O elevado risco de descompensação dos doentes renais

Mais de 20 mil portugueses sofrem de Doença Renal Crónica em fase avançada, necessitando de algum tipo de tratamento de diálise

A insuficiência renal manifesta-se quando os rins não conseguem filtrar os resíduos do sangue. Há doentes a adiar consultas por medo de sair de casa. O panorama não é animador. É preciso ter noção da evolução da doença e das suas complicações.

Consultas desmarcadas, receio de infeção por covid-19, medo de sair de casa, doentes renais em piores condições. A somar a tudo isto há ainda diagnósticos em atraso, rastreios por realizar, decréscimo da referenciação por parte das unidades de medicina geral e familiar. O cenário não é bom. Há doentes renais crónicos sem tratamento.

Os últimos dados da Sociedade Portuguesa de Nefrologia dão conta que, nas últimas semanas, o número de doentes em hemodiálise infetados multiplicou-se por cinco e por sete o número de doentes que morreram.

Atrasos, listas de espera que aumentam, doentes que só têm uma resposta em estados avançados que resultam em tratamentos mais invasivos, mais dias de internamento, períodos mais longos de recuperação. Teresa Chuva, nefrologista do IPO do Porto, alerta para estas situações e põe o dedo no problema. “Os doentes renais não podem adiar o acompanhamento da doença por medo”, alerta.

A insuficiência renal é uma doença silenciosa, muitas vezes, a perceção da sua evolução acontece em fases muito tardias

“Com o agravamento e o prolongar da pandemia devido à covid-19, muitos doentes renais crónicos acabam por adiar as consultas médicas por medo de sair de casa. Trata-se de uma doença que já é suficientemente exigente por si só e cujo peso, em tempo de pandemia, se acentua, uma vez que estes doentes são mais suscetíveis a complicações graves caso fiquem infetados”, sublinha.

Adiar o acompanhamento e tratamento provoca consequências desnecessárias, mais idas às urgências hospitalares em estado muito mais crítico do que seria necessário ou até mesmo em risco de vida. Além disso, acrescenta a especialista, “cria-se uma autêntica bola de neve para o sistema de saúde, que, atualmente, já está sobrecarregado e se vê entupido com situações evitáveis, comprometendo, ainda mais, a capacidade de resposta a todos os doentes, covid e não covid.”

Teresa Chuva, nefrologista

Há doentes que podiam ser acompanhados longe dos serviços de urgência, se o receio de sair de casa não os impedisse de manter o seu acompanhamento médico regular. Mesmo com o esforço dos hospitais para garantir o funcionamento normal das consultas externas, muitos pacientes não saem de casa por receio. “Tem-se implementado, nas situações em que isto é exequível, o regime de teleconsulta, mas se os doentes tiverem receio de sair de casa, pelo menos para realizar análises, o acompanhamento médico fica seriamente limitado, atendendo às características particulares e insidiosas da doença”, avisa Teresa Chuva.

“Os doentes crónicos têm um elevado risco de descompensação quando não mantêm as consultas de rotina”
Teresa Chuva
Nefrologista

Mais de 20 mil portugueses sofrem de doença renal crónica. A insuficiência renal revela-se por uma diminuição habitualmente lenta e progressiva da capacidade de os rins filtrarem resíduos do sangue. É uma doença silenciosa, por isso, a perceção da sua evolução, muitas vezes, dá-se em fases muito tardias.

Teresa Chuva fala num cenário de crise. “Por um lado, os doentes crónicos têm um elevado risco de descompensação quando não mantêm as consultas de rotina. Por outro lado, nesses cenários de descompensação, em que existe necessidade de cuidados urgentes, os doentes deixam-se estar em casa até fases muito tardias, chegando ao hospital, por vezes, em estados muito graves, que já não era habitual encontrar e que, frequentemente, poderiam ter sido facilmente resolvidos se a ajuda tivesse sido procurada mais cedo.”

Há ainda o problema de diagnóstico precoce, decorrente da dificuldade no acesso aos cuidados de saúde primários no último ano. Há um atraso generalizado na identificação e referenciação de novos doentes. Para a nefrologista do IPO do Porto, é necessário acompanhar esta e outras patologias, realizar diagnósticos e tratamentos o mais cedo possível, para evitar o agravamento da doença e sobrecarga do sistema de saúde.

Adiar consultas indefinidamente não é solução. Adiar uma consulta um mês não é a mesma coisa do que adiar um ano. Por tudo isso, sublinha, “é importante que os doentes compreendam que os hospitais têm áreas bem delimitadas para doentes covid e não covid e que são levadas a cabo múltiplas medidas de precaução para que os doentes possam ser acompanhados em segurança, nas suas consultas de rotina.”