Proximidade e impulso missionário são marcas destes nove anos que remetem para o “frescor original do Evangelho”. A Igreja de Francisco e “expansiva”, de “portas abertas” e não receia a “revolução da ternura”
Francisco já consegue caminhar, comer e até ler jornais, informou o Vaticano três dias depois de o pontífice ter sido submetido a uma cirurgia de três horas, ao cólon, no A. Gemelli, em Roma, onde deverá permanecer durante uma semana, precisamente no quarto usado por João Paulo II, quando, em 1981, o polaco sofreu uma tentativa de assassinato.
O mesmo aposento, dois papas muito diferentes. Filho de uma igreja perseguida, Karol Wojtyla defendeu um edifício monolítico, recolhido sob uma ortodoxia que o protegesse, contribuindo decisivamente para a queda do Muro de Berlim e consequente reconfiguração do Mundo. Bergoglio, descendente de imigrantes italianos e arcebispo de uma grande metrópole, que palmilhava, envolveu-se com as margens, conheceu as periferias, preocupações que assumiria quando em 2012, eleito, tomou o nome de Francisco.
Já leva nove anos o pontificado do Papa que se pergunta “Quem sou eu para julgar?”. Do jesuíta inimigo dos neonacionalismos, que reivindica nova ética económica, social e política, afirmando que não há dignidade “sem pão, sem teto e sem terra”, base de “Fratelli Tutti “ (todos irmãos), encíclica que é um murro no estômago, em tempos de corrida ao lucro e capitalismo selvagem. Do político que assinou a encíclica “Laudato si ‘ – o cuidado da nossa casa comum”, na defesa da ecologia integral, fazendo do respeito pela Natureza, do tratamento justo dos desfavorecidos e do compromisso com a sociedade um só combate.
Do líder de uma igreja que defendeu não haver salvação além dela, mas que pratica o diálogo inter-religioso, o respeito entre as diferenças, sejam existenciais ou geográficas. Do bispo que se propôs renovar a Cúria, encarar a luta contra o abuso sexual na Igreja, criando a Cúpula do Vaticano sobre a Proteção de Menores, escrevendo “Vos estis lux mundi”, motu proprio que introduz a obrigação de clérigos denunciarem os abusos, e abolindo o sigilo pontifício em casos de crime sexual. Do Papa que ri e abraça com uma franqueza e disponibilidade que não se viam desde de João XXIII, o homem do Concílio Vaticano Segundo, inspirador de Bergoglio.
Proximidade e impulso missionário são também marcas destes nove anos que remetem para o “frescor original do Evangelho”. A Igreja de Francisco é “expansiva”, de “portas abertas”- em “Amoris Laetitia”, exortação de 2016, Francisco aborda a família do ponto de vista de uma Igreja capaz de receber divorciados que se casaram de novo -, um “hospital de campanha” que não teme a “revolução da ternura” ou “o milagre da bondade”.
O primeiro Francisco, o primeiro jesuíta, o primeiro latino-americano na cadeira de Pedro foi eleito depois da revolução que consistiu a renúncia de Bento XVI, sob o signo da novidade. Trocou os aposentos papais pela casa de hóspedes Domus Sanctae Marthae, a aí celebra a missa. Ao gabarito intelectual do teólogo Ratzinger, guardião atento da doutrina e da ortodoxia, Francisco contrapõe homilias que pretendem estabelecer um diálogo direto com os fiéis e apresentar-lhes de forma simples a palavra de Deus, comparadas pelos detratores às de um pároco.
O Papa que foi a Lampedusa abraçar migrantes patrocinou a “Invocação pela Paz na Terra Santa” nos jardins do Vaticano, em 2014, juntando o presidente de Israel, Shimon Peres, e o presidente da Palestina, Mahmoud Abbas. E o estabelecimento de relações diplomáticas entre os Estados Unidos e Cuba, país que visitou.
Denunciado em 2005 por ligações e cumplicidade com a ditadura do ditador argentino Jorge Rafael Videla, mais tarde desmentidas por testemunhas da época, Francisco tem enfrentado críticas cada vez mais abertas, particularmente de conservadores teológicos. Apesar de manter a visão tradicional da Igreja em relação ao aborto, ao casamento, à ordenação de mulheres e ao celibato clerical, o Papa sabe que o caminho faz-se caminhando. Talvez por isso tenha escolhido os sapatos que trouxe do fim do Mundo, os que já calcorrearam ruas cheias de humanidade.
Jorge Mario Bergoglio
Cargo: Papa
Nascimento: 17/12/1936 (84 anos)
Nacionalidade: Argentina (Buenos Aires)