Um pé na universidade e a cabeça nos exames nacionais que, este ano, vão ser mais difíceis depois de as médias terem disparado em 2020. Entre os nervos de uns e a tranquilidade de outros perante as novas regras, é hora de enfiar o nariz nos livros. Para os alunos a fechar o ciclo, que carregam dois confinamentos com aulas, falta menos de um mês para a derradeira prova.
Segunda-feira, as aulas na Escola Secundária Homem Cristo, em Aveiro, acabaram às 11.45 horas. Nuno Tavares, que todos tratam por Petiz, tem treino de ténis ao final da tarde. O desporto é remédio santo para desanuviar da pressão dos exames nacionais que já lhe começa a massacrar a cabeça. O ano letivo acabou sexta-feira, o estudo a sério arranca amanhã. Pensa rápido, a média interna está nos 19,1 valores e só lhe falta a prova de Matemática para o ingresso. Medicina na cabeça, não por sonho, “por ser um trabalho estável” e bem pago. A bússola apontada às universidades de Coimbra ou do Porto.
Cabelos e olhos claros, conta 18 voltas ao sol, está no 12.º ano em Ciências e Tecnologias depois de um Secundário com uma pandemia de tropeções pelo caminho. Aulas à distância? “Foi tudo uma novidade, a capacidade de concentração é baixa, é muito fácil haver distrações. Por outro lado, comecei a estudar mais em conjunto com os meus amigos, pelo Zoom, coisa que não fazia antes.” E saber, no ano passado, que só teria que fazer os exames nacionais que lhe serviriam de prova de ingresso no Ensino Superior permitiu-lhe dar “graças a Deus”, que é como quem diz respirar de alívio, em relação ao Português. Focou-se logo em Física e Química e em Biologia e Geologia. Na primeira prova, conseguiu 19,5 valores (a média nacional foi de 13,2), na segunda 18,4 (mais de quatro valores acima da média nacional). “No de Física e Química, tive sorte, errei mais perguntas opcionais do que obrigatórias, se fosse um exame normal a minha nota seria mais baixa. E, no de Geologia, errei algumas obrigatórias e aí as opcionais ajudaram-me.”
No ano passado, as perguntas de resposta opcional apareceram nos exames nacionais para equilibrar uma balança em que o confinamento forçado e as aulas à distância improvisadas pesaram nas aprendizagens. Dessas, eram contabilizadas as melhores respostas. Mas a inflação das notas levou o Instituto de Avaliação Educativa (IAVE) a reconhecer o erro e a dar, agora, um passo atrás. Em julho, as provas finais do Secundário vão manter o mesmo modelo, só que o número de perguntas obrigatórias aumenta, em alguns casos para o triplo, para evitar que os alunos fujam a matérias que não dominam e travar o “excessivo enviesamento” das notas, segundo o IAVE. O objetivo é distinguir claramente quem sabe e quem não sabe. Em contrapartida, as questões opcionais serão em menor quantidade.
Com a ansiedade a disparar, Petiz procurou ajuda extra. “Já no ano passado tive explicações para os exames e tenho a certeza que, se não tivesse tido essa ajuda, não tinham corrido tão bem. Em algumas matérias não estava nada confortável.” A Matemática, mesmo à distância, os exercícios constantes e os trabalhos ajudaram, apanhou bem a matéria, mas quer estar muito bem preparado. Precisa das três provas, as duas que fez no ano passado e a que vai fazer este ano, para bater à porta de Medicina. As novas regras até podem vir a complicar-lhe a vida, mas sente que é justo. “No ano passado, houve uma grande inflação. E o meu exemplo nisso é claro. Sem as perguntas opcionais, não tinha tido as notas que tive.” Desta vez, a estratégia na hora em que vir o exame é atacar as obrigatórias, “o tempo vai apertar”.
Já fez resumos, nas aulas não houve tempo para ensaiar conhecimentos com exames de anos anteriores. Não dramatiza. Quase um mês para estudar para um só exame, a 13 de julho. Vai rever unidade a unidade, e depois mergulhar em exemplos de provas. “Vou estudar todos os dias. E tentar ir a algumas aulas de preparação.”
