Porque choramos a morte de figuras públicas?

Pai e filha choram a morte do futebolista Diego Maradona, em Buenos Aires. Por todo o Mundo, a cena repetiu-se entre os admiradores do futebol e do craque argentino, que morreu no mês passado

Projeção, identificação com a perda ou solidariedade face a um acontecimento contranatura são algumas das explicações para o fenómeno.

Para Mónica Silva, 44 anos, aquele 20 de julho de 2017 ficou gravado a tinta permanente. Ela andava pelas redes sociais, lembra-se bem, quando se deparou com a notícia. Chester Bennington, cantor, compositor, ator, o eterno vocalista da banda rock americana Linkin Park, tinha morrido. Aos 41 anos. Mónica lembra-se do choque, da incredulidade, das emoções a tomarem conta dela, de desatar num pranto. Afinal, um ídolo acabava de partir.

“Era um miúdo com uma voz extraordinária, uma força de viver e uma energia incríveis, alguém que transmitia uma enorme paz e tranquilidade.” Mónica recorda-se de ter ficado particularmente impressionada com os contornos da morte do artista. “Para mim, era uma espécie de porto de abrigo. Habituei-me a olhar para ele como alguém cheio de força. E ele suicidou-se por causa de uma depressão. Não teve mais capacidade para gerir a própria vida. Alguém aparentemente tão feliz, a quem parecia não faltar nada. Isso mexeu muito comigo.” Mexeu tanto que a tristeza andou ali embrulhada dias a fio, ela a emocionar-se de cada vez que andava nas redes e as homenagens ao cantor se sucediam.

Mas esta não foi única vez que Mónica chorou quando soube da morte de uma figura pública. Antes, já lhe tinha acontecido com a notícia do óbito da cantora americana Whitney Houston (2012). Ou do ator português Nicolau Breyner (2016). Pouco depois da morte de Chester, a reação repetir-se-ia perante a partida de outro músico – Zé Pedro, dos Xutos & Pontapés. Jura que com todos foi estabelecendo, ao longo dos anos, uma espécie de relação afetiva. Mesmo que não os conhecesse.

Whitney Houston há muito era uma das vozes preferidas, “uma mulher incrível, que se destruiu”, Nicolau Breyner era a “personagem carismática”, o homem que lhe marcou a infância, Zé Pedro aquele “homem do povo, acessível”. “Foi como perder um bocadinho de nós”, compara Mónica, esclarecendo que a emoção só se apodera dele no caso de celebridades que tenham um significado especial. “São pessoas que não conhecemos efetivamente mas que entram na nossa vida, pessoas com quem acabamos por criar empatia, carinho, admiração, quase como se as conhecêssemos.”

Proximidade, admiração, exemplo

Mónica não é caso único. Longe disso. As mortes de Maradona e Sara Carreira, filha de Tony Carreira, só para citar alguns exemplos mediáticos recentes, ajudaram a recordar isso mesmo. Carla Pereira, psicóloga clínica, elenca vários motivos para esta emoção que a morte de personalidades desperta. Pelo menos a alguns de nós. Um deles prende-se com a questão da identificação: “A idade, o género, a região, os princípios e os valores da figura pública em causa”.

Maria Isabel Dias, socióloga na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, acrescenta que, “sociologicamente falando, há muito um fenómeno de identificação e projeção” com determinadas personalidades. A tendência, sublinha, acentua-se no caso de figuras ligadas ao mundo artístico. “Como aparecem muito, nomeadamente num determinado tipo de revistas, de alguma forma vai-se criando uma grande proximidade com a opinião pública, uma admiração pela trajetória de vida dessas figuras públicas, que acabam por servir de referência e exemplo para a população em geral.”

Mas há outros fatores que podem estar em causa nesta empatia extrema face à morte de figuras que nos são queridas. A identificação com a perda, por exemplo. “Se eu já perdi alguém da mesma forma, vou lembrar-me disso, vou voltar a sentir aquela dor. Nesses casos, quase automaticamente, sentimos tristeza”, aponta Carla Pereira. Ou mesmo o facto de sentirmos que uma dada personalidade foi sempre fazendo parte da nossa vida. “Vamos acompanhando o percurso deles e de alguma forma eles também acompanham o nosso.” A psicóloga dá o exemplo dos músicos, autores de temas que vamos associando a determinadas fases da nossa existência.

Depois, claro, a questão da solidariedade, particularmente evidente quando nos deparamos com mortes contranatura. “Se morre uma menina de 21 anos toda a gente se choca, as pessoas são sensíveis neste tipo de situações.” Maria Isabel Dias, especialista em sociologia da família e do género, também destaca este aspeto, das “situações-limite”. “Aí a morte já não afeta só os seguidores, é a própria sociedade que se sente afetada. Todos compreendemos melhor uma morte em idade avançada. Quando falamos de jovens, é muito diferente. É uma contrariedade no ciclo natural da vida.”

A revolta acentua-se quando se trata de uma experiência comum à generalidade da população. Como é o caso da parentalidade. “Quando acontece uma tragédia, as pessoas tendem a fazer um exercício de projeção, a pensar ‘sou mãe, também tenho filhos’. Há como que uma introspeção que nos faz sentir de forma mais intensa a dor do outro.”

O luto coletivo e as redes sociais

Há ainda os fenómenos de luto coletivo, particularmente notórios entre os membros de uma determinada comunidade de fãs. E mais acentuados num tempo em que as redes sociais são parte integrante da nossa vida. “A partir do momento em que a notícia é veiculada, gera-se uma onda de solidariedade que hoje, por culpa das redes, tem um alcance muito maior”, reconhece a socióloga. As homenagens sucedem-se, os vídeos, os textos, as fotos são partilhadas incessantemente, comentadas por um magote de gente que parece viver uma mesma dor. É como uma catarse feita coletivamente.

Carla Pereira admite que este luto possa, em casos extremos, ter as mesmas características daquele que fazemos quando nos morre alguém que efetivamente nos é próximo. “Normalmente, o luto tem seis fases: o choque, a negação, a revolta, a depressão, a negociação e a aceitação. Nem todas as pessoas passam pelas seis fases, mas não é de excluir que, nestes casos, também se passe por este processo.”

Por isso, e para evitar que a tristeza desemboque num caso de luto patológico, a psicóloga frisa que a terapia do luto e a psicoterapia serão sempre soluções para casos em que percebemos que “o luto já está a influenciar a nossa qualidade de vida durante demasiado tempo”. Mesmo que em causa esteja o luto pela morte de uma figura pública.