Pés, os negligenciados que nos sustentam

A idade é um fator a ter em conta quando falamos das nossas extremidades

Massacrados pelo peso que suportam diariamente, os pés devem merecer cuidado todo o ano. São causa de problemas de postura e de coluna e de perda de mobilidade dos mais velhos.

Habituado a viagens e caminhadas, o casal vimaranense Liliana Freitas e Nuno Neto abraça atualmente o desafio do caminho francês para chegar a Santiago de Compostela. No total, são cerca de 800 quilómetros de caminhada e “e as dificuldades nos pés sentem-se”, desabafam. “Já fizemos o caminho português e não tivemos qualquer problema, mas, agora, com uma semana no caminho francês, apareceram-nos bolhas”, conta Liliana, do blog de viagens Do Berço to the World. Já Nuno explica que o mais doloroso é o calor intenso em trechos de asfalto, que faz com que os pés fiquem demasiado quentes e com a sensação de queimadura.

É no verão que as preocupações com o pé parecem aumentar e mais pessoas procuram ajuda especializada. Manuel Portela, presidente da Associação Portuguesa de Podologia (APP), pormenoriza que não se deve “a maior incidência de patologias nesta altura do ano, mas porque é nesta estação que as pessoas se descalçam e dão atenção particular aos pés”. Apesar de se registar um maior número de queixas na estação quente, a dermatologista Susana Vilaça acredita que “cada vez mais as pessoas estão alerta para a importância de tratar bem os pés”.

“O pé é onde mais nos apoiamos”, no entanto, a atenção que damos a esta parte do corpo nem sempre é proporcional à importância que tem na nossa vida. Para a dermatologista do Porto, a linha vermelha para visitar um especialista é a existência de sinais de infeção, embora sublinhe que, quando “alguma coisa incomoda”, se deve “procurar logo um especialista”.

E como saber se devemos optar por dermatologia ou podologia? Manuel Portela especifica que o pé é um órgão complexo que abrange diversos sistemas, conhecidos e estudados pelos especialistas em podologia, que estão preparados para tratar e prevenir problemas no pé. Por sua vez, Susana Vilaça realça que, quando se trata de patologias referentes à pele, a escolha acertada é uma especialidade médica, ou seja, a dermatologia.

Quanto a pedicures e soluções em salões de beleza, os especialistas destacam que tratamentos estéticos não são a solução e que, por vezes, funcionam como “um mero camuflar dos problemas”, segundo o podologista. Calosidades ou unhas encravadas são as patologias mais comuns e, “tanto do ponto de vista sistémico como funcional, limitam muito a pessoa”, considera a médica. Manuel Portela acrescenta que os calos “são sinal de que algo não está a funcionar bem”, sendo uma defesa da pele contra uma agressão, pelo que devem ser alvo de aconselhamento especializado para um tratamento “curativo e preventivo”, ao invés de agravar e atrasar o problema com soluções estéticas.

“Os pés são complexos e importantes não só para a saúde do órgão em específico, mas para o equilíbrio, postura e saúde em geral”, afirma o podologista. Sendo negligenciadas, certas patologias nos pés poderão agravar-se e estender-se a outras partes do corpo.

A idade como fator de risco

Susana Vilaça lembra que os pés podem ser “a porta de entrada de fungos e bactérias para a corrente sanguínea”. E se as alterações ao nível do pé afetam a saúde como um todo, também as outras patologias – como diabetes, artrite reumatoide, doenças vasculares ou obesidade – têm repercussões nessa parte do corpo.

A idade é um fator a ter em conta quando falamos das nossas extremidades. “O tratamento dos pés para o bem-estar é importantíssimo, pois são eles que carregam o peso do corpo e com a idade sentem-se as repercussões”, sintetiza a dermatologista. É necessário “estar atento a deformidades e alterações que vão aparecendo com a idade”, para evitar ou adiar alguns problemas, diz o podologista . Os pés são os primeiros a dar sinal de incapacidade e são também causa de mobilidade reduzida em muitos pacientes. Artroses, calos e joanetes são problemas que, se não forem tratados, podem sofrer agravamento significativo com o avançar dos anos. Na saúde dos pés, como em tudo, Manuel Portela frisa que “o melhor tratamento é sempre a prevenção”. E os cuidados devem começar desde cedo. “Os nossos pés são importantes a partir do momento que começamos a dar os primeiros passos.” Se forem negligenciados desde tenra idade, “aparecem problemas que acabam por se repercutir mais tarde ao nível do pé, do joelho ou da coluna”.

“Há estudos que mostram que muitas escolioses na adolescência estão relacionadas com alterações no pé”, como o pé chato ou o tornozelo inclinado para dentro. Manuel Portela garante que, quando o problema é diagnosticado cedo, há exercícios e tratamentos para corrigir e evitar consequências a nível postural na idade adulta.

Avaliação antes de iniciar exercício

Mas a prevenção não se fica apenas pela atenção nos mais novos. Atletas, profissionais ou amadores, devem ter especial atenção à parte final dos membros inferiores. Antes de iniciar a prática de uma modalidade, ainda que seja apenas caminhadas, o presidente da APP aconselha a marcação de uma consulta com um especialista. O objetivo é avaliar o apoio e desgaste do pé ou a existência de lesões prévias, que poderão piorar com a prática de exercício físico mais intenso.

Não foi a opção do casal de viajantes de Guimarães, que revelam que a maioria dos caminheiros com quem privam também não procura um especialista antes de iniciarem uma jornada. Para Liliana e Nuno, é muito importante a escolha de calçado e meias adequadas. “Nunca caminhar com sapatilhas novas e escolher a melhor opção para o tipo de piso”, alerta Nuno. Hidratar e levantar os pés ao final do dia são também conselhos do casal de viajantes.