdade, se a Fundação quiser agora correr o risco de prestar vassalagem à EDP de Lisboa poderá, sim, virar uma experiência confrangedora. Uma ida à madrinha para mostrar como tem a roupa tão engomada e os sapatos a reluzir de verniz.

Com isto, acenderei uma vela aos meus santos.

(O autor escreve de acordo com a anterior ortografia)