Gosta do silêncio. Também de música, de Joy Division a Haendel. De ler e de escrever. Dele transparece uma calma olímpica. Porém, “não tem tanta quanto parece”. Não tem voz branda quando se trata de crianças e menores em risco.
“Talvez não seja tão calmo quanto aparento”, diz Pedro Strecht. E aparenta ser mesmo muito. Porém, o coordenador da comissão independente para o estudo dos abusos sexuais de menores na Igreja, em Portugal, não tem voz branda quando se trata de crianças e menores em risco. “Católico capaz de garantir a total independência de uma comissão exclusivamente escolhida por ele”, afirma o psiquiatra Daniel Sampaio, tem tolerância zero “à mentira e à injustiça”, pecados que a par da “vaidade e da enorme capacidade de o ser humano ser estúpido” o deixam fora de si.
Com 55 anos, o pedopsiquiatra integrava já a comissão diocesana de proteção de menores e adultos vulneráveis do patriarcado de Lisboa. E antes disso a comissão de apoio psicológico às vítimas da Casa Pia. Por discordar da decisão judicial de realizar novas perícias às vítimas, cujos depoimentos foram postos em causa, bateu com a porta.
Nasceu em Coimbra, tem ligações à Beira e ao Minho, mas sente-se lisboeta. Cresceu num ambiente familiar “muito forte e tranquilo”. Filho do meio, passava as férias de verão na praia da Barra, em Ílhavo, entre o mar e a ria. Era a casa de férias dos avós, sem telefone nem televisão por vontade do patriarca Zé Maria, mas de “porta sempre aberta”. Ali se juntavam “primos e primos de primos e por aí fora”, um tempo de que guarda “as mais queridas recordações”. O avô materno, médico, senhor de “de humor fino” e referência familiar, tivera dois filhos: o jornalista e escritor Fernando Assis Pacheco e a mãe de Pedro, pianista acompanhadora do ballet Gulbenkian. “Com os meus pais – o meu pai trabalhava na área do turismo – todos os anos fazíamos uma grande viagem pela Europa, de carro; algo que ainda hoje considero fundamental para a educação dos meus filhos, dar mundo.”
A escolha de Medicina não foi fácil. No final do 9.º ano, tinha 14 anos, gostava de Humanidades. “É curioso, penso que juntei bem essas duas partes de mim mesmo: sou médico, mas gostaria sempre de ser visto com uma designação que pode soar a vaidade: um humanista.” Daniel Sampaio não encontra aí exagero. “Há no Pedro uma grade capacidade de perceber o que os outros sentem.” Recorda o ex-estagiário “sempre com muita iniciativa e capaz de inventar soluções”, sempre “muito generoso”. “Acima de tudo”, frisa Pedro Strecht, “procuro ser humilde, trabalhador. E discreto”.
Desafiado para um autorretrato, começa pelos prazeres: “Gosto muito de estar em família”. Daniel Sampaio é testemunha. “O tempo de estar com os filhos, os três filhos, sempre foi uma das suas preocupações.” Intimidade que, apesar de proteger, “partilha com os amigos”, lembra Luís Amorim de Sousa. “O Pedro é alguém com muita disponibilidade para os amigos. Disponibilidade que é também a da sua família, muito simpática, incluindo uma cadelinha amorosa”, acrescenta o poeta. A Tita, uma yorkshire terrier, é um dos encantos do médico.
Pedro Strecht gosta do silêncio. O mar exerce sobre ele “uma atração fascinante”. Também de música, das bandas indie da adolescência – Joy Division ou New Order – a Mozart, a Schubert, “a muito Haendel”. “Esses são mesmo grandes prazeres que junto ao de viajar, no sentido de conhecer coisas novas.”
Gosta de ler e de escrever. “Escrever relaxa-me, é a minha tarefa doméstica de ‘passar a ferro’. É excelente ter uma folha branca à minha frente, num caderno pequeno de capa roxa.” Roxo, uma das cores favoritas porque lembra o Museu Victoria and Albert em Londres. “Londres é a minha segunda cidade. Não, minto, é a minha primeira cidade, pela vanguarda de cultura que sempre tem e oferece.”
Gosta de “pessoas ingénuas, puras, diferentes”. “Aprendo muito com os mais velhos.” Luís Amorim de Sousa, 85 anos, deixa o elogio. “O Pedro faz circular a sua poesia de forma muito discreta, mas é um poeta com talento.”
Distraído, infoexcluído assumido e muito pontual, perde-se com o futebol e o Sporting. No consultório e à porta de casa tem uma frase do poeta português Alberto de Lacerda desenhada por Keith Bostford: “Apesar de tudo há um caso de amor entre mim e a vida”.
Pedro Luís de Assis Pacheco Strecht Ribeiro
Cargo: coordenador da comissão independente para o estudo dos abusos sexuais de menores na Igreja, em Portugal
Nascimento: 07/03/1966 (55 anos)
Nacionalidade: Portuguesa (Coimbra)