Rita Pereira e Gonçalo Peixoto cúmplices na passarela e na vida

Ainda adolescente, Gonçalo Peixoto seduziu Rita Pereira com o seu talento. Oito anos depois, as propostas do designer continuam a vestir a atriz que, nas redes sociais, as promove com impacto reconhecido.

Pontuais e com um “bom dia” em uníssono, Rita Pereira e Gonçalo Peixoto rapidamente acusam a cumplicidade que os une, mesmo antes de recordarem como se conheceram ou como a moda os juntou. A conversa surge a pretexto da produção que ilustra estas páginas e da relação que começou através das redes sociais e que acabaria por se transformar numa amizade incondicional. No Tivoli Avenida, em Lisboa, o criador vê uma das suas musas posar com sugestões da coleção que este domingo é exibida na ModaLisboa, e que espelha a sua versatilidade. “A Rita é, atualmente, uma amiga e das pessoas mais importantes da minha vida e a quem ligo quando tenho alguma novidade ou algo para decidir, porque é muito honesta nos conselhos que dá. Não diz nada para me agradar, mas sim o que acha, quer seja muito bom ou muito mau.” Apesar de se conhecerem há mais de seis anos, a amizade cimentou-se há cerca de três/quatro, à boleia de uma viagem. “O Gonçalo lançou uma nova coleção e perguntou-me se eu não queria ir fotografar a Marrocos com uma peça dele. Eu conhecia a equipa toda e ele só queria uma imagem, até porque tinha ido uma manequim”, recorda Rita Pereira. “Foi aí” que se começaram a dar e “a almoçar ou jantar aqui e ali”.

O designer de Vila Nova de Famalicão tinha apenas 16 anos quando o seu talento conquistou a estrela televisiva. “Lembro-me que o Gonçalo me enviou uma mensagem pelo Facebook – na altura, ainda não havia Instagram – e também da primeira vez em que usei peças dele. Foi numa produção de sapatos, no Porto, no estúdio do André Brito, e a stylist trouxe a coleção do Gonçalo que eu achei super gira. A certa altura, já estava a dar mais protagonismo à roupa do que aos sapatos”, conta Rita. Nesse dia, a atriz conheceu pessoalmente o designer, que “era ainda uma criança”. “Gostei muito do estilo e, a partir daí, começámos a comunicar ainda sem a proximidade que temos agora”, acrescenta. Mais tarde, pediu a Gonçalo Peixoto que a vestisse para um badalado evento da capital, “que depois foi notícia em todo o lado”. “Era um fato amarelo”, descreve, recuando até à noite de 11 de setembro de 2015.

Na altura, ele estava no início da licenciatura em Design de Moda na Escola Superior de Artes e Design (ESAD) de Matosinhos, depois de ter feito o curso profissional no Cenatex, em Guimarães. Determinado a vingar na indústria da moda, criou a própria marca quando tinha apenas 17 anos, esperando pela maioridade para a lançar legalmente.

O impacto das redes sociais

A química entre a dupla é tal que, quando está a criar as suas peças, Gonçalo Peixoto pensa em Rita Pereira. “Acontece estar a meio do processo e mandar o trabalho para a Rita a dizer-lhe que é a cara dela. E, por vezes, faço o contrário e a Rita dá-me ideias, até porque ela é o que imagino enquanto consumidora da marca”, assume o designer, reconhecendo que a sua linha de biquínis lançada recentemente “tem o dedo da Rita”. Tal como a coleção de joias que ele assina. Para a atriz, Gonçalo “não se incluiu no núcleo elitista e foi muito inteligente ao juntar o lado Vogue com a vertente comercial, apostando em coleções que vendem”.

Muitas são as vezes em que Rita Pereira publica, no Instagram, fotografias com Gonçalo Peixoto identificando-o como autor do visual exibido. E, imediatamente, ele sente o peso da influência na divulgação do seu trabalho: “Às vezes, gostava que entrassem no meu perfil dois minutos depois de uma tag. Hoje em dia, o Instagram é a base de divulgação, ainda mais quando não há feiras internacionais, por causa da pandemia, e as ‘influencers’ são o expositor do que os designers fazem. No meu caso, a Rita é só uma das maiores influenciadoras em Portugal”.

O arrojo das suas criações rapidamente vira notícia, como aconteceu há três semanas em mais uma emissão do programa “All Together Now”, da TVI, no qual os dois são jurados, em que ela exibiu o “Holographic Set” da coleção primavera-verão, à venda por 249 euros. O conjunto composto por um colete com alças cruzadas e uma saia de cintura subida e abertura ao centro foi bastante elogiado e provocou milhares de reações entre os internautas. O impacto das redes sociais na carreira de Gonçalo também já acontece a nível internacional. Na semana passada, a cantora britânica Rita Ora divulgou imagens em que envergava um blazer oversized da coleção anterior de Gonçalo Peixoto. A publicação gerou inúmeras partilhas e teve eco em vários meios de comunicação social.

No total, são mais de 1,5 milhões os que seguem a profissional da ficção nacional, tornando-a um veículo de promoção de excelência. Mas ela garante que não o faz por obrigação e que não se coíbe de dizer quando não gosta de uma peça, até porque sabe que e Gonçalo não pode fazer tudo à sua imagem. O que não põe em causa o seu apoio incondicional: “Quando gosto de uma pessoa, quando acredito no trabalho daquela pessoa, aí vou até ao fim do Mundo para a apoiar. Quem me conhece sabe que é verdade, que eu dou um braço para apoiar aquela pessoa”.

