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Manual de instruções para pais e filhos voltarem às rotinas

A pandemia acarretou uma maior apreensão face ao normal funcionamento do ano letivo e das medidas impostas (Ilustração: Bárbara R.)

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Voltar ao dia a dia depois de um período alargado de pausa escolar traz sentimentos ambíguos para pais e filhos. Terminado o período de descanso, não faltam desafios para abraçar. No entanto, com organização e algumas regras, o início do ano letivo tem tudo para começar com nota máxima.

Foi uma entrevista à beira da piscina, por videochamada. Núria Barbosa, 41 anos e Hugo Moura, de 45, têm três filhos, João, Duarte e Sofia, e costumam escolher o final do mês de agosto e a primeira quinzena de setembro para aproveitar as férias. O regresso às aulas está para breve, mas não será propriamente dramático. “Tenho muitas saudades dos colegas e de aprender coisas novas”, diz Duarte, oito anos, a caminho do 3.º ano de escolaridade. “Já estão cansados de férias?”, perguntámos. Respondem em uníssono que não. “Estamos a adorar”, atira João, prestes a fazer 11 anos e a entrar no 6.º ano. O mais velho quer ser jogador de futebol; o segundo sonha abraçar uma carreira de youtuber – ou não fossem pré-adolescentes.

A experiência da pandemia e do confinamento ficou para trás e não deixa grandes lembranças. “Não podia ver os meus amigos pessoalmente, mas podia vê-los online”, refere o irmão mais velho. Quando foi preciso regressar, foi com tranquilidade que voltaram à rotina escolar. Agora, depois das férias “grandes”, tornar às aulas também não os inquieta. Ainda que os jogos à bola e os dias na piscina sejam difíceis de abandonar, os irmãos riem-se quando respondem que gostam das aulas e também gostam das férias. Sem drama. Está tudo bem. E a mais pequenina não foge à regra. “A mana quer sempre ir para a escola”, conta Duarte. João gosta muito dos “intervalos”, mas acha que são curtos e Duarte elege as brincadeiras com os amigos.

Os três filhos de Núria e Hugo estudam em escolas diferentes, mas todas elas se situam na freguesia de Alfornelos, na Amadora, e a preparação do ano letivo resulta de organização e planeamento. Os horários também não são coincidentes, mas “o João, como é o mais velho, já tem alguma autonomia e, quando está bom tempo, vai a pé com os amigos”, revela o pai. “Um fica logo despachado”, realça a mãe, entre risos. Os mais novos saem de casa cerca de 50 minutos depois. “A porta do nosso prédio fica mesmo à frente da porta da escola onde anda o Duarte. Ele só tem de descer e atravessar a rua, o que é fantástico”, explica o progenitor. “Nós moramos num sexto andar e ficamos a vê-lo a entrar na escola. Depois, levamos a Sofia”, acrescenta.

Apesar de cada um dos filhos frequentar escolas distintas, acabam o dia no mesmo ATL, para evitar várias deslocações. “Isso ajuda-nos muito”, confessa Hugo. A logística familiar está bem oleada, daí que a preparação do regresso às aulas não seja vista como um drama.

Quando regressar é sinónimo de intranquilidade

A realidade de Catarina Carmo, de 44 anos, é completamente oposta. No dia em que falou com a “Notícias Magazine”, já estava em contagem decrescente para deixar o filho, de quatro anos, e ir trabalhar a uma hora de distância de casa, em Leiria.

Catarina é psicóloga num agrupamento de escolas em Rio Maior. “Inicialmente, os técnicos superiores tiveram uma carreira de bastantes anos como precários no Ministério da Educação. Depois, surgiu a oportunidade de efetivar ao abrigo do Programa de Regularização dos Vínculos Precários, o PREVPAP, e, em 2017, quem assim o desejasse, teve a oportunidade de concorrer”, resume. Uma vinculação que era suposto ser positiva acabou por ser aquilo que intitula de “uma mão cheia de nada” porque além de descerem na posição remuneratória não lhes foi concedida a possibilidade de mobilidade como “prometido”. Não só a ela como a mais de mil profissionais que, em conjunto, têm lutado e exigem os seus direitos na petição “Pelo direito à mobilidade dos técnicos superiores de Educação” e que já levou os subscritores a audiências com vários partidos políticos na Assembleia da República.

