Paulo Pinto de Albuquerque: o juiz meritíssimo

Paulo Pinto de Albuquerque é professor catedrático, jurista e juiz

Nasceu na Beira, Moçambique. Filho mais velho de uma professora primária e de um bancário, viveu em várias cidades da ex-colónia antes de vir para Portugal. Passou os primeiros sete anos em contacto com outras culturas. “Sou de procurar pontes, consensos e entendimentos entre partes opostas.”

Em Itália, chamam-lhe juiz dos Direitos Humanos. Por iniciativa das universidades de Milão e de Florença, mais de meia centena de reconhecidos constitucionalistas e magistrados de todo o Mundo renderam-lhe homenagem em livro, considerando-o exemplar na defesa dos fracos e dos desfavorecidos. Em 2019, a Universidade de Edge Hill, no Reino Unido, concedeu-lhe doutoramento honoris causa, pela “contribuição notável” para a promoção da justiça social e dos Direitos Humanos. “A voz das vítimas”, considerou a Ordem dos Advogados portuguesa, no dia em que lhe entregou, por serviço prestado aos direitos fundamentais, a medalha de honra. “O senhor mudou a vida de uma família”, ouviu de uma advogada portuguesa, cuja cliente recorrera para o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, elogio que considera ser o maior.

“Sou um juiz na defesa das minorias vítimas de múltipla discriminação, e das maiorias exploradas: as mulheres e os trabalhadores”, diz de si Paulo Pinto de Albuquerque. Em opiniões assinadas no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH), onde trabalhou de 2011 a 2020, em monografias e artigos, o juiz dá particular atenção a direitos universais: à saúde, a serviços médicos e a medicamentos, à educação, a acesso à justiça e aos tribunais, à justa compensação das vítimas de violação de direitos humanos. Aos direitos das mulheres, equiparando a violência doméstica a tortura, dos trabalhadores, condenando o despedimento injusto e arbitrário, na defesa da assistência social digna, à melhoria da situação dos presos.

Juiz dos tribunais criminais, encontrou no TEDH a cadeira feita à medida. “Sempre lhe interessaram os temas humanos, as questões da humanidade, é um homem de fé, muito marcado pelo cristianismo”, frisa Paulo Sterneberg, colega de faculdade. Nove anos em Estrasburgo “profissionalmente muito gratificantes”, mas com custos pessoais e familiares pesados. Dias “franciscanos”, casa-tribunal-casa, recorda, carregando ainda hoje a culpa de ter sido “um pai Skype”. Quando deixou Lisboa, os filhos tinham entre os 12 e os 16 anos. “Estou muito grato à minha mulher. No regresso, senti uma alegria imensa.” Juntos, recorreram à fé. “Ajudou-nos a passar muitos momentos de dúvida, a suportar a distância e a ultrapassar a crise do casamento.”

Nasceu na Beira, Moçambique. E aí viveu um dos episódios mais marcantes, extraordinário, cujo efeito perdura. Em 1973, com seis anos, perdeu-se dos pais, na praia da cidade. “Chorava desalmado quando um homem se aproximou de mim e me prometeu levar-me aos pais. Mas senti que me levava para cada vez mais longe. Eu bem dizia que íamos na direção oposta, mas ele insistia.” Passaram-se horas de angústia para os pais. Com a polícia marítima, procuravam já o corpo do menino no mar. O tormento teve um fim quando alguém afirmou ter visto um rapazinho que chorava, perdido. “Quando a polícia me encontrou, o homem não me largou e quis levar-me aos meus pais. A minha mãe chorava. O meu pai, furioso com o homem, por ele não me ter levado à polícia marítima, não lhe agradeceu nem quis voltar a vê-lo.” Em 1993, vinte anos depois, num jantar em casa dos sogros, Paulo Pinto de Albuquerque contou esta história. “O meu sogro, que estava a servir à mesa, parou, hirto. Disse-me, numa voz tremida: ‘Esse homem que te levou pela mão era eu. Estava na praia da Beira, numa folga da minha segunda comissão militar em Moçambique. Encontrei um miúdo na praia, que chorava muito. Procurei consolá-lo e acalmá-lo, andei com ele pela praia à procura dos pais. Fiquei chocado, porque nem sequer me agradeceram’.” Para um homem crente, não há coincidências.

Filho mais velho de uma professora primária e de bancário, viveu em várias cidades da ex-colónia. Os primeiros sete anos de vida foram passados, assim, em contacto com meninos e meninas de aparência e cultura diversas (negros, indianos, chineses) – marca indelével na sua formação. “Sou de procurar pontes, consensos e entendimentos entre partes opostas.” Um mundo em contraste com Nelas, Viseu, terra de carinhosos avós maternos, muito fechada e rural – nova casa quando em 1973 regressou das colónias, para, por vontade dos pais, iniciar os estudos em Portugal. “Em miúdo, o meu traço principal era ser cheio de mundo. Por isso, a integração numa pequena vila de Viseu não foi fácil.” Refugiava-se, então, na escrita e nos livros de Enid Blyton, na natação, modalidade que se sobrepôs ao estudo da guitarra portuguesa.

Adolescente, aproveitava as vindas a Lisboa para pedir, de embaixada em embaixada, as constituições dos respetivos países. Já apaixonado pelo Direito, pela política, assunto recorrente em casa. Recorda a prisão do tio paterno, por indicação da PIDE. “A família ia visitá-lo aos domingos, 30 quilómetros a pé de Nelas a Viseu para o visitar e por vezes nem a minha avó deixavam entrar.”

Um juiz precisa “de bom senso, de sentido de equilíbrio e, sobretudo, de ser fiel” à Constituição. “Esse é o meu farol, por aí pauto a minha atividade enquanto juiz.”

Da faculdade guarda o gosto pelo futebol – é sportinguista -, que jogava com frequência com o amigo Paulo Sternberg. Aluno brilhante, “muito organizado e metódico, capaz de distinguir o essencial do acessório”, destaca Sternberg, é docente da Universidade Católica e de instituições de ensino em Florença e Paris.

Gosta de caminhadas, ao domingo, com a mulher. De cozinhar, a ouvir fado e Bruce Springsteen. Juiz ou professor, dispensa “salamaleques”. “Num mundo muito formal, distingue-se pela empatia, pela receção calorosa”, sublinha a juíza e amiga Clara Sottomayor. Não aprecia a reverência e a vénia. No caso de Paulo Pinto de Albuquerque, meritíssimo quer mesmo dizer muito merecedor.

Paulo Sérgio Pinto de Albuquerque
Cargo:
professor catedrático, jurista e juiz
Nascimento: 05/10/1966 (54 anos)
Nacionalidade: Portuguesa (Beira, Moçambique)