Quando as resoluções de Ano Novo são uma dor de cabeça

Dezembro a acabar, janeiro a acenar, um rol de promessas eternamente frustradas. Perceba porquê. E o que pode fazer para, por fim, cumprir os objetivos.

Diana Gonçalves, 37 anos, avaliadora imobiliária, lembra-se de fazer resoluções de Ano Novo pelo menos desde os 20. Os clássicos ir frequentemente ao ginásio, ter hábitos mais saudáveis, começar a poupar a sério nunca faltavam. O resto ia variando. “Sempre tive muitas ideias, muitas coisas que queria fazer.” A princípio, o “inventário” era concebido mentalmente. De há uns cinco anos para cá, passou a fazer mesmo uma lista em papel.

Os resultados, esses, pouco mudaram. “Normalmente, em janeiro ainda estava comprometida. Mas, mal começasse a ter algum tipo de stresse, as resoluções iam por água abaixo. Bastava ter alguma alteração de rotina que perdia logo o foco. E depois era aquela desculpa mental de ‘pronto, também aconteceu isto, deixa lá’.”

Conclusão: chegava ao fim do ano sempre frustrada com os objetivos que, irremediavelmente, não chegavam a bom porto. “Mas fazia novas resoluções porque pensava sempre: ‘Pronto, desta é que vai ser.’” Mesmo que depois nunca fosse. E o ciclo ia-se repetindo, num loop de metas sucessivamente adiadas.

Até que bateu no fundo. “Em termos financeiros, pessoais, amorosos.” E decidiu fazer algo que efetivamente fosse eficaz. Curiosamente, garante, a pandemia também ajudou nisso. “Como fiquei em teletrabalho, tive mais tempo para olhar para mim e perceber o que queria.” Foi assim que se decidiu a investir mais nela própria, assistindo a cursos e palestras de coaching e desenvolvimento pessoal. “Comecei a construir estratégias para que as minhas metas fossem sempre atingidas.”

Uma delas é uma tabela que tem desenhada num quadro lá de casa, onde anota os objetivos para o mês inteiro e diariamente vai assinalando o que fez e ficou por fazer. Até ver, jura Diana, o método tem dado resultado. “Melhorei a minha alimentação, tenho ido ao ginásio três vezes por semana, comecei a alterar rotinas e tenho conseguido focar-me mais naquilo que quero fazer.” A gaiense não duvida, por isso, que, no final de 2021, vai finalmente poder gabar-se de ter cumprido as resoluções a que se propôs.

Certo é que, durante muitos anos, foi só mais uma numa larguíssima lista de pessoas que, anualmente, ali com o mês de dezembro a correr apressado para o fim, promete fazer mundos e fundos e depressa vê o otimismo esbarrar nos contratempos dos dias. A “U.S. News & World Report” ousou mesmo converter esta inabilidade coletiva num número: segundo esta publicação americana, 80% das metas definidas na viragem do ano caem por terra até fevereiro. Pois. Dá que pensar. Importa, antes de mais, perceber esta espécie de tentação irresistível de entrar no novo ano com incontáveis juras do que queremos fazer diferente.

“A necessidade de nos sujeitarmos a este tipo de crença na mudança passa, muitas vezes, pela reflexão que efetuamos de tudo aquilo que não fizemos ou alcançámos no ano anterior, de tudo aquilo em que falhámos e da inutilidade que sentimos”, justifica Cathia Chumbo, psicóloga clínica. Espécie de tónico para um insuportável peso na consciência, portanto. “Achamos que no ano seguinte conseguiremos redimir-nos da procrastinação em que vivemos, assumindo uma postura exagerada e com uma base muito pouco sustentada na realidade, mas que naquele momento nos retira uma grande parte do sentimento de culpa.”

Mesmo que, realça Cathia Chumbo, muitas vezes sejamos os primeiros a ter a consciência de que as resoluções que estamos a fazer são “sonhos utópicos ou irrealistas”.
Luís Fernando, CEO da Allcan – Coaching & Training, assegura que a incapacidade de cumprir as resoluções de Ano Novo é uma queixa recorrente entre quem procura os serviços da empresa que dirige. E aponta duas razões principais para esta aparente falta de perseverança.

“Por um lado, fazemos demasiadas resoluções de Ano Novo, definimos demasiadas coisas, um número muito grande de objetivos para serem cumpridos. Como são coisas a mais, a nossa mente não se consegue focar. Por outro, regra geral, não temos um sistema de controlo daquilo que é necessário fazer para alcançar as resoluções que definimos no início do ano. Por isso, começamos cheios de gás mas rapidamente nos esquecemos daquilo que é importante realizar.”

