Meningite, infeção viral ou bacteriana. Ideias certas, ideias erradas

Sonolência, falta de apetite, febre, náuseas, vómitos, dor nas pernas e irritabilidade são os primeiros sinais que fazem soar o alarme

O diagnóstico clínico é tanto mais difícil quanto mais nova é a criança. Numa fase inicial, os sintomas são semelhantes a uma gripe e a vacinação é o melhor remédio. O Dia Mundial da Meningite assinala-se hoje, 24 de abril.

Meningite é uma palavra que aterroriza qualquer mãe ou pai. Paulo Oom, diretor de Pediatria do Hospital Beatriz Ângelo, em Loures, sabe porque assim é. “A razão é simples: todos os pais sabem que é uma doença não muito frequente, mas que pode ser muito grave, capaz de matar uma criança ou deixá-la com lesões muito graves. Apesar de estar tão presente nas suas vidas, existem muitas dúvidas e mesmo algumas ideias erradas sobre muitos aspetos desta doença”, refere. Hoje, 24 de abril, é Dia Mundial da Meningite.

As meninges são três membranas que envolvem o cérebro e é no seu interior que os vasos sanguíneos caminham antes de chegar ao cérebro para que receba a energia necessária para funcionar. Meningite significa inflamação destas meninges que acontece quando um vírus ou uma bactéria chega até elas. Os agressores são de duas espécies: os vírus que provocam a meningite viral, as bactérias que provocam a meningite bacteriana.

Há duas bactérias responsáveis pela maioria dos casos de meningite bacteriana: o pneumococo e o meningococo. “O pneumococo é mais frequente nas crianças com menos de dois anos de idade, enquanto o meningococo provoca a maioria das meningites nas crianças mais velhas. O aparecimento de diversas vacinas contra estas bactérias, e a inclusão de algumas no programa nacional de vacinação, tem tornado a meningite bacteriana cada vez menos frequente”, adianta o pediatra.

A meningite é uma infeção muito grave que pode evoluir de sintomas inespecíficos até à morte em apenas 24 horas, apresentando uma taxa de mortalidade de 5 a 7%

Sonolência, falta de apetite, febre, náuseas, vómitos, dor nas pernas e irritabilidade são os primeiros sinais que fazem soar o alarme. Mais tarde, com a progressão da doença, surgem os sintomas mais típicos: manchas na pele, dor de cabeça, sensibilidade à luz e dificuldade em mexer o pescoço, a tal rigidez da nuca.

Numa fase inicial, nas primeiras quatro a oito horas, os sintomas podem ser muito semelhantes aos de uma gripe. Segundo Paulo Oom, o diagnóstico clínico de meningite é tanto mais difícil quanto mais nova é a criança. “Nas crianças mais velhas, os sintomas mais comuns são a febre e as dores de cabeça ou no pescoço. Muitas vezes, estão associadas a náuseas e vómitos. Algumas crianças queixam-se também de que não conseguem olhar para a luz, o que os médicos chamam de fotofobia. Mas, por vezes, a única coisa que os pais notam é que a criança está ‘estranha’, irritadiça, muito chorosa ou muito prostrada.”

É preciso bom senso, nem tudo é uma meningite, muitas manifestações nada têm de específico, há muitas causas para uma criança ter dores de cabeça, há mais doenças que provocam vómitos e infinitas causas de febre. “Alguns casos são mais óbvios. Uma criança de cinco anos que, de repente, começa com dores de cabeça, vómitos e grande prostração deve ser observada por um médico. Mas estas são as situações mais raras. Na maioria dos casos, existem apenas algumas manifestações e é o exame médico que pode determinar se a suspeita de meningite se mantém ou não. Nas crianças mais pequenas, abaixo dos dois anos, e principalmente abaixo dos 12 meses, as manifestações são ainda mais subtis.Pode apenas chorar porque tem dores, ter febre ou vomitar. Ou estar só mais sonolenta, recusar o alimento ou estar diferente do habitual.”

Nada de pânico. É preciso saber que todas estas manifestações são inespecíficas. O que interessa é a forma como as alterações ocorrem e, principalmente, a avaliação clínica. Após o exame médico, se a suspeita de meningite se confirmar, é realizada uma punção lombar, isto é, retirar um pouco do líquido que existe nas meninges. O que é feito com a ajuda de uma agulha introduzida nas costas entre as últimas vértebras.

