Periodontite, a inflamação que estraga o sorriso

Dentist cleaning dental jaw model with a toothbrush in the clinic

Se não for controlada, a periodontite agrava doenças cardiovasculares, respiratórias, diabetes e outras. Estudo recente indica que sintomas da covid-19 podem ser mais severos nestes doentes.

Chamam-lhe a doença das gengivas, mas é muito mais do que isso. A periodontite ou doença periodontal é uma inflamação crónica que, se não for controlada, pode agravar outras patologias, nomeadamente cardiovasculares, respiratórias, diabetes, Alzheimer e artrite reumatoide. Sabe-se, agora, que pode também piorar os sintomas da covid-19. As bactérias que provocam a periodontite aumentam a virulência do SARS-CoV-2 e, consequentemente, a probabilidade de complicações e mesmo de morte, segundo um estudo publicado recentemente.

Mas, afinal, o que é a doença periodontal? É a sexta patologia mais prevalente em todo o mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde, e afeta cerca de metade da população. É provocada pela acumulação de bactérias – placa bacteriana – e afeta tudo o que está à volta do dente, nomeadamente a gengiva, o osso e o ligamento que une o osso à gengiva, os chamados tecidos do periodonto, explica Susana Noronha, presidente da Sociedade Portuguesa de Periodontologia e Implantes. Sendo uma doença que não causa sintomas agudos, e não estando enraizado na população portuguesa o hábito de visitar regularmente o dentista, muitos doentes procuram ajuda numa fase avançada em que são necessários tratamentos mais complexos.

Sem acompanhamento profissional, a doença evolui, provocando alterações estéticas e funcionais na boca, mau hálito e perda de dentes. “Estamos a falar de dentes saudáveis que se perdem porque o suporte está doente”, frisa Susana Noronha.

Há cerca de cinco anos, Eduardo Alberto estava de férias no Algarve quando se apercebeu de um afastamento súbito dos dentes da frente. Os restantes eram muito unidos, pelo que não havia dúvidas de que algo estava a acontecer. Ficou ainda mais preocupado quando começou a sangrar das gengivas e sentiu um dos dentes a abanar sem razão aparente. Dias depois, já em Lisboa, recebeu o diagnóstico: doença periodontal. Por sorte, ainda estava numa fase precoce, ainda que já tivesse sinais da doença em toda a boca.

“A doença periodontal é crónica, tem de ser tratada para a vida, e se o doente não fizer a sua parte, o médico não a consegue controlar sozinho”, explica a presidente da Sociedade Portuguesa de Periodontologia e Implantes, Susana Noronha

Sem historial clínico de complicações nos dentes – apenas algumas cáries em criança – e visitas anuais ao dentista, Eduardo, 43 anos, funcionário público, encontra no tabaco a explicação para a doença. “Fumava entre um maço e um maço e meio por dia”, conta.

Emprega o verbo no passado porque largou o vício em fevereiro de 2020, pouco antes do primeiro confinamento. Recentemente confessou à médica não ver grandes alterações na boca, um ano depois de ter deixado o tabaco. Mas, em resposta, ficou a saber que se continuasse a fumar perderia a maioria dos dentes dentro de alguns anos. Porque o tabagismo não só agrava a doença como piora a resposta ao tratamento. Eduardo também está convencido que o estado emocional tem influência nas suas gengivas. “Há dois ou três meses, tive um episódio de grande ansiedade e stress e voltei a sentir sangue na boca e aquele cheiro desagradável”, conta. Fez um novo tratamento, uma pequena cirurgia para limpar as bactérias dentro da gengiva, e mantém a situação controlada.

Além de ter deixado de fumar, redobrou os cuidados com a higiene oral. Passou a dar mais atenção à escovagem, a usar diariamente o fio dentário e um colutório, receitado pela médica. “Aconselho todas as pessoas a não negligenciarem os cuidados com a boca e a pedirem ao dentista para verem especificamente a questão da periodontite”, alerta.

Há pouca informação sobre a doença e não é por acaso que na próxima quarta-feira se assinala o Dia Mundial da Saúde Periodontal, uma iniciativa da Federação Europeia de Periodontologia, à qual Portugal se associa através da Sociedade Portuguesa de Periodontologia e Implantes, com o objetivo de sensibilizar para os riscos associados à periodontite.

