Do Minho a Trás-os-Montes e às Beiras, os territórios de baixa densidade preparam-se para ter outro verão de elevada procura por parte de portugueses e de estrangeiros. O êxodo veraneante para o interior está a transformar a economia e o edificado das zonas rurais, cada vez mais atrativas para quem quer investir.
Os territórios de baixa densidade do interior estão a ser cada vez mais procurados por turistas nacionais oriundos das grandes cidades, atraídos pelo sossego dos locais isolados e a segurança sanitária em comunhão com a Natureza. O fenómeno que essencialmente nasceu com a pandemia fez disparar a ocupação dos hotéis, estâncias e aldeamentos, mas ao mesmo tempo deu a conhecer locais que são apetecíveis para o início de um negócio ou para a reabilitação de casas de férias. O investimento no interior bateu todos os recordes em 2020 e não vai ficar por aqui.
“Quem cresceu muito com a pandemia foram os territórios de baixa densidade, nomeadamente no Norte e Centro”, aponta Luís Pedro Martins, presidente do Turismo Porto e Norte de Portugal. Em 2020, ano horribilis para o turismo no cômputo nacional, a região do Porto e Norte foi a que mais hóspedes recebeu em Portugal, quase 2,5 milhões, segundo os números revelados, na semana passada, pelo Instituto Nacional de Estatística. Lisboa (2,4 milhões) e Algarve (2 milhões) ficaram em segundo e terceiro lugar, com o Centro (1,9 milhões) a ganhar terreno, mas ainda no quarto posto.
Foi a primeira vez que o Norte ficou à frente, graças a subdestinos como Minho, Trás-os-Montes e Douro, com resultados menos promissores no Porto “devido à falta de turistas internacionais”, justifica Luís Pedro Martins. O responsável indica que esta alteração de paradigma que passou a ocupar as zonas de baixa densidade foi motivada pelos turistas portugueses oriundos de grandes cidades como Lisboa e Porto, e este ano a perspetiva mantém-se: “Estimamos manter a tendência de forte presença de turistas nacionais, mas agora com o reforço de mercados de proximidade, nomeadamente o espanhol e o francês”.
A pandemia que surgiu em março do ano passado e fechou os alojamentos até ao final de maio “foi uma aceleradora de tendências”, caracteriza Pedro Machado, do Turismo Centro de Portugal. À procura de locais seguros em comunhão com a Natureza, no rio ou na montanha, mas sempre longe das grandes multidões, muitos portugueses descobriram um paraíso desconhecido onde este ano querem voltar. “As duas grandes premissas, segurança e saúde, redefiniram muito aquilo que foi a preferência dos viajantes para destinos com ar livre, espaço físico, contacto com a Natureza, alojamentos mais horizontais do que verticais, grupos mais pequenos e capacidade de reunir famílias em segurança”, caracteriza Pedro Machado.
Quando perceberam que os territórios do interior podiam ser os principais beneficiados com a pandemia, as entidades de turismo do Norte e Centro apostaram em estratégias de divulgação qualificadas. A Norte, os recantos secretos do Gerês ou o refinado enoturismo do Douro foram promovidos em conjunto com rotas tão diversas que vão do termalismo de bem-estar à exploração do azeite, passando pelo já conhecido românico, através de vídeos vencedores de prémios internacionais.
No Centro, as 27 localidades abrangidas pela rede de aldeias de xisto, os 12 municípios que integram a rede de aldeias históricas ou os três concelhos que ligam a grande rota do Bussaco saem diretamente beneficiados com o crescimento exponencial que estes destinos e atividades turísticas têm registado desde julho do ano passado. Viseu foi mesmo a região preferida dos portugueses na plataforma Airbnb em julho e agosto de 2020, com um crescimento de receitas de 248%, relegando os destinos de Sol e praia para lugares secundários em pleno verão. “O mês de agosto de 2020 foi melhor, em termos de rendimento e valor recebido das dormidas e hóspedes, do que foi o agosto de 2019, que era o melhor de sempre”, revela o presidente do Turismo Centro de Portugal. Isto, numa região onde predominam e despontam pequenos hotéis e estâncias (o maior é o Vila Galé, de 229 quartos, em Coimbra).
Interior como oportunidade de negócio
O aumento exponencial da procura turística deu origem a outro fenómeno: o dos casais das grandes cidades que querem mudar de vida e abrir um negócio nas regiões do interior. Para Sara Duarte Correia, presidente da Associação Portuguesa de Turismo em Espaços Rurais e Naturais (APTERN), esta tendência “é evidente” e tem-se refletido “no aumento dos preços nos territórios rurais”.
São sobretudo “casais de Lisboa e Porto que tentam estabelecer-se” e mudar da cidade para a aldeia, que já acalentavam o sonho mas ainda não tinham tido a oportunidade. A APTERN recebe cada vez mais pedidos de ajuda de cidadãos citadinos que querem alcançar este objetivo. “As pessoas procuram tudo, não há conhecimento nenhum. Muitas vezes, não sabem o que é que querem.”
