Olho seco: mais um mártir das máscaras

A proteção facial é um dos maiores aliados no combate à pandemia, mas o uso prolongado causa desconforto, também a nível ocular. As queixas são crescentes, mas há formas de minorar o problema.

Oito ou mais horas contínuas a usar máscara. Esta é a realidade de muitos que trabalham em locais fechados ou em grupo, onde o uso de máscara é indispensável para a proteção de todos. É o caso de Glória Barros, enfermeira chefe de um serviço de cirurgia hospitalar, onde o uso prolongado da máscara – e, por vezes, de outros equipamentos de proteção – causa desconforto. E os olhos foram os mais afetados.

Estas queixas são usuais, confirma o presidente da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia. Devido ao uso de máscara, “os problemas mais frequentes são olho seco e ceratite” (inflamação da córnea), segundo Rufino Silva. Já o professor na Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade da Beira Interior, Eugénio Leite, olhando para o que aconteceu no último ano, fala num aumento exponencial de consultas relacionadas com o síndrome de olho seco.

O que acontece é que durante a respiração, ao usarmos máscara, o ar sai pela parte superior, o que causa um constante “ventilar” da córnea, provocando maior secura ocular. Tratando-se de ar aquecido, causa alterações no filme lacrimal, que tem como funções a proteção do olho, a lubrificação e a hidratação da córnea. O uso das máscaras prejudica essas importantes funções, explica o diretor das Clínicas Leite.

O fenómeno é ainda mais evidente nas pessoas que usam óculos devido ao embaciamento das lentes, embora haja formas de o evitar com produtos desembaciantes. O risco é acrescido para os utilizadores de lentes de contacto, que apresentam maior propensão para secura ocular.

Rufino Silva sublinha que “a maior parte das pessoas usa a máscara sem qualquer problema ou sintoma”. Mas para quem já sofria de patologia de olho seco, o uso da máscara pode agravar a situação. Nos pacientes com olho seco subclínico, ou seja, sem sintomas, a máscara pode espoletar as queixas. Segundo Eugénio Leite, a maioria das pessoas que chegam à consulta já apresentavam síndrome de olho seco, ainda que com poucos e espaçados sintomas, e notaram um agravamento da situação.

Os sintomas das patologias mais frequentes associadas ao uso prolongado da máscara são sensação de corpo estranho, fotofobia, desconforto e lacrimejo. “É a sensação de sentirmos o olho, quando não é suposto sentirmos”, simplifica o professor da Universidade da Beira Interior.

Glória Barros identifica alguns dos sintomas, mas relata que o maior incómodo é saber que não pode ter contacto entre mãos e olhos, pois, com olho seco e prurido, “inconscientemente, a vontade é ir com a mão esfregar”. “O desconforto mantém-se mesmo quando já não estou com a máscara”, desabafa a enfermeira.

Adesivos, colírios e regra dos 20-20-20

Há algumas estratégias para minorar o impacto negativo da máscara. Rufino Silva refere que a principal é o correto uso deste equipamento, bem ajustado ao nariz. O recurso a adesivos, para uma maior aderência à pele e evitar a passagem do ar, também pode ajudar, assim como a administração de um colírio lubrificante.

O grupo dos trabalhadores que utilizam diariamente e de forma prolongada ecrãs são os de maior risco, segundo o oftalmologista, pois já têm propensão para os sintomas apresentados mesmo sem o uso das máscaras. Devem, por isso, cumprir as medidas de higiene no trabalho pré-pandemia, nomeadamente a norma 20-20-20, que indica que, de 20 em 20 minutos, é necessário olhar durante 20 segundos para o horizonte, de forma a evitar a fadiga ocular.

O uso crescente de ecrãs e os ambientes aquecidos em que, por norma, nos movimentamos, são o suficiente para causar olho seco, de acordo com Eugénio Leite explica. O uso da máscara e a alteração de hábitos durante a pandemia, como o aumento de tempo em frente a dispositivos eletrónicos, só veio agravar a situação.

Se os sintomas persistirem, o ideal, aconselha o presidente da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia, é procurar ajuda profissional. Foi exatamente o que decidiu fazer Glória Barros, que após prolongado desconforto ocular, decidiu visitar um optometrista, que recomendou o uso de gotas. Prática que, até agora, tem solucionado o problema.

Rufino Silva sublinha, ainda, a importância de não descurar os óculos. “Começam a aparecer acidentes associados ao fenómeno de retirar os óculos por causa do embaciamento”, denuncia o oftalmologista, que alerta para a gravidade da situação. “O importante é colocar bem a máscara e evitar o embaciamento, pois retirar os óculos quando são necessários pode ser perigoso e prejudicar a visão a longo prazo.”

Apesar de as patologias e sintomas associados ao uso da máscara, o médico frisa que não são conhecidos problemas a longo prazo. “Os benefícios da máscara ultrapassam qualquer problema que ela possa causar a nível ocular ou outro. O importante é usar a máscara e usá-la de forma correta.”