Catarina Carmo conta com a compreensão do diretor do agrupamento de escolas onde trabalha, a uma hora de casa, e tem a sexta-feira livre para compensar o horário dos restantes dias da semana. No dia a dia, a ajuda da mãe é fundamental no apoio ao filho, de quatro anos
(Foto: Nuno Brites/Global Imagens)

Durante três anos, Catarina trabalhou perto de casa e pôde usufruir da maternidade depois de cinco anos à espera para adotar. “A adaptação do meu filho foi muito natural, sem qualquer problema. Conseguimos ter uma vida estável.” Entretanto, em 2020, Catarina foi obrigada a regressar à escola de Rio Maior e ainda que tenha pedido para ficar a trabalhar mais perto de casa, até porque o filho passou a ter comportamentos muito díspares com a sua ausência, esse desejo foi indeferido. “Eu gosto bastante do que faço e era sempre com muita alegria que retomava as rotinas depois de um mês de férias que, para mim, até era bastante tempo”, salienta. Mas essa é uma realidade do passado. Pensar no regresso implica estar parte da semana longe de casa e deixar o filho ao cuidado da avó. “É com muita ansiedade e alguma angústia que retomo o ano letivo porque não sei quando vou ver resolvida esta situação e se vou ser forçada a procurar uma alternativa porque a família vai sempre sobrepor-se à profissão.”

Como se prepara, então, a mãe para o regresso? “Nem sei responder a essa questão. Sei que tenho de voltar, mas não me resignei.” Para já, conta com a compreensão do diretor do agrupamento de escolas onde trabalha e tem a sexta-feira livre para compensar o horário dos restantes dias da semana. A voz deixa transparecer a injustiça que sente ao “tomar conta” dos filhos dos outros, por ser considerada uma profissional de referência para estas crianças, e não ter possibilidade de acompanhar o seu filho de perto. Contradições que não aceita.

Pais e filhos: desafios diferentes

Para muitos, é chegada a altura do ano em que as férias tão desejadas já terminaram e o regresso às rotinas veio encher os dias ou está prestes a fazê-lo. Para pais e filhos, o fim do tempo de descanso leva ao retomar das aulas e de um conjunto de outras atividades. “O início de um novo ano letivo pode associar-se a episódios de ansiedade na família, tanto nas crianças como nos pais. Tal é ainda mais verdade se existem mudanças substanciais, como a entrada na escola pela primeira vez ou uma mudança de escola”, explica a médica pediatra Mónica Cró Braz, do Hospital CUF Descobertas, em Lisboa.

A pandemia acarretou uma maior apreensão face ao normal funcionamento do ano letivo e das medidas impostas. “Esses sintomas podem traduzir-se em dor de barriga ou de cabeça. Podem também manifestar-se em crianças mais velhas como sensação de falta de ar ou opressão no peito e, ainda, ter um impacto negativo nas rotinas de alimentação e de sono”, sublinha.

Catarina Carmo sentiu uma diferença substancial no comportamento do filho a partir do momento em que teve de se ausentar para trabalhar fora. Dorme pior, está mais agressivo e em fase de negação. No que respeita a regressar à creche, tem “sentimentos positivos”, mas quando a mãe lhe diz que vai ter de voltar a trabalhar longe de casa “responde de imediato que não”. A mãe sente que o filho não está preparado para o regresso às rotinas, mas já lhe ensinou os dias da semana para que ele possa ir fazendo a contagem decrescente e perceba o dia em que a progenitora estará de volta a casa.

Ilda Cunha é professora do 1.º Ciclo na Escola EB1 n.º 1 do Feijó, do Agrupamento de Escolas Romeu Correia, e considera que “a reorganização das rotinas e a preparação do ano letivo são muito importantes porque as férias são muito longas”. Desde há uns anos que fala com os pais e com os alunos no sentido de preparem melhor o regresso às aulas. “Costumo mandar atividades num livro que eu própria faço para os meninos, sobretudo os alunos que transitam do 3.º para o 4.º ano, e peço-lhes para lerem uma obra sugerida por mim e, ainda, para a família adquirir outra.” Não é fácil incentivar os alunos a ler, numa época em que as novas tecnologias imperam, mas, no caso do livro a comprar em família, aconselha que os filhos participem na escolha. “Deve ser uma compra conjunta, as crianças devem participar nessa seleção. Caso contrário, é provável que rejeitem mais facilmente uma escolha que tenha sido feita pelos pais.”

Perto das aulas terminarem, antes da entrada nas “férias grandes”, a professora Ilda Cunha combina com os alunos uma data para começar a preparar o regresso. “Costumo dizer-lhes que temos de ativar os neurónios a 1 de setembro e começar a criar rotinas. Eu estarei a pensar nos meninos e os meninos têm de pensar na professora.” Com os pais, sugere que a hora de deitar seja antecipada comparativamente aos horários das férias para que seja mais fácil começar a acordar mais cedo quando as aulas começarem. Pede ainda para que não se desliguem totalmente da parte escolar e que criem um plano com horas indicadas para suportes digitais, para atividades ao ar livre, para as refeições e um tempo dedicado à leitura. “Os pais, por vezes, esquecem-se de criar hábitos durante as férias.”

