Chegam-se à frente, estreiam-se nestas andanças sem temer o estigma da idade por quem tanto reclama mais participação dos jovens. Têm menos de 25 anos e são candidatos a câmaras municipais um pouco por todo o país e por todas as áreas políticas. Da Esquerda à Direita, emergência climática, transportes públicos, habitação acessível e proximidade às populações são pontos em que coincidem, de olhos postos, afinal, numa geração que é a sua e que vai formar o futuro do país.
Se olhar pelo retrovisor da vida, lembra-se bem do deslumbramento de aterrar no Parlamento Europeu, em Bruxelas. André Xavier tinha 17 anos e foi à capital belga numa visita de estudo. Na verdade, não passou muito tempo desde então, mas foi aí que começou a afinar as agulhas da política. Para um rapaz nascido e criado na aldeia de Palaçoulo, em Miranda do Douro, defensor solitário de causas LGBTI ou da proteção animal, os horizontes começaram a esticar, sobretudo quando se mudou para Bragança, para estudar Gestão de Negócios Internacionais no Instituo Politécnico com o sonho de vir a ser professor. “Em Miranda, para mim, só havia PS e PSD, e quando vim para Bragança encontrei o Bloco de Esquerda e comecei a pesquisar na Internet.”
Enviou uma mensagem pelo Facebook à distrital do partido, filiou-se em abril e a história só acaba com uma candidatura inesperada. Aos 19 anos, é provavelmente o mais jovem cabeça de lista a uma Câmara do país nestas autárquicas. Vai concorrer a Bragança, a cidade que abraçou como sua e onde assentou arraiais. “Não é muito longe da minha aldeia, mas é mais aberta, mais movimentada, mais diversificada.” Os pais, relutantes, ainda estranharam a loucura de um rapaz carregado de vontade de fazer coisas e de lutar contra a fuga do interior. “Para os jovens, verem alguém que defende os seus direitos pode ser uma forma de se sentirem representados. Está na hora de tomarmos as rédeas do nosso futuro. Precisamos de educar nas escolas, a abstenção vem do desconhecimento, porque pintou-se a política como uma atividade de corrupção, de tachos. Acho triste que os jovens não percebam que a política afeta toda a sua vida.” Uma cara nova talvez mude o paradigma e prova disso é a aposta do BE em três cabeças de lista com menos de 25 anos. Isso e as propostas de André para promover a fixação das gentes, que passam pela aposta na mobilidade sustentável, com mais transportes públicos “que não funcionem com um intervalo de três horas ou mais”.
O candidato não sonha alto, tem os pés na terra: promete um canil municipal e mais ecopontos e centros de recolha do lixo. “As pessoas aqui ainda estão longe de fazer reciclagem e esse é um trabalho que a Câmara tem de fazer.” Em setembro vai andar pela rua, sabe bem o desafio que tem pela frente num concelho que está nas mãos do PSD há 24 anos. Só que o sangue corre-lhe acelerado nas veias, sem temores. “Sou um candidato como os outros. A idade não pode ser um argumento, nem ajuda ao debate. Só quero um concelho mais sustentável e com mais pessoas.”
Os jovens entre os 18 e os 24 anos são quem menos vota nas eleições em Portugal. E basta rebobinar a cassete até janeiro, quando as eleições presidenciais registaram a maior abstenção de sempre (60,51%), para não augurar corridas frenéticas às urnas a 26 de setembro. Estamos a praticamente um mês das autárquicas e a geração que é capaz de se unir em greves climáticas, manifestações e petições públicas como nunca pode estar descrente na política, no partidarismo. Mas há quem destoe e tenha a coragem de se chegar à frente, em estreias nervosas e ousadas.
