Os (in)evitáveis cabelos brancos

É inevitável associar os cabelos brancos ao envelhecimento

A associação entre o embranquecimento dos fios e o stresse é tão antiga quanto a história da rainha Maria Antonieta. Mas há fundamento científico? Afinal, porque ficamos grisalhos?

“Pões-me com os cabelos brancos.” A expressão já foi usada por muitos em momentos de de irritação ou stresse. A própria história popular conta que, em 1793, Maria Antonieta ficou com o cabelo todo branco do dia para a noite, antes da sua execução. Alguns estudos têm tentado encontrar uma associação entre os dois fatores, mas há especialistas que ainda se mostram relutantes em assumir uma conclusão.

Uma nova investigação da Universidade de Columbia, em Nova Iorque (EUA), publicada na revista científica “eLife”, lançou dados novos sobre o tema. O objetivo era perceber se o cabelo voltava à cor original após ser retirada a fonte de stresse. No estudo participaram apenas 14 voluntários e um deles recuperou a cor de cinco fios de cabelos após duas semanas de férias.

A possibilidade de reversão do processo de embranquecimento do cabelo associado ao stresse é uma novidade entusiasmante para muitos, como Inês Gonçalves. Com 33 anos, tem cabelos brancos “de forma expressiva” desde os 27. Apesar de admitir que não é “nenhum drama”, a jovem portuense conta que há sempre algum complexo por o cabelo branco estar associado à velhice e prefere acreditar que não é uma inevitabilidade.

No entanto, não há provas de que assim seja. Segundo a dermatologista Filipa Ventura, “fala-se muito na ligação entre cabelos brancos e stresse, mas não há estudos científicos que comprovem essa associação”. O que existe a nível da investigação nesta área é “muito embrionário”, não sendo possível retirar conclusões científicas válidas.

Maria Antonieta (numa obra de Élisabeth-Louise Vigée-Le Brun, exposta no Palácio de Versailles) terá ficado com o cabelo todo branco na véspera de ser guilhotinada

E quanto à possível reversibilidade, também se mostra cética. A especialista diz que há procedimentos ou intervenções clínicas que possam fazer sentido na reversão do processo, “mas nunca são aconselhados por nenhum médico, por não haver, ainda, confirmação científica”.

Já para o tricologista Ricardo Vila Nova, a associação entre cabelos brancos e stresse faz sentido: “Os recetores nervosos, por adrenalina, stresse ou choque, podem criar um distúrbio nos melanócitos, que são frágeis e reativos, podendo haver suspensão da produção de melanina”. O profissional reconhece ser “muito difícil controlar a produção de melanina”, mas refere tecnologia com fatores de crescimento e agentes regenerativos que utiliza nas suas clínicas e que podem reverter o processo de perda da cor do cabelo. Ainda assim, há casos em que tal é impossível, nomeadamente quando a pigmentação já foi perdida há muito tempo.

O que parece ser mais ou menos consensual é que a a genética é soberana. “O cabelo branco surge com a idade, mas o momento do aparecimento é geneticamente determinado”, defende Filipa Ventura. Inês Gonçalves nunca visitou nenhum especialista para saber mais sobre o seu caso de perda de pigmentação precoce, mas frisa que a mãe “também teve o mesmo fenómeno cedo, por volta da casa dos 30 anos” e que, por isso, a genética poderá ser uma explicação.

Para o aparecimento de cabelo branco em pessoas com 25 anos e noutras apenas aos 45, Ricardo Vila Nova lembra que “também há pessoas com tendência para colesterol que têm uma alimentação saudável e pessoas que comem de forma errada e não têm colesterol”. É a genética a agir. Mas o tricologista salienta que a predisposição genética é catalisada por fatores externos como o stress, a adrenalina ou baixa de endorfinas, que podem acelerar o processo geneticamente determinado.

É inevitável associar os cabelos brancos ao envelhecimento. E as estatísticas são claras. Em média, aos 50 anos de idade, cerca de 50% dos cabelos são brancos em metade dos indivíduos caucasianos, segundo Filipa Ventura. Inês Gonçalves, que começou a ter cabelos brancos muito mais cedo, não dispensa a visita mensal ao cabeleireiro.

Processo de envelhecimento

Ao longo da vida, o sistema reparador antioxidante do nosso organismo vai-se degradando, explica Filipa Ventura. Por causa disso, no caso do cabelo, as células precursoras dos melanócitos, presentes em cada folículo piloso e responsáveis pela produção de melanina, vão sofrendo processos de oxidação, com redução das células e, consequentemente, de melanina. Sendo a melanina responsável pela cor, o resultado é o embranquecimento dos fios de cabelo. Estes processos de envelhecimento afetam todos os órgãos, mas têm maior expressão “nos que têm exposição ambiental acrescida, como é o caso da pele, e que têm maior renovação celular, como o cabelo”.

Apesar de não haver consenso científico sobre a associação entre cabelos brancos e stresse, há cuidados que são indispensáveis. Para a médica dermatologista, a regra de ouro é a proteção solar, pois o cabelo branco é mais sensível à radiação ultravioleta. Já Ricardo Vila Nova fala na importância de escolher um bom champô, de preferência gentil e hipoalergénico, que garanta “o balanço de PH e a hidratação do couro cabeludo”. Em resumo, dar ao cabelo a mesma importância que o envelhecimento da pele já tem.