Encontro de gerações

Gonçalo tem 24 anos e Rita 39. Uma diferença de idades que não significa um choque de gerações. É mais um encontro, asseguram. Rita diz mesmo que uma das coisas que mais admira em Gonçalo é “a sua maturidade fora da sua idade”. “Nós temos 15 anos de diferença e as pessoas podem pensar que ‘ou a Rita é muito criança ou o Gonçalo muito maduro’, mas a verdade é que eu não me sinto criança”, sublinha a artista. Em comum, “as bases da educação, a forma como olhamos para a família, os nossos princípios”. E adiciona: “Conheço muita gente e muitos estilistas, mas pouca gente entra em minha casa, inclusive amigos. Mas o Gonçalo, durante as gravações do ‘All Together Now’ esteve a viver em minha casa dois meses. Ele assiste à minha vida e é uma pessoa em quem realmente confio e sei que ele não me vai trair, mesmo se nos chatearmos”.

Rita acompanha com orgulho as conquistas do estilista e até se vê “como tia dele ou como uma familiar que já viveu aquilo que ele está a viver agora”. Curiosamente, ela também começou cedo a trabalhar e também na indústria da moda, mas como manequim, carreira que prosseguiu a par dos estudos. “Os caminhos acabam sempre por se encontrar e eu vejo nele aquilo que já passei. E se ele puder passar as partes más pelas quais eu tive que passar com a minha ajuda, eu estarei lá para o ajudar. Mas nunca a 100%, para ele ir lá abaixo e perceber como é bom vir acima e dar valor.” Muito antes de imaginar que viriam a privar, Gonçalo seguia com atenção todos os papéis de Rita Pereira. “Adorava os ‘Morangos com açúcar’ e a Soraia, a personagem dela que foi muito marcante. Foi a primeira série que eu vi”, partilha, perante o olhar atento da protagonista.

Focados no presente, os dois sonham com um futuro sem vírus e sem máscaras. Gonçalo ambiciona voltar a juntar os amigos em eventos da sua marca, até porque nunca teve um desfile que não terminasse com uma festa. “Sempre com Rita por perto”, como faz questão de frisar. Mesmo que, em breve, ela regresse ao plateau e tenha guiões para estudar. O designer tem “saudade do toque e de sair à noite” e essa saudade foi a inspiração para a coleção que, na noite deste domingo, leva à cena no último dia do calendário oficial da 56.ª ModaLisboa. “É quase um grito de liberdade. Uma coleção que saiu da alma.”

Rita Pereira

Na moda para pagar a faculdade e comprar o próprio carro

Rita Pereira quis ser bailarina, mas desistiu desse sonho na adolescência, ciente de que “em Portugal é muito difícil”. Trabalhou depois como modelo, quando estudava Comunicação e Publicidade, para “ganhar dinheiro para pagar a faculdade e comprar carro”. Acabou por se inscrever em agências que a motivaram a apostar na representação. Na bagagem já levava cinco anos de teatro amador no grupo da escola onde andou. “Sempre fiz muitas coisas, pois não gostava de estudar”, confidencia.

O salto para a fama aconteceu com “Morangos com açúcar”, em 2004, mesmo que tenha ido ao casting sem grandes pretensões e a pensar que “era mais uma participação como já tinha feito em outras novelas”. Foi escolhida e não teve dúvidas sobre qual o caminho a seguir. Fez cursos e passou a somar personagens de destaque ao currículo. A última foi Madalena Alvarenga, na novela “A Herdeira” (TVI), e ainda este ano voltará a ter um novo papel. O primeiro desde que se estreou na maternidade, em dezembro de 2018, com o nascimento de Lonô. Mesmo que, entretanto, tenha brilhado na apresentação de programas como “Dança com as estrelas” ou “Somos Portugal”, na estação de Queluz de Baixo.

Gonçalo Peixoto

À conquista das semanas internacionais

A poucos dias de fazer 24 anos, em fevereiro, Gonçalo Peixoto estreou-se na Semana de Moda de Milão com a coleção outono-inverno 2021/22, que agora volta a estar em destaque na ModaLisboa, este fim de semana. No total, são 21 sugestões que espelham “a saudade do toque, de sairmos à noite, quase como um grito de liberdade que saiu da alma”, em plena pandemia. Da coleção constam os vestidos coordenados por Rita Pereira.

“Feliz e realizado” com o percurso já trilhado, o designer admite que “há muita coisa ainda para fazer”. Com base no Porto, tem objetivos bem definidos e vai até onde os desafios e os desfiles o levarem, seja Lisboa, seja outra qualquer capital da moda. Antes de Milão, Gonçalo teve a primeira internacionalização em 2017, quando participou num palco para novos designers na Semana de Moda de Londres.

Consciente do peso da comunicação, Gonçalo Peixoto não esperou pelo primeiro desfile para ser conhecido. Reflexo da geração Z a que pertence, começou por criar ‘buzz’ através das redes sociais. A marca “deu um pulo gigante” e ele diz que já não consegue fazer tudo, embora saiba modelar e até costurar. Mesmo assim tenta acompanhar “o máximo possível” o trabalho no ateliê. “A minha vida é muito agitada, mas tenho medo de estar parado e estou bem assim.”