O “nom de plume” dela é Deadly Raquel, o que quererá dizer Raquel Fatal. É uma mulher de proporções kardashianas, uma BBW, Big Beautiful Woman, diz ela, mulher volumosa bonita. Tem 22 anos, mora na margem sul da capital de Portugal e é uma rapariga comum que desde março de 2019 publica e transmite no Only Fans os seus momentos solipsistas de luxúria confidencial.
Imagem e edição de Sofia Marvão
Tem 231 fãs que são clientes pagantes com taxas variáveis entre 4,99 dólares e 49,99 (o dólar é a moeda referencial global e os pagamentos são eletrónicos, PayPal, transferência bancária, MB Way, etc.) e ocorrem sempre promoções. O Only Fans fica com 20%, os restantes 80% são o lucro de Raquel. Além da taxa mensal, os fãs também pagam pontualmente por produtos específicos, que, por exemplo, num vídeo encomendado com fetiche pode começar em 100 dólares e só parar no tamanho do desejo ou da carteira de cada um – dependerá de cada tipo de parafilia, que é o substantivo que mede as excitações sexuais mais estrambólicas.
Nos melhores meses, Raquel encaixa 1500 dólares mensais. Não só consegue sustentar-se como ainda contribui com a maior fatia para o orçamento familiar. Produz os seus próprios conteúdos, é dona do seu produto, nem sempre se despe, às vezes fica só em lingerie, ou a filmar os pés, mas tem uma gaveta inteira colorida, debaixo da cama, cheia de brinquedos sexuais com que atinge apogeus orbitais, e essa é a sua especialidade mais prezada.
Ela está no seu quarto branco, que é a divisão da casa do trabalho e do prazer. Move graciosamente a sua mais-valia: o exagero ambulante do seu corpo. “Sou uma rapariga normal, cheiinha, não tenho as medidas das miúdas das revistas, sou a ‘girl next door’, a vizinha do lado, que é real e é acessível e isso é o que faz muita gente ter tesão”, diz Raquel a balançar nas mãos os óculos de massa e um ar salaz. “É essa sensação de proximidade, de verdade, de pessoa real, é isso que conta no Only Fans.” Conta mais: “De certo modo, vendo fantasias, não me vendo a mim, mas são fantasias verdadeiras, aquilo que mostro não é uma personagem, não tem efeitos especiais, não é outra persona, sou eu”.
Raquel interage com os fãs através de mensagens privadas, é uma regalia de quem paga, o que faz com que os fãs sintam que aquela mulher que adulam na montra virtual é a sua namorada digital. Ela relata as copiosas mensagens, “é bom dia alegria, é boa noite princesa, é então até amanhã e como estás minha querida e bom dia e bom dia e elogios então é o pão nosso de cada dia”, diz ela de lufada. “Às vezes, eles só querem desabafar, só querem companhia. Eu sou, eu sei, também uma educadora sexual, uma terapeuta, dou-lhes conselhos, ajudo-os, partilho o que sei, não sou só uma trabalhadora sexual, sim, não tenho medo do nome, faço esse trabalho, só não faço encontros, aliás tenho isso escrito no meu perfil a letras garrafais.” Mas mesmo assim, conta ela, não há um dia em que não receba propostas imundas para sair para o lado de cá do ecrã. “É a única parte detestável do trabalho, recebo muitas mensagens desagradáveis, muitas, de mais, mas não respondo, evidentemente.”
Há muito que queria fazer aquilo, Raquel, saber que era objeto do desejo plural. “E resolvi deixar de ligar ao que os outros pensam, enchi-me de coragem, demorei, mas atirei-me. Além de que precisava de pagar as contas”, completa ela depois de pausar. “Consigo viver só disto, e gosto, não tenho vergonha, e dou dinheiro à minha mãe.” A mãe dela sabe o que ela faz, a irmã mais nova também, mas mais ninguém, tirando uma ou outra amiga, ela prefere assim. “Fiquei muito feliz quando lhes contei, reagiram bem. ‘És feliz, estás em segurança e com saúde?’, perguntou-me a minha mãe. ‘É isso que importa, minha filha, o resto é contigo.’ E eu sorri e depois abraçámo-nos, foi muito bom ter sido assim.”
Talvez ela vá escrever um livro escandaloso com as propostas indecorosas, impolidas, boçais a que não responde, talvez, ainda não sabe bem.