A transmissão faz-se geralmente através das secreções respiratórias, pela tosse ou espirros

A meningite viral raramente dá origem a qualquer tipo de complicação. A exceção, segundo o pediatra, são os casos de meningite viral nos bebés recém-nascidos, com menos de um mês de vida, que podem ter complicações graves. “Com exceção deste caso particular, a meningite viral não leva a complicações e o habitual é a recuperação completa da criança em menos de sete dias.” A meningite bacteriana, pelo contrário, pode provocar lesões mais ou menos graves em mais de 30% das crianças. “As mais frequentes são perturbações da audição mas, nos casos mais graves, pode ocorrer uma epilepsia ou mesmo lesões cerebrais dispersas e graves com atraso mental.” “Estas complicações são mais frequentes quando a bactéria é o pneumococo. A infeção pelo meningococo, se generalizada (sépsis), pode levar a sequelas igualmente graves como cicatrizes cutâneas extensas ou mesmo a necessidade de amputação de um membro. Por fim, e infelizmente, a meningite bacteriana, nos casos mais graves, pode levar à morte”, acrescenta.

As meningites não são todas iguais, os tratamentos também não. Na viral nada é necessário, além do alívio das queixas, como a febre ou os vómitos. Na meningite bacteriana, geralmente mais grave, a criança precisa de fazer um antibiótico endovenoso, através de uma veia, durante pelo menos uma semana, ficando internada durante este período.

Nos casos de meningite bacteriana, Paulo Oom refere que há coisas a fazer. É necessário que as pessoas que vivem com a criança na mesma casa, bem como os colegas de ama, infantário ou escola que partilham a mesma sala, façam um antibiótico por dois a quatro dias como medida de prevenção. O médico falará com os pais e o delegado de saúde avisará a escola. “Mas nada de exageros e alarmismos. Pessoas que contactaram esporadicamente com a criança nos últimos dias, incluindo outros familiares, não têm necessidade de fazer antibiótico. Crianças da mesma escola, mas de outra sala, não devem fazer qualquer antibiótico”, sustenta.

Nas meningites virais, ninguém faz qualquer tipo de antibiótico, nem a criança doente, nem os familiares, nem os colegas da escola

“A maioria dos pais, quando fala de meningites utiliza com frequência os termos ‘boa’ e ‘má’. Estas noções têm um fundo de verdade. De uma forma geral, a meningite provocada por vírus apresenta manifestações mais leves e tem menos complicações que a meningite provocada por bactérias. A meningite viral será assim a ‘boa’, ao contrário da meningite bacteriana, que será a ‘má’.” Mas há outros fatores a considerar, sobretudo a idade da criança. “Num recém-nascido ou num bebé de poucos meses, mesmo uma meningite viral pode ser grave. Da mesma forma, numa criança com poucas defesas, qualquer tipo de infeção pode ser muito grave. Por outro lado, nem todas as meningites por bactérias são iguais e as provocadas pelo pneumococo levam, com maior frequência, a lesões cerebrais e mesmo à morte”, reforça.

A vacinação é uma forma de prevenção. “Mas é importante esclarecer algumas ideias. Para a maioria das meningites provocadas por vírus (meningite viral) não existe qualquer vacina. Ou seja, por mais ‘vacinas da meningite’ que a criança faça, pode sempre vir a ter uma meningite viral. Dado que se trata de uma doença relativamente benigna, este facto não levanta grandes problemas. O que é importante é prevenir as meningites provocadas por bactérias (meningite bacteriana) que podem ser bastante graves.”

Paulo Oom lembra que, em 1988, foi lançada uma vacina contra a bactéria Hemofilus, então a principal causadora de meningite bacteriana nas crianças com mais de dois meses. O que se verificou foi uma descida gradual do número de casos de meningite e essa vacina faz hoje parte do Programa Nacional de Vacinação. Da mesma forma, surgiram depois vacinas contra o pneumococo e alguns tipos de meningococo, como o meningococo B e o meningococo C, que foram também incluídas no programa nacional. “Outras vacinas, como a que protege contra quatro tipos diferentes de meningococo (A,C,W e Y) não fazem ainda parte deste programa e poderão ser dadas às crianças se prescritas pelo pediatra ou médico assistente.” “Todas estas vacinas são bastante eficazes e seguras”, garante.