O discurso de Luís Miguel Lopes é polido, a parecer denunciar longos anos de experiência que, na verdade, ainda não possui. Tem 23 anos e escolheu uma luta que não foge à de André Xavier: contra a desertificação do interior. Não foi grande a surpresa dos que o viram entrar na Juventude Socialista aos 16 anos quando, este ano, Luís se apresentou como cabeça de lista à Câmara Municipal de Sernancelhe, pelo PS. É o único candidato socialista com menos de 25 anos a um Município, mas, se alargarmos o espetro até aos 35 anos, o partido rosa tem 12 jovens candidatos.
Para um rapaz que sempre quis entender os partidos, que ia à apresentação de candidaturas já nos tempos do liceu, que morou em Seul durante um intercâmbio, em Lisboa de onde trouxe o diploma de mestre em Gestão na Universidade Nova, ou em Bruxelas onde trabalhou seis meses no Parlamento Europeu, não era difícil antever um futuro a querer mais e mais.
“Sou um beirão e acho que o interior tem muito para dar. Se os jovens não querem fazer parte da solução, então não vejo grande futuro”, atira. É natural de Viseu, mas conhece bem o distrito e Sernancelhe foi o desafio que o partido lhe atirou para as mãos. Mesmo não sendo de lá, Luís não virou a cara. “É um concelho com muita potencialidade e não ia haver oposição ao atual presidente de Câmara. Em termos democráticos, seria lesar as pessoas se não apresentássemos uma alternativa.” Para o Município onde o PSD conquistou larga maioria em 2017, quer captar o investimento de empresas ligadas à transformação digital e à transição climática, para chamar os jovens. E andar de braço dado com outras autarquias do interior, acredita, é o segredo para todos combaterem o envelhecimento do Portugal profundo. “O país continua a investir em zonas sobrepovoadas, e isso é um erro, enquanto não tivermos bons hospitais e serviços, os jovens não querem fixar-se cá.”
Critica o distanciamento entre políticos e população, especialmente com os jovens, que “têm de ser ouvidos, porque no futuro vão ser eles a dinamizar esta região”. E abre a porta aos que o queiram contactar. Entre cartazes e ações de rua, no corrupio de campanha que se adivinha, Luís tem noção que muitos não o vão levar a sério. “É uma grande responsabilidade, mas quero eliminar esses estigmas. As pessoas queixam-se que é sempre mais do mesmo, eu sou uma cara nova, vamos ver se isso depois se traduz nas urnas.” Certo é que os amigos, muitos até apartidários, se estão a mobilizar e a ajudá-lo.
Filiou-se na pandemia e acabou candidato
Se nem André nem Luís têm familiares ligados à política, Marcos Gomes conta uma história diferente. O pai é presidente da Junta de Freguesia de Almoster, com o apoio do PSD. Mas foi, afinal, na Iniciativa Liberal que o jovem de 24 anos encontrou poiso. “Acompanhei desde muito cedo o trabalho do meu pai na Junta, a proximidade com as pessoas”, conta. Os desencontros partidários dentro da família não deram azo a discussão, pelo contrário. “Cada um acredita no que acredita e apoiamo-nos.” Marcos já trabalha, é gestor de produto. Tem mais certezas do que dúvidas quando diz ter ideais liberais.
Foi atraído pelo discurso do deputado João Cotrim de Figueiredo que, em 2020, quando a pandemia lhe deu tempo, se filiou na IL. Vasculhou o site, de trás para a frente, e contactou o partido para saber se tinham planos para Santarém. Abriu uma porta que nunca mais havia de fechar. Agora, quer ser presidente da Câmara Municipal de Santarém, o município onde cresceu, e é o único candidato da IL com menos de 25 anos a uma autarquia.
“Gosto imenso de Santarém, faço 40 quilómetros todos os dias para poder continuar a viver aqui. É aqui que me sinto feliz.” Os amigos não estranharam, afinal Marcos sempre foi muito interventivo. E faz uma radiografia rápida: “O problema principal de Santarém é a falta de dinamização e de atração, quer de pessoas, quer de empresas”. É esse o foco de uma candidatura com sangue na guelra, que promete mais oferta cultural, menos carga fiscal, mais transparência municipal, mais transportes fora do centro urbano, um problema que ele próprio sentiu na pele em miúdo. A idade não o trava. “Mais do que olhar às pessoas, os munícipes têm de olhar para as ideias. E as nossas ideias são aplicáveis.”
