Mariana Mortágua: implacável e serena

Mariana Mortágua é economista e deputada do Bloco de Esquerda

Desarmou Salgado, humilhou Bava, avisou Luís Filipe Vieira. Há uns dias deitou as mãos à cabeça com a desfaçatez de Nuno Vasconcelos. Os amigos recordam uma miúda inteligente, calma, que gosta de ouvir.

Não há palavras fúteis nas perguntas da deputada Mariana Mortágua. A bloquista vai direta ao osso. Precisa, não desarma nem larga os inquiridos. Inflexibilidade que o tom calmo, quase sem expressão, evidencia ainda mais.

Em comissão parlamentar, os responsáveis pelo colapso do BES ou os grandes devedores do Novo Banco temem-na. Pelas interpelações, pelos apartes secos, mortíferos. Desarmou Ricardo Salgado: “O Dono Disto Tudo passou a Vítima Disto Tudo”. Humilhou Zeinal Bava: “Para quem ganhou tantos prémios é um bocadinho de amadorismo não se lembrar de nada”. Avisou Luís Filipe Vieira: quando o empresário lhe disse que tinha tempo, respondeu-lhe “Eu não”. Há uns dias, num momento raro, deitou as mãos à cabeça com a desfaçatez de Nuno Vasconcelos.

Os portugueses, cansados dos eufemismos reverenciais da política em relação ao mundo financeiro, respeitam-na. O trabalho nas comissões deu-lhe seguidores nas redes sociais e forte presença mediática. Sem os espartilhos de quem milita no bloco central, livre para ser assertiva, é uma figura incontornável do hemiciclo. Porém, diz de si própria que gosta “mesmo é de passar pelos pingos da chuva”, numa referência à introversão que a caracteriza. “Gosto do meu espaço e do meu tempo, das minhas coisas quietinhas. Nem sempre a socialização é um lugar confortável.” Frieza, haverá quem julgue.

Mariana Mortágua tem um vício. “O trabalho. Tem gosto em trabalhar, de tal maneira que criou hábitos de vida adequados a esse gosto”, realça Joana Mortágua, também deputada, para quem a irmã gémea – a quem gasta o nome – foi sempre referência de responsabilidade. Com Mariana, todos os momentos têm propósito. “Não sabe o que é estar sem fazer nada. Não conseguiria.” A preparação técnica é-lhe reconhecida. “Qualquer que seja o tema por que se interesse, a Mariana estuda-o profundamente”, elogia Joana. Não improvisa. “Irrita-me muito quando os planos mudam à última hora. Gosto de ter a minha estrutura, saber o que vem a seguir”, assume a economista.

Nasceu e cresceu num ambiente propício à intervenção cívica e política, unindo origens diversas – a família materna, classe média lisboeta, humanista e católica, e os pergaminhos revolucionários do pai, Camilo Mortágua, participante no assalto ao Santa Maria, no desvio de um avião da TAP, num assalto ao Banco de Portugal da Figueira da Foz, líder da ocupação da herdade da Torre Bela. No Alvito, cenário de jantaradas ao som da Grândola. “Por lá passavam figuras como Fanha e Fanhais, Sérgio Godinho e Alípio Freitas”, conta Teresa Cunha, amiga da família e presidente da Associação Jovem para a Justiça e Paz, palco das primeiras intervenções cívicas de Mariana. “Recordo uma miúda muito inteligente, uma inteligência fina, que apanhava as coisas no ar. Muito calma, atenta, gostava sobretudo de ouvir. De poucas falas, quando falava dizia coisas muito pertinentes”, destaca a amiga, para concluir: “A Mariana refletia e pensava sobre as coisas”.

Empenhamento determinado tanto quanto a aplicação nos estudos, decidida corria o 7.º ano. “De um momento para o outro, a Mariana passou de aluna normal para a melhor da turma”, lembra Joana. A própria não encontra razão para a mudança. Sabe que se interessava por História, Matemática e Português. Pensou em Contabilidade, por gostar de números. Mas depressa percebeu que Economia era o curso certo. Vivia então em Lisboa. “Éramos umas meninas do campo”, vinca Joana. “Em Beja, não havia McDonald’s nem TV por cabo. Era uma vida diferente da dos miúdos de Lisboa”, confirma Mariana. Foi a irmã quem primeiro aderiu ao Bloco de Esquerda. Mariana hesitou. “A minha politização foi feita nos movimentos sociais e havia a ideia de que os partidos tentavam dominar esses movimentos, o que não me agradava”.

Há quem a queira ver ministra. “Ela tem uma preparação ótima” considera Teresa Cunha, voltando de novo à “miúda desgrenhada, sempre vestida com roupas muto simples e escuras” que conheceu adolescente. Hoje, vê com gosto “que já penteia o cabelo”. Que já se maquilha. Surpreende-se com a revelação de Joana: “A Mariana sabe tudo sobre maquilhagem, informa-se e compra”.

A economista rejeita um projeto político pessoal. “Quero que o Bloco possa determinar as políticas e tenha força para isso. Quero e acredito que um dia será possível.” Para isso trabalha. E, se o trabalho é o vício, o pecado é uma bela imperial, ao fim da tarde.

Mariana Rodrigues Mortágua
Cargo:
economista, deputada do Bloco de Esquerda
Nascimento: 24/06/1986 (34 anos)
Nacionalidade: Portuguesa (Alvito)