A médica pediatra Mónica Cró Braz partilha dessa opinião e considera que “a quebra da rotina de férias deve ser realizada uma a duas semanas antes do regresso às aulas, para recuperarem hábitos diários que se aproximem dos horários normais”.

Núria considera-se uma “mãe chata” porque insiste muito neste estudo suplementar dos filhos mais velhos. Mesmo nos dias de praia e piscina, depois do almoço, aproveita o horário da sesta da mais pequena e tenta convencê-los a fazerem as atividades dos livros que lhes compra. “Este ano, devido à pandemia e atendendo ao tempo que tiveram de estar fechados em casa, sinto que não devia exigir muito e insistir nesta questão.” Hugo acrescenta que, a partir de setembro, a ida para a cama não pode ultrapassar as 21.30 horas.

Para os alunos que acompanha e que considera poderem beneficiar da presença numa sala de estudo privada, a professora faz essa sugestão aos pais, cabendo, naturalmente, aos progenitores a decisão. “Isso, a acontecer, deve ser logo a partir de 1 de setembro e permite que façam algum desmame das férias.”

Pais felizes, crianças felizes

Ainda que os horários durante as férias se alterem e que andemos todos mais descansados, sobretudo no que se refere ao sono e à alimentação, é desejável que se mantenham “algumas balizas em momentos de descanso”, assinala Mónica Cró Braz. “As férias com crianças são maravilhosas, mas também são exigentes e é de salutar o regresso ao trabalho, por parte dos pais, e à escola, por parte dos filhos. Pais felizes, crianças felizes”, adiciona.

Nas consultas que tem com crianças e jovens, a psicóloga clínica Bárbara Ramos Dias constata que os filhos se queixam da falta de paciência dos pais, dos gritos e do stresse. “Por outro lado, os pais queixam-se da apatia relativamente ao tema.”

Hugo Moura, Núria Barbosa e os três filhos, a gozar os últimos dias de férias. João, Sofia e Duarte frequentam escolas diferentes, mas acabam o dia no mesmo ATL – a logística familiar agradece
(Foto: Carlos Vidigal/Global Imagens)

Núria Barbosa e Hugo Moura vão ficar de férias em Espanha até meados de setembro, mas, apesar de o regresso estar agendado para muito pouco tempo antes do arranque do novo ano letivo, tudo está equacionado. “Encomendamos os livros pela Internet e damos a morada dos meus pais ou sogros para a entrega. Hoje em dia, as compras online facilitam tudo”, diz Núria. Relativamente à lista de material necessário, ficam a aguardar o início do ano letivo e no que respeita à compra de roupa ou calçado, por exemplo, também tratam de tudo antecipadamente ou mesmo durante as férias. “Esta cultura de comprar online foi algo que a pandemia nos trouxe, tanto em Portugal, como fora do país e tem-nos trazido alguma qualidade de vida”, sustenta Hugo. A pensar nos pais e em compras sem stresse, a professora Ilda Cunha envia antecipadamente a lista de material escolar necessário. “As redes sociais e o contacto com os pais via Teams vieram facilitar tudo e a meio de agosto já sabem o que é preciso adquirir.”

Do ponto de vista médico, Mónica Cró Braz sugere “a realização de uma consulta de rotina com o médico assistente/pediatra, atualização de vacinas do Plano Nacional de Vacinação e outras que considerem pertinentes”. De acordo com a avaliação médica, “podem ser necessários exames ou consultas de especialidade (por exemplo, otorrinolaringologia) ou ainda medicamentos/suplementos que previnam infeções respiratórias no inverno. As idas ao dentista e ao oftalmologista também devem ser acauteladas”. É ainda altura de os pais requisitarem atestados para entrada na creche ou na escola ou ainda para frequência de desportos variados.

“Quem tem uma família com três filhos tem de ter alguma disciplina e nas férias temos de planear tudo com antecedência”, remata Hugo Moura, defensor da autonomização das rotinas diárias ao longo do ano, acabando por transferi-las para o período das férias. E, assim, no regresso, corre sempre tudo bem. “Nem há outra hipótese.”

Sugestões para pais

A psicóloga Bárbara Ramos Dias deixa sugestões para os pais neste regresso às aulas:

Sugestões para filhos

A psicóloga Bárbara Ramos Dias sugere algumas dicas para crianças e jovens: