Miocardiopatia de Takotsubo: diagnóstico de coração partido

Os especialistas em Medicina Interna são fundamentais na abordagem desta síndrome

Maria Adélia sofreu uma rutura amorosa e recorreu aos serviços de urgência. Carla vivenciou um episódio de stresse e dirigiu-se a uma clínica. Eventos com uma forte carga emocional que podem originar a miocardiopatia de Takotsubo.

Maria Adélia Ruivo desmaiou após sentir “uma dor muito forte no peito” a irradiar para o braço. Com o “coração a estrambelhar”, ficou nauseada, com vómitos. “Parecia que ia morrer”, recorda esta cozinheira de Vialonga que trabalha em agrupamentos escolares da região de Lisboa. Tinha então 46 anos. No hospital, perante o historial de “depressão, ansiedade e tentativa de suicídio”, os médicos mandaram-na “para casa”. Ficaram por fazer exames clínicos que poderiam confirmar a suspeita da sua psicóloga: miocardiopatia de Takotsubo. Uma hipótese baseada na sintomatologia descrita por Maria Adélia que coincide com alguns dos critérios considerados no diagnóstico desta doença com cerca de 75 designações, entre elas síndrome do coração partido e miocardiopatia de stresse.

O primeiro caso foi descrito em 1983, em Hiroshima (Japão), mas a formalização da patologia, pela mão de Hikaru Sato, data de 1990. A síndrome “afeta predominantemente mulheres na pós-menopausa, constituindo cerca de 90% dos casos observados”, é relativamente rara, embora a verdadeira dimensão permaneça desconhecida, e ocorre mais durante a manhã e no verão, segundo um artigo de Sofia Nóbrega, assistente de Medicina Interna no Hospital do Funchal, publicado na “Revista Portuguesa de Cardiologia”.

Maria Adélia tem hoje 59 anos e compara o seu coração a um “copo de cristal que se partiu e não ficou o mesmo depois de colado”, quando o casamento terminou abruptamente. “A pessoa em que mais confiava traiu-me.” Lembra o começo do namoro aos 14 anos, o enlace três anos depois e o nascimento dos três filhos. “Passámos muito para ter o que tínhamos. Numa altura em que poderíamos estar os dois sossegados, descobri que ele tinha outra mulher.”

Maria Adélia Ruivo teve fortes dores no peito e náuseas na sequência de um divórcio traumático
(Foto: Paulo Spranger/Global Imagens)

A rutura amorosa aparece descrita na literatura médica como um acontecimento capaz de originar a síndrome do coração partido. “O mecanismo ainda não é completamente conhecido, mas a libertação súbita de neurotransmissores adrenérgicos (adrenalina e noradrenalina) tem um papel fundamental na génese desta doença, que surge habitualmente após um fenómeno desencadeante emocional ou físico”, menciona Pedro Bico, assistente graduado de Cardiologia.

A mente comanda o físico, afirma Natacha Seixas, psicóloga clínica de Lisboa e autora do livro “Crescer comigo”. Dá como exemplo a perda de um ente querido ou de um grande amor para “o coração se partir em mil pedaços”. “É este acontecimento emocional, de desilusão ou de choque, que o cérebro transmite ao corpo, que depois reage de imediato”, indica a psicóloga, que já recebeu “muitas pessoas de coração ferido perante uma desilusão amorosa”, mas “só três ou quatro reuniam os critérios desta patologia”. Garante que “não são os tipos de relações que fazem desenvolver a síndrome do coração partido”, mas, sim, “os próprios investimentos, ilusões e personalidade de cada indivíduo perante o fim do relacionamento, bem como a forma como a rutura aconteceu”.

O nome “takotsubo” deve-se à morfologia do músculo cardíaco do ventrículo esquerdo, que fica semelhante à armadilha utilizada por japoneses na pesca do polvo com essa designação. Tal ocorre na fase aguda da doença, altura em que é possível fazer o diagnóstico – o que nem sempre acontece, mesmo nos serviços de urgência. “Basta rotularem como ansiedade e não excluírem com os exames cardíacos adequados”, explica Pedro Bico. A apresentação clínica é idêntica à do enfarte do miocárdio, difere pela inexistência de doença coronária e porque o músculo cardíaco recupera na totalidade.

