Valter Hugo Mãe

O presidente

Foto: Pedro Granadeiro/Global Imagens

Rubrica "Cidadania Impura", de Valter Hugo Mãe.

A verdade é que reeleger expressivamente Marcelo Rebelo de Sousa provará que o país está do lado da paz que se estabeleceu entre este e Costa.

O consenso gerado em torno de Marcelo Rebelo de Sousa também significa que o exercício de António Costa está a ser valorizado pelos eleitores. Marcelo conseguiu representar a Direita numa admirável lealdade a um governo de Esquerda. Claro que isto acontece porque o PS é tantas vezes uma Esquerda sobretudo retórica mas, ainda assim, bastante distinta das ideologias que se extremam dentro do PSD e muito mais para lá do PSD. A verdade é que reeleger expressivamente Marcelo Rebelo de Sousa provará que o país está do lado da paz que se estabeleceu entre este e Costa. O país reconhece a importância de se manter essa paz inédita entre figuras de filiações partidárias opostas.

No início do mandato de Marcelo escrevi que tive a impressão de haverem ganho todos os eleitores, aqueles que o escolheram e aqueles que não o escolheram. Todas as eleições deveriam ter esse resultado, sentirmos que a população inteira está convidada àquela vitória, que ninguém vai ser preterido ou afastado do plano de acção que os eleitos haverão de estabelecer. Foram inúmeros os exemplos que o presidente deu de defesa lúcida do que interessa ao país, sem sucumbir ao podre partidário, sem boicote ao que nos importa a todos: a defesa da Constituição e o brio no funcionamento das instituições.

Há, contudo, um aspecto que me desgosta profundamente nas opções de Marcelo e que se notou com a sua presença na miserável tomada de posse do nazi que elegeram no Brasil. Marcelo, frustrantemente, tolera a ansiedade fascista. Explicando que não poderia faltar por estar de férias naquele país à ocasião, representou os portugueses numa cerimónia que entregou o destino brasileiro a um psicopata que afirmou orgulhosamente, e em jeito de homenagem, que o seu livro de cabeceira era o de um inequívoco torturador, uma das figuras mais grotescas da história do Brasil. A tolerância de Marcelo para com isto é-me incompreensível. Sobretudo porque ela resulta no aparecimento em Portugal de um partido que ofende a Constituição e propõe agora para Belém outro torpe que diz que a ser eleito não será o presidente de todos os portugueses. Aqui, estou com Ana Gomes e com Marisa Matias, que exigem simplesmente que um presidente da República faça o que lhe compete: imponha a Constituição.

Um presidente é, por definição, um representante de todos. Torna-se insuportável assistir em Portugal à escalada de convicções violentas. E mais insuportável é que Marcelo assobie para o lado. Quando, num debate, frontalmente declara que a sua Direita não é aquela da exclusão e do ódio, então já está a assumir que enquanto presidente errou. É sua obrigação impedir que um projecto político seja de exclusão e de ódio. A Constituição manda. Ele só teria de solicitar a fiscalização para que o tribunal competente se pronuncie. Ao menos isso. Por me parecer que nesta tolerância nasce o maior problema político dos tempos que aí vêm, considero que o voto numa figura bem mais cumpridora da Constituição se torna agora absolutamente essencial.

(O autor escreve de acordo com a anterior ortografia)