A motivação inicial, esclarece Sara Duarte Correia, é sempre “a vontade de mudar de vida para uma vida mais descansada, sem a velocidade da cidade”. Ela própria vai mudar, seduzida pelo charme que os novos territórios turísticos apresentam, numa cirúrgica altura em que o Plano de Recuperação e Resiliência e o quadro comunitário 2030 terão fundos para o incremento da coesão territorial.
No entanto, nem tudo é fácil para quem quer abrir um negócio, pois “há muito trabalho entre a ideia e a concretização”, adverte a dirigente associativa, nomeadamente a nível legal, de financiamento e de criação do projeto. Não basta ter o sonho, é preciso a intenção real de concretização, de preferência com projeto de arquitetura na mão, caso contrário “não vem dinheiro para nada”, aconselha.
Quem já concretizou essa mudança de vida é o casal Gabriela Fernandes e Rui Fernandes, diretores do Countryside Colmeal Hotel, uma unidade de charme com 17 quartos e único empreendimento ao longo de 750 hectares de montanha em Figueira de Castelo Rodrigo. É o equivalente a nove parques da cidade do Porto (ou nove parques da Bela Vista em Lisboa), só de Natureza e paz.
Há menos de dois anos, Rui e Gabriela deixaram o Porto para abrir o espaço que tem como lema “Terra do Silêncio”. Ele abandonou a atividade imobiliária, ela deixou todos os clientes que angariou ao longo de vários anos na área de auditorias e certificação de empresas. “Inicialmente, não me agradou nada ter que deixar uma atividade que eu já tinha bem consolidada, mas acabei por aceitar o desafio e, quando conhecemos, ficamos fascinados.”
Nessa altura, não imaginava que dali a nove meses uma pandemia ia virar o Mundo do avesso e os ia obrigar a fechar temporariamente o espaço, à beira da primeira grande época de verão. No entanto, as enchentes registadas na reabertura foram os frutos que plantaram ao longo do confinamento, em que trabalharam na promoção de um espaço de calma, rodeado de verde, numa montanha com vista a 360 graus, no encadeamento da aldeia histórica de Castelo Rodrigo.
“É isso que o turista procura, a calma e o silêncio”, resume a diretora do Colmeal. Os novos viajantes querem a liberdade de estar num local sem se sentirem completamente assoberbados pela presença de outras pessoas, ou andar na rua sem a preocupação do distanciamento. Ambicionam tirar a máscara em segurança e sentir o cheiro a verde, a brisa a enregelar o rosto, a beleza do que os rodeia. “Uma paisagem original, onde as pessoas sentem que estão num local diferente, sem ruído visual ou auditivo, altamente apaziguador”, completa Gabriela Fernandes.
Os destinos do interior que mais estão a beneficiar com a crescente procura têm estas características em comum. A diversidade das atividades e rotas, ou a classificação do vinho geralmente excelente com a gastronomia típica a acompanhar são como cerejas no topo de um bolo que cada vez mais portugueses querem degustar.
O impacto na captação de investimento traduziu-se noutro recorde de 2020, ano em que o Plano de Valorização do Interior atingiu os 3,2 mil milhões de euros captados, quase cinco vezes mais que os cerca de 600 milhões que os três anos anteriores tinham, em média, representado, de acordo com dados do Ministério da Coesão Territorial. O apoio à recuperação de imóveis devolutos para fins turísticos está entre as ajudas que conquistaram as maiores fatias.
As câmaras municipais e juntas de freguesia também desempenham aqui um papel importante. Enquanto as movimentadas cidades costeiras cobram taxas turísticas por dormidas, há zonas de baixa densidade que oferecem parte do dinheiro gasto a partir da segunda pernoita seguida. Há ainda as que lhe juntam campanhas publicitárias que recorrem a figuras públicas e influenciadores para promoverem roteiros do interior, a pé, de bicicleta, de jipe ou de autocaravana, entre serras e montanhas, rios e ribeiras, em cenários paradisíacos atrativos para qualquer família.
Os empresários sabem que a experiência vivida por cada turista é a imagem que ele leva para casa, e muitos alojamentos aproveitaram para fazer jus à hospitalidade dos territórios bucólicos para conseguirem renovações para 2021. “Cerca de 30% das pessoas ou já cá estiveram ou vêm por referência de pessoas que conhecem”, afirma Gabriela Fernandes, do Colmeal.
No que toca à promoção do espaço, como se a envolvência não fosse já suficiente, Gabriela esgrime a circunstância de ter sido ali a casa dos pais de Pedro Álvares Cabral. “A mãe de Pedro Álvares Cabral recebeu do seu pai, ainda em solteira, a quinta do Colmeal”, atesta Gabriela Fernandes e o brasão dos Cabrais, que se presume ter sido do bisavô do navegador português.
Mais estrangeiros este ano
Os visitantes daquele espaço em 2020 foram sobretudo portuenses e lisboetas, cada vez mais através das agências de viagens que Gabriela classifica como “as melhores amigas”. É que os estrangeiros do ano passado contam-se pelos dedos de uma mão, mas este ano é diferente: “Estamos a ter uma procura maior de estrangeiros, já se misturam as reservas nacionais com as de turistas estrangeiros que vão viajando. Temos ingleses, franceses, belgas e alemães”. A estes somam-se vários casamentos agendados em que se reunirão famílias que residem longe ou até de emigrantes.
