O projeto do IPO que avalia os resultados de medicamentos inovadores

No gabinete de qualidade de vida do IPO do Porto, Maria Emília Carvalho responde a questões que muitas vezes escapam das consultas. Com a informação, o médico adapta a terapêutica

Projeto pioneiro do IPO do Porto avalia bem-estar dos pacientes que estão a usar medicamentos inovadores. Em 2020, foram aprovados 20 novos fármacos para o cancro.

No ano passado, o Infarmed aprovou 20 novos medicamentos oncológicos para várias indicações, com destaque para o melanoma, cancro da mama, do pulmão, mieloma múltiplo e leucemias. São inovações que renovam a esperança de milhares de doentes e que aumentam a quantidade e a qualidade de vida de quem está a lutar contra o cancro. Além dos dias que acrescentam à linha da sobrevida, os novos fármacos (não apenas para o cancro) são, nos dias que correm, avaliados e escolhidos pelo bem-estar que proporcionam.

Foi com esta perspetiva que nasceu um projeto inovador no Instituto Português de Oncologia (IPO) do Porto que avalia a qualidade de vida dos doentes em tratamento para, mediante os resultados, ajustar as terapêuticas e melhorar o dia a dia dos pacientes. É uma iniciativa pioneira que, nesta fase, se destina apenas a quem toma fármacos inovadores, mas será para alargar a todos os doentes e a todas as fases de seguimento.

É no “Gabinete de qualidade de vida”, um espaço acolhedor dentro do IPO do Porto, que os doentes respondem, com o apoio de um profissional de saúde, a um conjunto de questões que frequentemente escapam das consultas. Sinais e sintomas relacionados com a doença e o tratamento, dificuldades em determinadas tarefas diárias, problemas em casa, vergonha do próprio corpo e até instabilidade financeira. Os resultados dos inquéritos são depois partilhados em tempo real com o médico que, com a informação, pode introduzir melhorias no plano terapêutico. A funcionar desde 26 de outubro do ano passado, o gabinete recebeu, até ao final da semana passada, 966 doentes dos 1 387 agendamentos realizados. Quando abriu, arrancou apenas para as clínicas da Mama e de Onco-Hematologia, mas em janeiro passado foi alargado à Clínica do Pulmão.

“Muitas vezes, estamos demasiado focados em perceber se a lesão aumentou ou diminuiu com a terapêutica”, admite Marta Soares, diretora clínica do IPO do Porto. A médica reconhece que há questões que fogem do âmbito das consultas, por razões várias, e que a informação do gabinete será importante para ajudar o clínico e o doente.

“Se estamos a dar um tratamento que está a fazer regredir a doença, mas está a tirar muita qualidade de vida ao doente, então, esse tratamento pode ser eficaz, mas não é o ideal”, explica a diretora clínica.

Questionário entra em pormenores que escapam das consultas

Maria Emília Carvalho, natural de S. João de Tarouca, em Lamego, desloca-se todos os meses ao IPO do Porto para fazer exames e dar continuidade ao tratamento. Foi operada a um cancro da mama há cinco anos e está a enfrentar uma recidiva. Entra pouco à vontade, ainda sem perceber o que a espera naquele espaço renovado, a meio caminho entre a zona das análises e das consultas, e com um nome diferente à porta: “Gabinete de qualidade de vida”. Lá dentro, num ambiente calmo e bem iluminado, os doentes exteriorizam o que “não sai” diante do médico. Seja por vergonha, por falta de tempo ou por estarem mais focados em conhecer os resultados dos exames e o que o futuro lhes reserva.

“Sentiu-se limitada nas suas tarefas diárias? Não, pouco, bastante ou muito?” A enfermeira Armanda Nogueira ajuda a ler as perguntas, enquanto Maria Emília, 63 anos, encosta o dedo no tablet para assinalar as respostas. “Teve dificuldade em concentrar-se? Tem problemas de ordem financeira devido aos tratamentos?” Em 15 minutos, o questionário está preenchido e Maria Emília segue para a consulta com a “doutora” que a acompanha há cinco anos.

Quando tudo estiver operacional, as respostas de Maria Emília serão imediatamente encaminhadas para a médica que avaliará a possibilidade de ajustar os tratamentos para melhorar a qualidade de vida da utente. Até a assistente social do hospital pode vir a ser acionada, uma vez que o dedo de Maria Emília apontou para “muitas” dificuldades financeiras.

Sozinhos ou com a ajuda da enfermeira, os doentes respondem a perguntas, umas mais genéricas e transversais a todos, outras mais incómodas e íntimas, adaptadas às diferentes patologias. São poucos minutos, mas o suficiente para refletirem sobre as dificuldades dos últimos dias e darem pistas aos médicos que, com mais informação, podem ajudar o doente a viver melhor. Maria Emília sai satisfeita e com a sensação de que, outrora, já respondeu a um questionário semelhante, mas em papel. “É verdade”, responde Armanda Nogueira. O projeto começou de forma experimental há cerca de dez anos para alguns doentes, mas agora vai ser para todos e num formato digital.

Numa analogia simples, o IPO do Porto está fazer com o doente “normal” o que já se faz há muitos anos nos ensaios clínicos, compara Marta Soares. Nestes testes, a avaliação da qualidade de vida do doente é fundamental para apurar o benefício do fármaco face a outros já disponíveis. O sistema ainda não está totalmente informatizado, mas é expectável que “brevemente” os médicos recebam os resultados dos questionários na consulta minutos depois de o doente sair do gabinete de qualidade de vida.

Olhar o cancro com esperança

Porque ter cancro não significa estar condenado, o “Jornal de Notícias” organiza, com a Unilabs e a Ordem dos Farmacêuticos, na próxima quarta-feira, o webinar “Cancro com Esperança”.

Os novos fármacos, o que já se faz e o que está para chegar, os passos da ciência, a medicina personalizada no combate ao cancro são alguns dos temas que os convidados vão abordar.

Com transmissão em direto no site do “Jornal de Notícias” (www.jn.pt), o seminário online começa às 14.30 horas, com intervenções da diretora do JN, Inês Cardoso, de Maia Gonçalves, diretor médico da Unilabs, e de Franklin Marques, presidente da Secção Regional do Norte da Ordem dos Farmacêuticos. Vítor Veloso, presidente do Núcleo Regional do Norte da Liga Portuguesa Contra o Cancro, Marine Antunes, presidente da Associação Humor Relevante, Nuno Santos, investigador no I3S, e Paula Soares, investigadora no IPATIMUP, também são convidados a olhar o “Cancro com Esperança”. A sessão será moderada por Paulo Ferreira.