Talvez seja pelo facto de os mais novos não terem vivido a Revolução dos Cravos que se têm vindo a afastar da política. Nasceram e cresceram em liberdade. É esse o palpite de Marcos, esse e os casos de corrupção que inundam noticiários. “Os jovens vivem a recibos verdes, no desemprego, com salários baixos, e existe uma alternativa de governação.” É isso que ele quer mostrar, sem esconder os nervos e a ansiedade de quem dá os primeiros passos num concelho em que o candidato do PSD parte à frente, a caminho de um terceiro mandato.
Uma mulher e mãe na Ponta do Sol
É preciso viajar para as ilhas para encontrar uma candidata sub-25 no feminino. Mesmo entre os jovens, os homens ainda estão em larga maioria no mundo da política. De um concelho rural, uma candidata, mãe, “refilona”, que vive do campo. Cátia Rodrigues não resistiu ao convite de alguns amigos da CDU – que conta mais jovens candidatos no continente -, mesmo sem filiação ou ligação política, para se candidatar à Câmara Municipal da Ponta do Sol, na Madeira. “E porque não? Porque é que tem de ser tudo sempre tão laranja e tão rosa?”, questiona. Aos 24 anos, já tem um filho de três e uma filha de cinco. Os pais tiveram vida difícil, no campo, e ela seguiu-lhes as pisadas.
Debaixo do calor que se tem feito sentir na ilha, mostra que nunca foi de estar quieta, produz legumes e perde a conta às vezes em que vai vender ao Mercado Abastecedor do Funchal. Os altos voos das grandes estradas deixa-os para o Governo Regional. Quer intervir nos caminhos agrícolas, nos acessos, melhorar as levadas para quem sobe encostas íngremes com cachos de bananas às costas. “As autárquicas servem para falar do buraco no caminho que está por reparar há tanto tempo, as pessoas querem sentir que os seus problemas do dia a dia estão a ser ouvidos por alguém. E os problemas só são pequenos para quem não os sente.” É terra a terra, mulher de armas, fala pelos cotovelos e o sotaque de travo madeirense pouco se sente.
Diverte-se com o desafio e é na rua que vai estar, nos intervalos de uma rega ou de uma apanha. “Não importa ter uma cara num cartaz quando isso não revela o conhecimento do terreno. Os cartazes não falam, o que conta é o esclarecimento e isso faz-se na rua, a mostrar que se conhecem os verdadeiros problemas de quem vive cá.” A Câmara, historicamente PSD, mudou de mãos para o PS nas últimas autárquicas. Durante muito tempo, Cátia fez parte dos jovens desiludidos com o poder político, quis sair desse lugar.
“Não são só os mais velhos que sabem o que o concelho precisa. Os jovens que enfrentam a falta de perspetiva de futuro e de trabalho também sabem. Que nos seja dada essa oportunidade.” Cátia não quer somar passos maiores do que a perna, sabe ao que vai, tem noção do enraizamento das duas grandes forças políticas. O objetivo? Conquistar mais votos para a CDU do que nas últimas eleições. Se com isso o partido conseguir eleger, pela primeira vez na história do Município, um deputado na Assembleia Municipal ou um vereador, é ouro sobre azul. “Se as pessoas nos dizem que temos boas ideias, porque é que não votam? O que é que nos falta? O facto de ser mulher e jovem não me diminui em nada.”