Separar os bons dos muito bons
De quatro, o exame de Matemática A (a média em 2020 atingiu os 13,3) passa a 11 perguntas obrigatórias. Nas opcionais, no último ano, contavam as oito melhores respostas entre 14 questões; este ano serão contabilizadas as quatro melhores de sete. E a mudança não só é bem-vinda como necessária. “No ano passado, o 19 foi moda, porque o exame foi anormalmente fácil”, afirma João Araújo, presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática (SPM). As médias “subiram imenso” e as provas “não permitiram diferenciação nenhuma entre os alunos”, gerando uma “injustiça completa” e uma “distorção do acesso à universidade”. “Não podemos continuar eternamente com exames dados”, defende o professor catedrático, para quem é preciso separar o trigo do joio, os fracos dos bons, os bons dos muito bons.
O Governo apercebeu-se rapidamente do erro. “Duplicaram os alunos com médias altas e teve que se aumentar as vagas na universidade, caso contrário teria sido um massacre.” Ainda assim, o presidente da SPM reconhece que as perguntas opcionais continuam a ser necessárias, “porque há escolas que não conseguiram dar a matéria toda obrigatória e os alunos não podem ser prejudicados por isso”. E porque o ensino à distância trouxe problemas. A começar na matéria que se esfumava nas câmaras desligadas, “a cara dos alunos é um livro aberto, um travão aos professores para perceber que têm de ir mais devagar e isso perdeu-se no ensino remoto”. E a acabar com aulas em “post-its” – ecrãs minúsculos – onde não cabem raciocínios encadeados, de vários passos, do princípio ao fim.
Isabel Hormigo até podia concordar com João Araújo na manutenção das questões opcionais, se o sistema de avaliação fosse alterado. “Enquanto se der cotação apenas às melhores respostas, isso não é fiável. Bem sei que houve pandemia, mas as regras têm que ser justas.” A docente coordenou os testes que a SPM levou a cabo a mais de 30 mil alunos do ensino público e privado para aferir das aprendizagens. Desses, quase sete mil estão no 12.º ano e ainda vão a tempo de trabalhar melhor os conteúdos em que se espalharam. Os testes serviram para isso mesmo, “avaliar o que os alunos sabem e não sabem”.
A SPM ainda disponibilizou uma bolsa de professores voluntários para explicações a custo zero aos alunos com dificuldades. Agora, Isabel Hormigo espera que na prova de Matemática do próximo mês não se cometam os mesmos erros. “E que voltemos à normalidade, já no próximo ano, com regras muito claras logo no arranque. Porque os exames mudam vidas.”
De tal forma que as provas para melhoria de nota interna voltaram este ano, por decisão do Parlamento e contra a vontade do Governo, que suspendeu essa possibilidade em 2020. Isabel Hormigo concorda com o regresso. E Petiz também. O aluno de Aveiro ainda ponderou, mas o tempo era curto. O diploma foi publicado a 25 de maio e o prazo de inscrição era até 31 do mesmo mês. “Pensei fazer o de Português, mas foi muito em cima da hora. Tinha uma semana para tomar a decisão, nem sabia o peso que ia ter, estava tudo muito ambíguo. E preferi não desviar o foco da Matemática”, conta.
Quer Engenharia Informática e vai fazer melhoria
João Lima não hesitou. Já está a ter explicações de Física e Química para tentar subir a nota. O exame vai ter 16 perguntas obrigatórias, o dobro. As regras das provas para melhoria foram entretanto conhecidas: a classificação obtida no exame vai substituir a nota atribuída pelas escolas à disciplina, desde que seja um valor superior. Os alunos não têm nada a perder. João veste uma camisola do Hard Rock Café de Valência, tem 17 anos. Está em casa a estudar, as aulas na Secundária José Régio, em Vila do Conde, acabaram depois de dois anos ora na escola, ora à distância. “O facto de estarmos em casa pedia que fôssemos mais independentes, não é a mesma coisa que irmos à escola todos os dias e termos o professor ali.”
