“É fácil trabalhar com ela”, garantem os colaboradores, porque é “transparente”. Quando não gosta, nota-se de imediato. Considera-se o “elo de ligação” entre os poderes do Estado e os cidadãos.
Nada longos percursos no mar. Viaja com gosto e curiosidade aguçada mais do que nunca. Lê muito, gosto de infância e relaxamento diário. Tem a música sempre presente, em casa, na ópera, em concertos da Fundação Calouste Gulbenkian. Trabalha muito, focadíssima, por vezes emocionada, incapaz de esquecer o horror deixado pelos incêndios de Pedrógão Grande. É conservadora e “radical”. Debate com entusiasmo e profundidade as questões do Direito e da Constituição. Intimida pela qualidade dos argumentos e pelo empenho nas disputas.
“É verdade, gosta de falar e de se ouvir em discussões intelectuais”, diz o constitucionalista Jorge Reis Novais. Conheceram-se na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, em 1982. Ambos na casa dos 20 anos, faziam parte da equipa de Jorge Miranda.
“A Maria Lúcia sempre foi muito conservadora, estava por isso nos meus antípodas, mas agradava-me muito a sua envergadura intelectual. Os que se aproximam dela pela primeira vez podem até ficar intimidados.” A amizade não foi afetada mesmo quando o programa da troika e a política de Passos Coelho acentuaram a diferente leitura da Constituição. A juíza esteve “radicalmente” contra os chumbos das medidas de austeridade do Governo da altura. “É conservadora e muito minimalista a pedir a intervenção do Tribunal Constitucional (TC) e foi assim no tempo da troika. Não por ser de Direita, mas por ser essa a sua interpretação.” Magistrada pró austeridade, chamaram-lhe. Desalinhada, não poupava nas palavras, denunciando “falta de rigor” e “incerteza” nos acórdãos do TC. Intromissão nos assuntos da exclusiva competência dos governos.
De resto, nos anos pandémicos, há quem considere “exígua” a posição da provedora de Justiça perante eventuais atropelos aos direitos e liberdades dos cidadãos, dando margem ao Governo quando se vivia em estados de emergência e de calamidade.
Rui Rio propôs a recondução da magistrada e o PS concordou. Com 176 votos a favor em 208 deputados, o Parlamento reelegeu neste mês Maria Lúcia Amaral para um novo mandato como provedora de Justiça. “Tem feito um bom mandato”, observa Jorge Reis Novais. Admitindo que a amiga podia ter sido mais interventiva nos anos de confinamento compulsivo, “numa perspetiva low profile, a Provedoria tem estado bem”.
Não é fácil encontrar quem preste depoimento sobre a provedora. “Não vou comentar a personalidade”, disse, por exemplo, Jorge Bacelar Gouveia, também constitucionalista e professor catedrático. A própria é parca em intervenções públicas e pouco aprecia a exposição mediática. Do cargo que ocupa, Reis Novais garante: “Está a gostar muito. É o que sinto do que tenho falado com ela. Percebe-se que ficou surpreendida com o volume de trabalho, mas agrada-lhe”. Muito trabalho: 9823 queixas em 2020, “recorde absoluto”, que originaram a abertura de 11 557 procedimentos. Maria Lúcia Amaral pediu então “reflexão conjunta”, para avaliar as razões do descontentamento.
A Provedoria de Justiça, órgão de titularidade singular, passou recentemente a ser também designada Instituição Nacional de Direitos Humanos e sede do Mecanismo Nacional de Prevenção contra a Tortura. “Esta mudança quantitativa e qualitativa do quadro de competências do provedor de Justiça não teve ainda reflexos na necessária reforma dos serviços da Provedoria de Justiça”, pode ler-se no site da instituição. Maria Lúcia Amaral quis “pôr a mão na massa”. Dizem colaboradores próximos: “Desceu do seu lugar, foi colocar-se no lugar dos coordenadores e despachar processos”.
É a primeira mulher a assumir um cargo que foi criado a 21 de abril de 1975. “É fácil trabalhar com ela”, asseguram os colaboradores, porque é “transparente. Quando não gosta, nota-se de imediato”. Formada em Direito, é constitucionalista e professora catedrática. Como provedora, prometeu contribuir para a “solidez” da instituição. Considera-se o “elo de ligação” entre os poderes do Estado e os cidadãos.
Maria Lúcia da Conceição Abrantes Amaral
Cargo: provedora de Justiça
Nascimento: 10/06/1957 (64 anos)
Nacionalidade: Portuguesa (Huambo, Angola)