
Sonhos, rabanadas, bolo-rei, pão de ló. As sobremesas entram no pódio calórico das festividades. É época de aproveitar e tirar os olhos da balança, mas há dicas para não se perder tudo em meia dúzia de dias.
O Natal bate à porta e os excessos entram a galope em mesas fartas, estômagos dilatados, sobras para os oito dias seguintes e um novo mergulho na comida no Ano Novo. Se a época carregada de carga emocional manda esquecer dietas e aproveitar sem culpas, a verdade é que o segredo é o equilíbrio. “O problema do Natal é o perdido por cem, perdido por mil. Não posso dizer que não podemos comer rabanadas. Mas posso dizer que existem algumas técnicas para minimizar o estrago”, assegura Lilian Barros, nutricionista.
Comecemos pelo princípio. Afinal, quais são as iguarias natalícias que mais engordam? “Aquelas que são doces e fritas, porque juntam o mal de dois mundos: o excesso de açúcar refinado e o excesso de gordura do processo de fritura”, aponta a nutricionista. Sonhos, rabanadas, filhoses, azevias entram numa lista que é ingrata e Lilian Barros reconhece-o. “Perguntam-me muitas vezes que sobremesa podem comer. Mas, imaginando que os sonhos que a minha avó faz são os meus favoritos, não vou deixar de comer e ficar infeliz. As pessoas devem respeitar a sua tradição, mas de forma consciente.” Podem melhorar-se receitas ou controlar as quantidades, já lá iremos.
Segundo Inês Pádua, “nesta altura, parece que quase nos forçamos a comer coisas que nem queremos muito, porque foi a avó ou a tia que fez, e é o comer por comer”. E, neste pódio, a também nutricionista junta aos fritos o bolo-rei. “Naturalmente que é um bolo calórico, porque além da massa do bolo ainda lhe acrescentamos frutos secos e cristalizados, e açúcar em pó por cima.” Não é preciso deixar de o ter na mesa, garante, mas, se na família ninguém gosta assim tanto, pode optar-se pelo bolo-rainha. “Não quer dizer que seja menos calórico, mas como não tem fruta cristalizada, sempre é melhor.”
As receitas, que variam de família para família, de região para região, também têm dedo nas calorias. Isso e a quantidade que comemos, o maior erro. “Às vezes, comemos uma rabanada e ficamos bem. É mais difícil quantificarmos uma aletria, porque está numa travessa e vamos enchendo o prato. No final, aquilo que até era uma sobremesa menos calórica acaba por não ser, porque a porção consumida é muito maior.”
Outro exemplo são os frutos secos. “São um excelente alimento, mas têm muita gordura e, muitas vezes, comemos à mãozada nestes dias. É muito fácil comer sete nozes e isso é equivalente a quase 400 quilocalorias.”
Taco a taco com o bolo-rei está o tronco de Natal, “porque é recheado e coberto com chocolate”. E a meio da tabela entra o pão de ló, “que tem a vantagem de ser um bolo mais seco”.
Se pusermos os olhos nas entradas, os queijos tão típicos sobre a mesa também merecem atenção. “É um alimento muito interessante, mas quanto mais curado for – o que é tradicional nesta época -, mais gorduras e sal vai ter. Não é algo para todos os dias, é para comer no 24 e 25 de dezembro e no dia 26 voltarmos à rotina normal.”
O arroz-doce e a aletria figuram no final da tabela das calorias natalícias. E, claro está, o bacalhau, o polvo, o peru. Aliás, não é desses pratos que reza a história dos excessos no Natal.
Lanchar, olhar à receita e ter mão na quantidade
Mas a época não é de contenções nem tampouco de olhar para a balança, por isso há truques para evitar o descalabro. Pouco ou nada comer antes da ceia, para guardar espaço na barriga para a noite, é hábito comum. “Nestes dois dias, o foco deve ser aproveitar. E não devemos cair nesse erro. Almoçar normalmente, lanchar, caso contrário depois vamos estar cheios de fome e comer tudo sem gerir bem”, aconselha Inês Pádua.
Lilian Barros vira-se antes para as receitas. “Podemos pegar nas receitas das nossas avós e melhorá-las. Em vez de fritar as iguarias, posso levá-las ao forno. Ou usar azeite em vez do óleo”, sugere. Nos fritos, a temperatura do óleo também é de se ter em atenção. “Se o óleo ainda estiver morno, o doce vai absorver muito mais gordura.” E as dicas não acabam. Nas rabanadas, aponta a nutricionista, podemos usar pão integral em vez de pão de trigo refinado. “E reduzir o açúcar ou usar um mascavado ou de coco, usar farinhas integrais, leite magro em vez de gordo.”
Ainda assim, há nutricionistas que defendem que não se deve desvirtuar as receitas típicas e apostam na quantidade como o maior trunfo. Pôr num só prato pequenas quantidades de todas as sobremesas que queremos comer é um segredo, segundo Paula Veloso. “De modo a que não fiquem empilhadas. E demorar algum tempo a comê-las, se o fizermos de forma voraz fica a sensação de que não se comeu e a vontade de repetir é maior”, explica a nutricionista. Esta estratégia não quer dizer que, depois, não se possa repetir, mas se pusermos as sobremesas uma a uma no prato, vamos ingerir maiores quantidades, ficar enfartados num ápice e, depois, forçar-nos a comer o que nos resta provar.
Paula Veloso não é de alarmismos e acredita que “não faz sentido” pensar em controlar o peso e as calorias nesta altura. “Só que hoje em dia, para o bem ou para o mal, os excessos são praticamente diários e, nesta época do ano, aumentam ainda mais a quantidade, a gordura e o açúcar.” Certo é que o corpo dá bons sinais de alerta. “Quando somos assolados por este pensamento ‘não devia comer mais’, devemos parar e tirar o foco da comida”, frisa.
O que fazer com as sobras?
As sobras “normais” deste tempo invadem, na última semana do ano, quase todas as casas. Mas o trabalho para as evitar tem de começar antes. “Isto é muito difícil, sobretudo com as avós, tias. Mas se temos uma família de dez pessoas, não precisamos de dez travessas de aletria, de cinco bolos-rei, nem de três queijos da serra. Há uma série de questões sociais e históricas, de ser importante haver uma mesa farta, mas podemos tentar reduzir”, defende Inês Pádua. Até porque o Natal há muito que deixou de ser dois dias. “Há jantares uns atrás dos outros. Chega o Natal e andamos a comer as sobras até ao Ano Novo. Isto acaba por durar um mês.”
Mas as sobras são uma certeza e a partir daí, “dar, repartir e congelar” é o caminho. Ainda assim, Paula Veloso tem truques na manga. Se os fritos perdem qualidade e não há muito que se possa fazer, com o bolo-rei e o pão de ló a história é diferente. “Podem secar ao ar e quando estiverem duros, levam-se ao forno, resultando nuns belos biscoitos.” O bacalhau, já é sabido, aproveita-se para roupa-velha. E se daqui ainda sobrar, “pode congelar-se e dias depois fazer um molho bechamel sem gordura, misturá-lo no preparado, polvilhar com queijo parmesão e levar ao forno a gratinar”. O peru, desfiado, é bom ingrediente para saladas. E o chocolate, “esse diabo divino, pode comer-se 20 gramas por dia após o jantar”. Mesmo com tanta dica, a nutricionista Paula Veloso não mente: “Festas são festas e ainda bem que existem”.