Conseguiu dar toda a matéria, a turma nunca teve casos de covid, o que facilitou no regresso ao modelo presencial. Só agora se decidiu, quer Engenharia Informática. No ano passado, além do exame de Física e Química, que vai repetir agora, fez o de Biologia e Geologia. Ainda estava indeciso entre Medicina e Engenharia, jogou pelo seguro. “Sempre foram duas áreas que me fascinaram. Mas percebi que tenho mais queda para os números do que para o corpo humano.” Teve 17,5 valores a Física e Química e 17,8 a Biologia. “Os exames foram demasiado fáceis. Por um lado, até foi bom. Por outro, os alunos que eram bons continuaram a ser bons. E os alunos que eram mais ou menos passaram a ser bons. E não se distinguem.”
Faz contas de cabeça, deve acabar o Secundário com média de 18,7. Este ano, também vai fazer prova de Matemática, para ingresso. O estudo vai intercalar com os treinos de canoagem, nas águas do rio Ave. Tem todos os dias, menos à segunda-feira, às vezes mais do que um por dia. Aprendeu a gerir o tempo. Transpira tranquilidade, não é muito marrão, nem consegue. No radar estão a Universidade do Minho e a Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto.
As mudanças nas provas nacionais não lhe trazem ansiedade, pelo contrário, acha que este ano já se poderiam recuperar as regras pré-pandemia. “Quero tentar responder a todas as perguntas e acertar no máximo possível. Este modelo de exame com perguntas facultativas faz-me confusão. Desvaloriza os bons, quem está lá em cima e, de facto, trabalha muito.” Já leva uns meses em cima de estudo de Física e Química, o exame é a 8 de julho. A Matemática, os professores têm feito revisão e só agora vai começar a sério, “para não dar em maluco”.
A indecisão da aluna que quer o Minho
Carolina Marques acordava à mesma hora e vestia-se todos os dias como se fosse para a Escola Secundária Francisco de Holanda, em Guimarães. Não assistia às aulas no quarto, para mudar de ambiente. Foi a regra que criou para conseguir combater a inércia do confinamento. “O que se dá numa aula online não é o mesmo que numa aula presencial. Para tirar dúvidas é mais difícil, eu não tinha tanto à-vontade e retraía-me um bocado.” No regresso, conseguiu limar arestas, apesar das máscaras e de os professores correrem menos as carteiras.
A aluna do 12.º ano ainda não sabe o que vai seguir na universidade. Arredondada, a média interna deve andar nos 18 valores. Está inclinada para Engenharia Biológica. Mas em 2020, pelo sim pelo não, e na dúvida, fez as duas provas, de Biologia e Geologia e de Física e Química. Na primeira, conseguiu 17,2 valores. Na segunda, 19,2. “Este ano, só vou fazer a de Matemática. Este é o ponto positivo da pandemia, não tenho que fazer a de Português, o que é um grande alívio.” Os exames nacionais não lhe tiram o sono, nem é de marrar muitas horas seguidas, vai estudar meio dia todos os dias. No entretanto, vai às aulas de condução e continuar a trabalhar numa cabeleireira ao sábado. Nas aulas, já reviu a matéria toda, meio caminho andando.
As novas regras dos exames não a stressam, vai com o espírito de responder a tudo. Sobe a fasquia: a meta é o 20, embora saiba que isso “é quase impossível”. “Não sinto que o novo modelo seja mais injusto. Temos que começar a aproximar-nos ao que era antes da pandemia. Não vai ser toda a vida assim.” Para já, só uma certeza, quer ficar por casa, na Universidade do Minho.
Mais interpretação em Português
Num ano em que não só aumenta o número como o peso das perguntas obrigatórias – em todos os exames valem 14,4 valores ou mais -, há disciplinas com mudanças mais significativas do que outras. Em Português, sobem de cinco para dez as questões obrigatórias. É nas opcionais que se sente o maior abanão: antes eram contabilizadas 80% das respostas (oito de dez) e desta vez serão 60% (três de cinco). O Secundário vai inaugurar a primeira fase de exames a 2 de julho, precisamente com Português, que se estende até 16 de julho (Geografia). A segunda fase só acontece em setembro.