Confunde-se com ataque de pânico

A dor no peito é apenas um entre muitos sinais de alerta de um ataque de pânico. Razão por que a miocardiopatia de Takotsubo pode ser confundida com esta perturbação psiquiátrica. Natacha Seixas alerta para o facto de a síndrome do coração partido ser “semelhante a um enfarte, mas diferente do ataque de pânico ou da ansiedade”. Todavia, “nos registos clínicos, 27% das pessoas que sofrem miocardiopatia de Takotsubo têm história de doença neurológica e 42% têm antecedentes de patologia psiquiátrica, com metade dos casos a sofrer depressão”, evidencia Pedro Bico.

Carla vive em Lisboa, tem 51 anos e há seis começou por sentir arrepios, de frio e de calor, e tonturas quando regressava do hospital, onde a mãe ficou internada com uma fratura na coluna na sequência de uma queda. “Em casa, parecia que ia desmaiar e tive dores no pulso esquerdo. Fui às urgências de uma clínica particular. O médico disse que foi um ataque de pânico e receitou um relaxante intramuscular”, conta a professora de Português do 3.º º Ciclo e Secundário, que prefere não indicar o nome completo.

Depois de jantar, ficou muito maldisposta, vomitou e sentiu “uma dor no braço esquerdo”. Não valorizou, pensou que eram mais sintomas do suposto ataque de pânico. “Fui deitar-me, coloquei uma botija de água quente no braço e adormeci. No dia seguinte, estava muito cansada e fui ao médico de família, que me encaminhou de imediato para um cardiologista”, relata Carla. “Fiz um ecocardiograma, uma ressonância magnética e um cateterismo, que não acusou obstrução.” O diagnóstico foi miocardiopatia de Takotsubo causada por stresse.

Os especialistas em Medicina Interna são fundamentais na abordagem desta síndrome, segundo Sofia Nóbrega. “Normalmente, têm o primeiro contacto com estes doentes, garantindo a adequada orientação e terapêutica, em estreita colaboração com os cardiologistas”, elucida a internista. Para diagnosticar, “é fundamental a realização de um eletrocardiograma e ecocardiograma transtorácico. De seguida, é feito um cateterismo e só depois o tratamento”, acrescenta Pedro Bico. Após o cateterismo, é possível “constatar que não há lesão obstrutiva ou rotura de placa aterosclerótica nas artérias coronárias e, desse modo, estabelecer o diagnóstico de miocardiopatia de Takotsubo e não de enfarte”, especifica Sofia Nóbrega.

Carla não voltou a ter nenhum episódio e ficou sem sequelas, como o comprovam os exames anuais e a consulta da especialidade. Maria Adélia recuperou ao nível físico, mas continua a ter acompanhamento psicológico devido ao “trauma que não consegue ultrapassar”. “Roubaram-me o meu sonho e não consigo aceitar a separação. Vou superando, com muita ajuda e persistência, na esperança de dias melhores.”

Saiba mais sobre esta doença

O cardiologista Pedro Bico sintetiza algumas das causas e sinais de alerta da síndrome do coração partido.

Causas
• Luto (morte de familiar, de um amigo ou de um animal de estimação)
• Pânico ou medo (assalto, acidente de viação)
• Problemas económicos (despedimento, dívidas, jogo)
• Fenómenos da Natureza (sismo, furacão)
• Festa surpresa de aniversário
• Ganhar um jackpot
• Dia do casamento
• Nascimento de um filho/neto
• Atividade física intensa (jardinagem ou prática desportiva)

Sintomas
• Dor opressiva no tórax
• Dificuldade respiratória após um stresse emocional ou físico
• Desmaio
• Edema agudo do pulmão (dificuldade respiratória extrema)
• Em situações raras, pode evoluir para paragem cardiorrespiratória, choque cardiogénico ou arritmias ventriculares malignas