Valter Hugo Mãe

Os filmes de terror


Rubrica "Cidadania Impura", por Valter Hugo Mãe.

Gosto dos filmes que debatem com inteligência a fé e os preconceitos, os escritos sagrados, os apócrifos, as lendas e como os lugares e seus desafios podem criar mitos tremendos.

Estou viciado em filmes de terror e só me apetece dizer palavrões. Julgo que será para me convencer de que a vida poderia ser pior e o que vai no Mundo ainda é um caminho de esperança. Acabei por subscrever uma dessas malditas plataformas de conteúdos e quase tudo é uma porcaria mediana, sem surpresa nem sobressalto, apenas a repetição até à náusea dos tiques das narrativas convencionais. Sem solução, inclino-me para fixações antigas. Sempre gostei de histórias de fantasmas, dessas que exageram os exorcismos ou que andam à cata de sombras em casas velhas. Pois, o cliché. Tudo quanto me aborrece nos filmes e nas séries comuns é quanto me chama a atenção num susto bem filmado.

Eu cresci a achar que os mortos persistem e que muito do que não se explica haverá de ser a simples tentativa de nos falarem. A racionalidade não haverá nunca de esgotar a possibilidade de existir outra dimensão, uma vida na transcendência que talvez nos espere também. Gosto dos filmes que debatem com inteligência a fé e os preconceitos, os escritos sagrados, os apócrifos, as lendas e como os lugares e seus desafios podem criar mitos tremendos. Os meus livros lidam bastante com o tremendismo. Não tenho paciência nenhuma para o relato do normal. Quero uma aventura na linguagem e quero exuberância na imaginação.

Claro que estou furioso com sucumbir a esta coisa predadora de nos agarrarem ao pequeno ecrã como meninos a ouvir contar uma história depois de outra história. O género do terror tem escassas obras-primas. Normalmente, é o género perfeito para produções indigentes. O público é reduzido, o investimento curto, o resultado depende inteiramente do talento do realizador e do argumento, muito mais do que da máquina possante da indústria. Isto significa que ver um filme de terror é ter quase a certeza de ficar frustrado. Ainda assim, como com quem busca o amor, a esperança continua e a vontade de tentar não esmorece. Tentamos sempre.

Alguém me diz que a subscrição destes serviços cresceu desmesuradamente com o confinamento. Não há como duvidar muito. As televisões tradicionais perdem sentido para uma vasta multidão. Insistem até ao limite com certos programas e replicam-se umas às outras, tornando os tempos do dia em redundâncias onde raramente se descobre algo novo, apenas se persegue o que parece ainda cumprir objectivos mínimos. Com as plataformas de conteúdos, por outro lado, todas as opções estão em aberto mas, ao contrário de nos ser imposto, afunilamos as hipóteses por vontade própria, obstinados com nossas fixações, tão repetitivos quanto as televisões convencionais.

Na verdade, preocupa-me. Atomizados em nossos passatempos, abundantes agora até ao infinito, somos apartados cada vez mais. Perdemos as notícias e esmorecem os saberes comuns, isso que nos pode facilitar o reconhecimento uns dos outros, por estarmos num mesmo tempo, dentro de uma mesma cultura, partilhando um espaço. É disso que tenho medo. Não dos sustos que os filmes me pregam, que são o propósito divertido de os ver. O meu medo é o de não sermos mais um colectivo coeso, pacífico, quando desligarmos os ecrãs e tivermos de recuperar a rua, o encontro com toda a gente.

(O autor escreve de acordo com a anterior ortografia)