Polipose nasal: é possível viver com sentidos

A doença que afeta quase 3% da população da Europa é pouco conhecida, mas tem impacto na qualidade de vida. Há tratamentos e soluções que a campanha “Não faz sentido perder sentidos” quer dar a conhecer.

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Os primeiros sintomas apareceram por volta dos 40 anos, mas só passados dez é que o diagnóstico chegou, finalmente, correto. Foi dito a Maria Fernanda, atualmente com 75 anos, que sofria de polipose nasal, uma doença inflamatória crónica que lhe tirou o olfato há mais de duas décadas e que já a levou a duas operações, medicação e tratamentos. Ainda não está curada.

“Sempre fui saudável, nem me constipava, e fiquei assim do nada.” “Assim”, explica, é o nariz constantemente congestionado, constipações de duas em duas semanas e inflamações nos ouvidos e garganta. Estes são os sintomas comuns de um doente com polipose nasal, que se caracteriza pelo aparecimento de pólipos, considerados um tumor benigno.

“São doentes que apresentam o nariz tapado, corrimento nasal, dores de cabeça e perda de olfato”, adianta João Carlos Ribeiro, otorrinolaringologista. Pode ainda estar associado a complicações nos ouvidos, garganta ou até asma. Em algumas situações, salienta o docente da Universidade de Coimbra, chega a representar uma deformidade física, com o alargamento da base do nariz. Sintomas que afetam a qualidade de vida, principalmente, ao nível da fruição de comidas e bebidas, do sono, trabalho e estudo, enumera o especialista.

A vida social e a saúde mental podem também sofrer com a polipose nasal. Maria Fernanda destaca o isolamento, no caso do sintoma de perda de audição, como o mais grave. “Quando estou mais atacada dos ouvidos, não ouço quase nada.” A televisão, conta descontraída, tem de estar no volume máximo e até o vizinho já se queixou. Mas o pior, diz, é quando a doença lhe limita certas atividades. “Nas alturas em que perco a audição deixo de conviver e passear com amigas porque sei que não vou conseguir perceber o que dizem.”

Neste mês, outubro, foi lançada a campanha “Não faz sentido perder sentidos”, com presença nas redes sociais. A iniciativa é da farmacêutica Sanofi Genzyme e pretende “amplificar conhecimento junto da população”, alertando para sintomas, esclarecendo dúvidas e dando esperança de uma vida normal para os doentes.

Cerca de 20% das pessoas com rinossinusite sofrem dessa condição, esclarece o docente João Carlos Ribeiro, considerada um subtipo da doença que afeta “a mucosa do nariz e os seios perinasais”. Não existem dados nacionais, mas, a nível europeu, o médico afirma que a prevalência em adultos é de 2,7%. Em crianças é um fenómeno raro, já que a média de diagnóstico é por volta dos 50 anos. Maria Fernanda encaixa em todas as estatísticas.

Os primeiros sintomas apareceram e desvalorizou. Só um ano depois de tentativas com remédios caseiros e automedicação decidiu consultar um médico. O primeiro diagnóstico foi sinusite e, depois, rinossinusite crónica. Foi operada aos ouvidos, devido ao excesso de secreções. Aos 52 anos chegou o diagnóstico de pólipos nasais.

O caso de Maria Fernanda, atualmente reformada, não é único. João Carlos Ribeiro fala em várias situações de medicação “sub-ótima” e não adaptada ao doente ou condição, principalmente devido a não procurarem ajuda ou a um diagnóstico incorreto. “É frequente os doentes apresentarem o nariz tapado desde sempre, com queixas da qualidade de vida, mas que nunca foram diagnosticados.” O docente da Universidade de Coimbra questiona: “Se não existe um diagnóstico adequado, como pretendemos oferecer um tratamento apropriado?”.

O tratamento de Maria Fernanda começou por antibióticos e cortisona. Sem resultados, passou por outra operação, para retirar os pólipos. “Depois da operação aliviou, mas voltaram a crescer.” E teve de voltar a uma segunda cirurgia para retirar as saliências. Pelo meio, participou no estudo de um novo medicamento para a patologia. Atualmente, o novo fármaco encontra-se aprovado em alguns países da Europa e chegará em breve a Portugal, onde Maria Fernanda já está em lista de espera.

Apesar de todas as tentativas, a mulher, de 75 anos, continua com pólipos e sem olfato. “Estão a esperar para operar quando estiverem maiores.” Ou quando aparecer o novo medicamento que poderá solucionar a patologia. Entretanto, Maria vai aliviando o máximo possível através de lavagens com soro.

João Carlos Ribeiro, otorrinolaringologista e docente na Universidade de Coimbra

No entanto, o otorrinolaringologista João Carlos Ribeiro reforça que é uma patologia com cura e com a qual é possível ter qualidade de vida. “Temos muitos casos operados que ficam curados. E muitos outros que permanecem controlados e sem sintomas para o resto da vida.” A causa é desconhecida, mas “tem sido associada a patologias genéticas, metabólicas ou imunitárias”, podendo mesmo representar parte de uma doença sistémica.

Maria Fernanda, que esteve vários anos numa loja onde trabalhava com perfumes, afirma que a doença lhe tirou alguns prazeres e capacidades, como aproveitar a comida, sentir o cheiro dos netos ou até desempenhar tarefas profissionais. “Tinha de pedir às minhas colegas para cheirarem os produtos ou perfumes para encomendar, porque eu não o conseguia fazer.”