A ousadia dos 20 anos
Num país de jovens descrentes em quem vai ao leme da governação, só a palavra política pode eriçar cabelos. Mas à pouca idade, os candidatos de 20 anos respondem com muita vontade. E para quem já emprestou voz e guitarra à banda trofense de rock Platform, o palco da política não assusta. Foi quando se tornou vegan, e as preocupações com as alterações climáticas e os direitos animais começaram a bater-lhe à porta, que Rodrigo Reis se filiou no PAN. Só não esperava um ano depois, aos 20, ser candidato à Câmara Municipal da Trofa, o seu concelho, que é quase tão jovem quanto ele. Já lá vamos.
O estudante de Engenharia Informática no Porto mete-se em tudo o que é associativismo. Não é de estranhar que tenha dado o salto para a política autárquica. “E o PAN foi coerente com o que tem vindo a dizer sobre dar voz aos jovens”, diz Rodrigo. Os pais foram apanhados de surpresa, “não é muito comum um jovem seguir este caminho, mas ficaram contentes”. Na memória, tem bem delineadas as propostas para um concelho criado em 1998. Conhece-lhe a história e as gentes. Promete uma rede de transportes municipal, novas infraestruturas desportivas, apoio ao tecido empresarial numa região marcadamente industrial, parques caninos, recolha do lixo porta a porta, hortas comunitárias e investimento público na habitação acessível, um dos calcanhares de Aquiles das novas gerações.
Na verdade, Rodrigo não acha que os jovens sejam desinteressados, até porque se envolvem muito em movimento cívicos, acha só que têm falta de fé nos partidos políticos. “Espero cativar a juventude a acreditar.” Na primeira vez que o PAN concorre na Trofa – a Câmara é liderada por um autarca do PSD -, Rodrigo não anseia voos muito altos, e eleger um deputado municipal já seria objetivo mais do que cumprido. É um dos três jovens candidatos do partido que tem ainda 13 mulheres como cabeças de lista às câmaras.
Se fizermos uma ronda pelo país, tudo indica que outros partidos, como o PSD, Chega e movimentos independentes não têm candidatos abaixo dos 25 anos. O CDS salta fora destas contas quando Mário Amaro, com os mesmos 20 anos de Rodrigo, entra em jogo em Alenquer. E fez o trabalho de casa. Assistiu a reuniões de câmara, a assembleias municipais, quis perceber como tudo funciona. Ainda antes desta aventura, estava ele no Secundário quando foi até Lamego, ao congresso do partido que haveria de reeleger Assunção Cristas para a presidência. Bebeu da influência dos pais e gostou tanto do ambiente que reativou a Juventude Popular em Alenquer. Em setembro de 2020, virou presidente da concelhia e agora estreia-se no combate, numa coligação que une o CDS ao Nós Cidadãos, Aliança, PPM e PPT.
O jovem de óculos redondos é fascinado pelo espaço, está a estudar Engenharia Aeroespacial, gostava de trabalhar em investigação. E quer fazer tanta coisa no seu concelho que dispara propostas atrás de propostas. Num município a 40 quilómetros de Lisboa, promete melhorar os acessos para que mais gente ali queira morar, e tem a requalificação urbana e o planeamento urbanístico na mira, com apoios à reabilitação e habitação jovem. Mas quer mais. Renegociar o contrato de concessão das águas, responder às dúvidas dos munícipes numa rádio local para aproximar o poder à população ou um passe de transportes mais barato.
Mesmo sendo da era das redes sociais, Mário vai correr todas as freguesias. “A principal forma de campanha é o boca a boca. Partidos e ideologias em termos autárquicos valem pouco ou nada. Vale a proximidade, conhecer os problemas. E tem sido uma experiência fantástica.”
Traz, como todos os outros, a irreverência e a agitação características da idade. “Todos os jovens de Alenquer sabem quem sou, nesse aspeto pode haver alguma empatia.” Talvez isso ajude a ganhar pontos numa luta ingrata num concelho que está no poder do PS desde sempre. A ele e a todos os outros candidatos sub-25, que podem, afinal, ser fonte de esperança na política para os mais jovens, contra a abstenção nas urnas.