50% com presdisposição genética

Qualquer pessoa pode ter a doença das gengivas? Para se ter periodontite, é necessário uma predisposição genética, que existe em cerca de 50% das pessoas, pelo que está longe de ser rara, esclarece Gonçalo Assis, também periodontologista. Depois há fatores que agravam a doença, como o tabagismo, o restauro mal feito de um dente, a falta de higiene oral, a má nutrição e a diabetes. No caso da diabetes, há uma “relação bidirecional”: a periodontite agrava a diabetes e esta agrava a periodontite.

“Atendendo a que a doença não causa sintomatologia aguda, tem de ser abordada numa lógica de prevenção. E, em Portugal, as políticas públicas de Saúde Oral estão muito focadas no tratamento”, reconhece o periodontologista Gonçalo Assis

Da mesma forma, a obesidade também aumenta o risco de doença periodontal. “Os doentes obesos têm um estado inflamatório crónico e, por isso, uma maior distribuição de mediadores da inflamação no organismo que acabam por ser destruidores dos tecidos do periodonto”, sintetiza Susana Noronha. Por outro lado, os obesos são mais suscetíveis às infeções bacterianas e virais e a periodontite é uma infeção bacteriana, acrescenta a especialista, notando que os obesos têm entre 50% e 80% mais probabilidade de desenvolver periodontite quando comparados com não obesos.

Quanto não tratada ou estabilizada, a periodontite pode levar ao agravamento de outras doenças existentes e aumentar a mortalidade. “Ao longo do tempo têm sido publicados vários estudos que correlacionam a periodontite, principalmente quando não tratada, com doenças cardiovasculares, doenças respiratórias, com o alzheimer, com a artrite reumatoide, e já há evidencia robusta de que a doença não tratada tem uma relação direta com o aumento da mortalidade geral”, afirma Gonçalo Assis.

Em relação ao estudo recente que relaciona a periodontite com as formas mais graves de covid-19 e até com desfechos fatais, o especialista nota que “é um passo muito importante”, mas falta demonstrar o nexo causal. Gonçalo Assis integra a Comissão Científica da Ordem dos Médicos Dentistas, onde a investigação foi analisada em conjunto. A possibilidade de as bactérias periodontais aumentarem a virulência do SARS-CoV-2 porque aumentam a inflamação é a explicação possível, mas falta investigar mais para se conseguir uma evidência mais robusta.

A investigação, realizada no Qatar com quase 600 doentes e publicada em janeiro último no Journal of Clinical Periodontology, conclui que um paciente com periodontite tem uma probabilidade 3,5 vezes maior de ser admitido nos cuidados intensivos, 4,5 vezes maior de precisar de ventilação assistida e nove vezes superior de vir a morrer por covid-19, quando comparado com um doente sem periodontite.

Susana Noronha também aconselha prudência com a generalização do estudo. “São dados que tem de ser esclarecidos, mas se assim for fazem-nos pensar que é necessário garantir a saúde periodontal nos doentes covid-19”, defende a presidente da Sociedade Portuguesa de Periodontologia e Implantes.

A reter

Duas inflamações, várias diferenças
A gengivite e a periodontite não são a mesma coisa. A gengivite é uma inflamação na gengiva, também provocada por bactérias, mas que pode afetar qualquer pessoa e é reversível se for tratada. Em determinados doentes, com tendência genética, a gengivite pode evoluir para periodontite.

Sangramento é mau sinal
Sangrar das gengivas está longe de ser um sinal de saúde dos dentes. “É tão sinal de doença como sangrar dos olhos”, compara Susana Noronha.

É errado magoar as gengivas
Lavar os dentes até sair sangue é outro conceito profundamente errado. “Não há nenhuma razão para pôr as gengivas a sangrar”, realça a periodontologista.

Fio dentário não é para tirar comida
O fio dentário não serve (apenas) para tirar restos de comida que ficaram entre os dentes. Deve ser usado diariamente como complemento da escovagem dos dentes, para remoção de bactérias. “Quando lavamos o corpo no banho, não esquecemos a parte lateral, pois não? Com os dentes é igual. O fio dentário ou a fita ou os escovilhões, para quem tem espaços maiores entre os dentes, têm de ser usados todos os dias.”

Visitas regulares ao dentista
As visitas ao dentista devem ocorrer de seis em seis meses e não com o propósito de “fazer limpezas”, esclarece Susana Noronha. A limpeza tem de ser feita em casa e a ida ao dentista deve ter como objetivo a prevenção de doenças orais.