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Nuno Fachada: o irmão gémeo do SNS

Fotos: Ilustração: Mafalda Neves

Nuno Fachada é o diretor clínico demissionário do Centro Hospitalar de Setúbal

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Num grito de revolta de quem recusou ser cúmplice da “decadência total”, um médico ortopedista pôs o Centro Hospitalar de Setúbal nas bocas do país. Consensual na humanidade e na defesa dos doentes. Todos lhe aplaudem a coragem.

Ano primeiro do Serviço Nacional de Saúde: 1979. A data está cravada na alma de quem se diz, não por acaso, “irmão gémeo do SNS”. O médico ortopedista começava a trabalhar no mesmo ano em que Portugal via nascer o SNS. O mesmo que agora Nuno Fachada reclama estar moribundo. O mesmo que o diretor clínico demissionário do Centro Hospitalar de Setúbal (CHS) viu crescer, sobretudo quando, com quatro colegas, montou um pequeno hospital concelhio, de mãos dadas à Misericórdia, em Montargil. Diz ele que lhe testemunhou, ao SNS, “a curva ascendente e a curva descendente”.

Com um grito de revolta, cinco anos após assumir a direção do CHS, demitiu-se e, com ele, 87 dos 90 coordenadores de serviços, para tentar travar a “decadência total”. “Esta gente é toda minha, são colegas que conheço há quase 40 anos.” Agarra a responsabilidade. O grito também foi de sufoco, em serviços em rutura, sem médicos nem condições para acudir ao povo. “É um excelente ortopedista e uma pessoa de coragem que preferiu apelar ao investimento em vez de tapar o sol com a peneira e ir para o privado.” As palavras de Roque da Cunha, líder do Sindicato Independente dos Médicos, parecem ecoar. José Pinto de Almeida, diretor do serviço de Ginecologia e Obstetrícia no CHS, que se demitiu já em agosto, não diz diferente. “Posso testemunhar o bom trato com que sempre me recebeu, sempre atento aos problemas que lhe levava.” Nunca lhe viu um dedo apontado como médico, mesmo quando Fachada acumulou a direção às cirurgias.

Da sinceridade, uma nota, “haver um diretor clínico, um cargo nomeado, que não esquece que é médico e que a sua função é defender os diretores de serviço e a população, é muito importante”. Admira-lhe a não conivência. Sabe quem o conhece desde catraio. “É um indivíduo humano, não gosta de conflitos, e para travar esta luta é preciso ter chegado a um extremo.” É Júlio Gomes, que cresceu com o médico na aldeia de Coina, Barreiro, quem o diz. Do vizinho só lhe critica “ser acessível de mais e isso vê-se com os doentes”. Uma história. “Quando vem à aldeia, chamam-lhe doutor e ele pede para ser chamado de Nuno.”

Curioso, o também amigo de infância Francisco Moleiro, ou Chico, imaginava-o mais a ser médico de animais. “A nossa vida em miúdos era andar de volta dos peixinhos na ribeira. E ele era capaz de passar horas a ver um ninho de formigas.” De família abastada, o médico segura as amizades da aldeia que o viu nascer. Nunca foi para longe. Hoje, mora em Sesimbra. “Aí, no verão, ele roubava sempre as namoradas à gente”, brinca Chico. Fachada esteve ao lado dele nos três AVC que já conta. “Mais do que bom médico, é humano. E, em certa medida, um contestatário.” Já depois do 25 de Abril se erguia para questionar os partidos em comícios que corriam as terras. “Ele estava à frente na forma de pensar.” Não é de estranhar que sonhasse ser presidente da República.

O caminho fez-se na ortopedia, amante da área cirúrgica, de reconstrução. E de bonsais, tem centenas no jardim de casa, resquícios do pai, que teve um viveiro de plantas. Ainda foi clínico geral em Barrancos antes de aterrar, em 1983, no Hospital Ortopédico Sant’Iago do Outão, do CHS, fortaleza junto ao mar na Serra da Arrábida. Para nunca mais sair. É mestre em gestão de serviços de saúde, ferramentas para assumir a direção clínica. Cinco filhos, nenhum lhe seguiu as pisadas. E uma marca para a vida. “Sofro de sequelas de paralisia infantil na perna esquerda. Apanhei a poliomielite aos três anos, antes de a vacina ter chegado a Portugal. Isso ajudou-me a encarar as coisas de frente.” Como diz Chico: “Ele só é coxo da perna. É interventivo.”

Nuno José Fernandes Pinto Fachada
Cargo:
diretor clínico demissionário do Centro Hospitalar de Setúbal
Nascimento: 22/07/1954 (67 anos)
Nacionalidade: Portuguesa (Barreiro)