“Já está provado que houve problemas nas aprendizagens. Os jovens não vão à escola só para ter aulas, precisam do relacionamento com os outros e isso perdeu-se. A aprendizagem não é só pensada cognitivamente, mas afetivamente”, comenta Filomena Viegas. A presidente da Associação de Professores de Português (APP) reconhece, porém, que a pandemia também trouxe vantagens. A introdução de questões opcionais nos exames foi uma delas. “Esta possibilidade nunca tinha sido posta em prática e é muito bem-vinda.” Ainda assim, justifica, mais questões obrigatórias e menos opcionais permitem uma maior representatividade do currículo. A pergunta mais importante, a da escrita compositiva, de produção de texto, já no ano passado era obrigatória. “E tem um peso de 40 pontos em 200, o que faz todo o sentido, porque é indispensável para quem aprende uma língua. E é a que traz sempre maior dificuldade.”
Era nas perguntas de interpretação de texto e de gramática que recaía a maior facultatividade. “E no novo modelo, nestes dois grupos, sobretudo na interpretação, há menos perguntas opcionais, o que é mais equilibrado”, assume. A inflação das notas em 2020 não se verificou particularmente na disciplina de Português, que sentiu uma subida muito ligeira na média, de 11,8 para 12 valores. E a professora não acredita que este ano seja muito diferente.
A meio do manual de História, a ansiedade sobe
Escola Secundária Madeira Torres, Torres Vedras. Ema Castelo está no curso de Línguas e Humanidades, acabou a matéria de Português na reta final do ano letivo. Em História, a uma semana do fim do Secundário, estava a meio do manual. A aluna de 17 anos sabe que as aulas à distância tiveram dedo nisso. “Nenhum de nós estava motivado. E os professores ficavam muito desamparados por estarmos de câmaras e microfones desligados, parecia que estavam a falar para ninguém, o que fazia com que não transmitissem a matéria da mesma forma.”
Muita coisa dada a correr, “de forma superficial, sem aprofundar”, e sem o apoio presencial de um professor a explicar para lá do que está escrito no manual. A morena de cabelos compridos não tem dúvidas quanto aos danos da pandemia. Vai fazer, em julho, exames de Português e de História. Sonha seguir Direito, mas no 11.º ano fez a prova de Matemática Aplicada às Ciências Sociais (MACS), não vá o diabo tecê-las, e Ciência Política entrar na órbita das opções. Teve 18,3 valores. “Não achei o exame fácil, obviamente que foi facilitado devido às perguntas opcionais, mas não foi nada fácil. E a média nacional do exame de MACS foi o que foi.” Foi a única disciplina que ficou abaixo dos dez valores (9,5) no meio da subida generalizada das notas nas provas de 2020.
Começou em janeiro a fazer resumos dos três anos para Português e História. Acabou recentemente. Está mais preparada para Português. Quase nem precisa de pensar, se pudesse escolher, queria José Saramago ou Camilo Castelo Branco na prova. Em História, o Estado Novo e o 25 de Abril ou a Guerra Fria. A média interna está a rondar os 18 valores. Amanhã começa a estudar, a ler os resumos em voz alta até memorizar, debaixo da ansiedade das novas regras. “É injusto, este ano aquilo que aconteceu foi muito idêntico. Tivemos na mesma ensino à distância, as mesmas dificuldades. Obviamente que está toda a gente mais nervosa e com mais pressão.”
Sabe que as médias dispararam, mas também “houve muita gente a espalhar-se ao comprido”. É muito ansiosa, tem noção disso. Já reduziu os treinos de dança de cinco para duas vezes por semana para ganhar fôlego para o estudo. O trabalho de casa está feito: quer entrar na Universidade Católica, em Lisboa, com bolsa, por ter “a taxa de empregabilidade mais alta” em Direito. Sempre foi boa aluna, mas não arrisca medir já a confiança no futuro: “Vai depender tudo dos exames”.
Em três anos de Secundário, dois foram atrapalhados pela covid-19 e, para quem está a fechar agora o ciclo, os exames são o sprint final, o derradeiro teste antes de abrirem a porta do Ensino Superior. Uma coisa é certa: vai ser mais difícil ter notas muito altas, mas para alunos de 18 o “impossível” não entra no dicionário.