Na Beira Baixa, onde o turismo de Natureza é exibido como um dos principais argumentos, Fernando Almeida também nota “uma realidade diferente da do ano passado”. É dono da belíssima mansão familiar de Proença-a-Nova, denominada de Hotel das Amoras, rodeada por 130 quilómetros de trilhos naturais. Embora o dono constate que tem muitas reservas de pessoas que vão repetir a experiência, o maior volume de ocupação apenas está previsto “para o final deste mês e todo o agosto”. Antevê que muitas reservas deste ano apenas vão ser feitas em cima do momento das férias por causa das dúvidas quanto à evolução da pandemia e sobretudo porque “todas estas incertezas confundem as pessoas que querem ir de férias mas não querem estar preocupadas para saber se podem ou não sair dos concelhos”.
A crescente demanda pela Beira Baixa não é, contudo, discutível. Ali o fenómeno existe e deu origem “a uma grande procura para reabilitar”, proveniente de pessoas que herdaram terrenos e outras que investiram para ter uma casa de férias ou para dedicar a alojamento turístico. “Temos aqui os empreiteiros, que são pequenos, todos carregados de trabalho porque, de facto, apareceu muita gente a procurar aqui o interior”, exemplifica o empresário.
Com a entrada no verão, as reservas não são a única preocupação de Fernando Almeida. Os incêndios florestais, ainda mais quando aumenta a população do interior, continuam a ser uma ameaça que não se pode descurar: “No ano passado, houve aqui dois incêndios grandes, felizmente, não afetou o nosso negócio, mas é sempre uma espada que temos em cima da cabeça”. A pensar nisso, o Turismo de Portugal lançou recentemente um manual de boas práticas, destinado a empresários do setor, que visa reforçar a política preventiva de fogos florestais.
Reservas de última hora
A Norte, no único e cinquentenário parque nacional, o Peneda-Gerês, Vítor Barbosa gere o Pousadella Village a partir da parte mais alta da serra da cabreira, onde nasce o rio Ave. Os 11 alojamentos do Pousadella registaram uma lotação que variou entre 95% e 100% nos meses de julho a setembro do ano passado. “Quando houve o alívio das restrições, registou-se uma enchente que foi um pandemónio, não havia uma única casa que resistisse, não havia uma única vaga. Foi abismal, nem parecia que estava no Gerês.” Ali, no Pousadella, o visitante tem mont anha, dois rios, spa com sauna, jacuzzi, banho turco, salas de massagens, piscina panorâmica com vista para a serra do Gerês e para o rio Cávado, bem como piscina interior aquecida.
Apesar da multiplicidade de valências, e do inesquecível ano de 2020, Vítor Barbosa ainda está à espera do grande número de reservas deste ano. Até ao início de julho, ainda não tinha havido muitos dias de calor e esse é um fator fundamental em regiões mais frescas e húmidas como Vieira do Minho. “Os últimos dias de calor já começaram a preencher melhor”, afirma o empresário, certo de que os turistas vão aparecer de repente: “De um momento para o outro, dá-se o clique e muda tudo”.
Vítor Barbosa gere o espaço desde julho de 2018 e nunca parou com o investimento. O próximo passo é criar nove quartos dentro de uma rocha, um ginásio, outra piscina aquecida e mais 20 quartos. “O projeto já está licenciado, que teve de ser considerado de interesse nacional para se conseguir a desafetação.” Antes, lançou uma aplicação com 18 trilhos de fauna, flora, geologia, do lobo, dos garranos, feita por especialistas durante dois anos, de variados graus de dificuldade e com informação sobre os locais e objetos que se encontram ao longo do percurso. “O sucesso destes destinos tem duas palavras-chave, que são a qualidade e a inovação”, desvenda.
Também é através destas premissas que Luís Pedro Martins, do Turismo Porto e Norte de Portugal, espera manter a tendência dourada do setor turístico nos territórios de baixa densidade. O grande objetivo “é não voltarmos aos números do passado no que diz respeito à distribuição de turistas pela região”, daí que estejam a ser preparados novos produtos turísticos que fixem visitantes.
Pedro Machado, do Turismo Centro de Portugal, acrescenta-lhe o fator da satisfação dos residentes. Afinal, são eles que recebem os turistas e considera “fundamental” manter um equilíbrio entre a oferta e a procura que não deturpe o destino. “O pequeno comércio, o restaurante, o tasquinho, o minimercado, todos têm que sentir que há valor acrescentado e uma vantagem económica pelo facto de receberem turistas”, ilustra.
Afinal, todos querem que a crescente procura seja mais do que uma tendência motivada por uma pandemia que pôs um travão a fundo nas viagens internacionais. Lutam para que seja o início de uma nova era, duradoura e próspera, de um território que parecia esquecido pela população urbana que agora se apaixonou por ele.