Também Cathia Chumbo reconhece que estas resoluções são, muitas vezes, defraudadas no primeiro mês e logo após o primeiro lapso cometido. “Este ato falhado deve-se, em grande parte, à dificuldade que o ser humano tem em projetar-se racionalmente no futuro”, salienta a psicóloga. E compara o exercício ao de querermos caminhar sobre uma corda de aço sem antes analisarmos os “desequilíbrios intrínsecos e extrínsecos com que nos confrontamos”. “Mantemos os esforços até que caímos a primeira vez. Uma única queda pode ser suficiente para olharmos o objetivo e sentirmos que que não vale a pena continuar, por medo da frustração que enfrentamos.”

Como contrariar a inércia

Quer isto dizer que estamos condenados a não cumprir estas metas? Não. Há dicas e estratégias importantes que podem ajudar a transformar a nossa intermitência crónica numa louvável obstinação. Cathia Chumbo frisa, por exemplo, que “mais importante do que estabelecermos um objetivo é planearmos o que pretendemos e precisamos de mudar para que a meta seja atingida”.

Como? “Através do planeamento, com um traçado de pequenas metas que nos conduzirão ao objetivo principal, um jogo de reforços e gestão de frustrações. Deveremos assumir uma postura de organização, planeamento, registo e recompensa para conseguirmos atingir este cumprimento de forma gradual e objetiva.”

A especialista dá um exemplo concreto. “Quando pretendemos perder peso, mais do que determinar a quantidade de quilos a perder, é prioritário analisarmos quais os comportamentos que estão na base do aumento do peso e pensar em formas adequadas que nos ajudem na redução do mesmo.” Igualmente importante é promover o reforço positivo e saber reagir à falha. “A forma como nos gratificamos durante o percurso é fundamental para mantermos a motivação. Este reforço é quase uma injeção de dopamina que nos permite atingir o prazer a cada meta atingida em direção ao objetivo principal.”

No caso das falhas, é fundamental “identificar as crenças limitantes que possuímos e que nos direcionam muitas vezes ao sentimento de autocomiseração, fracasso, procrastinação ou até mesmo à desistência”. A psicóloga sublinha ainda que, para as resoluções serem cumpridas, devem ter “uma base de controlo pessoal e não social”. “Devo assumir uma mudança que eu queira ver. Nunca fazê-lo para que os outros me valorizem.”

Já Luís Fernando, coach e treinador comportamental, defende que há, fundamentalmente, três estratégias que nos podem ajudar a ser mais cumpridores. “A primeira é definir menos coisas.” Definirmos três coisas que efetivamente queremos alcançar pode ser um bom princípio. Outra boa ajuda será a criação de um mecanismo de motorização. “Pode ser uma folha branca na parede com as linhas do mês. Isso ajuda-me a perceber se estou ou não a cumprir os meus objetivos.”

Por último, além deste controlo, pode também ser útil fazer um follow-up regular, de mês a mês, por exemplo. “Para perceber se estou a caminhar no sentido certo, se os meus objetivos ainda fazem sentido, se tenho de fazer algum tipo de alteração necessária. Se fizerem isto, tenho a certeza que as resoluções serão muito mais realizáveis”, augura Luís Fernando.

Um mundo de apps ao dispor

Para quem procura soluções mais tecnológicas, também há um leque alargado de opções. Entre as múltiplas apps que é hoje possível descarregar, há já umas dezenas delas que têm em vista o cumprimentos de objetivos, sejam eles a perda de peso, o incremento de hábitos mais saudáveis – para deixar de fumar, por exemplo, não faltam auxílios tecnológicos – , o aumento das poupanças, a gestão do tempo disponível de forma mais eficaz ou mesmo metas mais inusitadas, como passar menos tempo nas redes sociais ou tornarmo-nos mais pontuais. Para quem quiser levar a missão mais a sério, até já uma app que acena com um incentivo financeiro.

Criada por um grupo de economistas da Universidade de Yale, a StickK permite-lhe assinar um “contrato de compromisso” e apostar uma determinada quantia em dinheiro que, em caso de incumprimento dos objetivos, reverte para para amigos, familiares ou associações – a aplicação possibilita mesmo canalizar o dinheiro para entidades que detestemos, de forma a aumentar-nos a motivação.

A explicação é simples: segundo os economistas que engendraram a aplicação, a probabilidade de cumprirmos os objetivos a que nos propomos aumenta 300% quando há dinheiro em jogo. Para quem procura um incentivo mais lúdico, de referir a aplicação Habitica, uma espécie de jogo com fins motivacionais.

Nesta app divertida, somos transformados num avatar 2D, que vai progredindo e passando de nível consoante o cumprimento dos objetivos a que nos propomos. Ou outra forma original de mostrar que as resoluções de Ano Novo não têm de ser um cíclico “game over”.