Malagueta, o versátil picante

De várias cores, travos ligeiramente diferentes, ora mais intensos ora mais discretos, em pratos salgados e doces. Um condimento que acentua sabores, abre o palato, e que pode chegar ao nariz. Para usar q.b., portanto.

É um fruto pequeno e esguio, vermelho, verde, amarelo, com outros dégradés, que carrega dentro de si sementes que são uma explosão de sabor. Picante, claro. Em pratos salgados, carnes e peixes, diretamente no tacho, em guisados, assados, grelhados, em molhos de acompanhamento. Em doces, chocolates e bombons, bolos e tartes, trufas e brownies, gelados e panacotas, compotas e geleias. Em cocktails e no gin tónico também. Malagueta em quase tudo o que se quiser. Há quem a coloque no pão de milho. É um piripíri multifacetado que quer sol para crescer e sabedoria no trato. Atribuem-lhe poderes afrodisíacos e benefícios na saúde por acelerar o metabolismo. O travo, esse, é intenso, robusto, quente.

A chef Marlene Vieira, do Zunzum Gastrobar, em Lisboa, e do Food Corner no Time Out Market, também na capital, conhece as capacidades do condimento que usa com parcimónia na sua cozinha. “A malagueta é um tempero que ajuda a equilibrar e a criar harmonia num prato”, define. No nosso país, a sua versatilidade é conhecida essencialmente nos salgados, manuseada de diversas maneiras conforme o gosto de cada um. “Abre mais os sabores, intensifica-os, acentua-os. O picante ajuda a que os outros sabores ganhem mais relevância, mais intensidade.” Ativa o retrogosto, atrás da língua, aquela sensação de gosto e de cheiro e, por isso, pode chegar ao nariz. Nos doces, por cá, o uso é bastante regrado com o gengibre a tomar-lhe a dianteira. “Na pastelaria, ainda não está muito presente, ainda não é muito consumida, o seu uso é muito mais arriscado.”

Lídia Brás, do Stramuntana, restaurante em Vila Nova de Gaia, não esquece as suas origens transmontanas. Picante que é picante é a malagueta que se usa em Trás-os-Montes na adoba de vários enchidos, na mistura que entra na tripa, no borrego guisado no pote e que ajuda a amaciar o sabor intenso da gordura da carne, no molho que acompanha as bogas fritas nas aldeias na foz do rio Sabor. “A malagueta ajuda a intensificar o sabor”, afirma. Seja nos salgados, comum por cá, seja nos doces, menos habitual nas sobremesas portuguesas.

“Uma compota de malagueta é uma coisa fantástica, tanto pode acompanhar um prato de carne grelhada, dando aquele travo agridoce, como um queijo duro de ovelha de Trás-os-Montes.” Numa feijoada, e na dose certa, a malagueta é igualmente bem-vinda. “Não abafa o resto dos ingredientes, intensifica-os”, garante Lídia Brás. “E cada garfada é diferente, consoante se apanha malagueta ou não”, acrescenta. A cozinheira usa sobretudo a vermelha, mais carnuda, cortada, com uma certa quantidade de sementes consoante o prato. “Não existe uma fórmula, temos de ver o tamanho da malagueta que vamos utilizar.” As verdes corta-as às rodelas, tira-lhes as sementes, usa-as para decorar um prato de carne grelhada, por exemplo.

Malagueta a gosto, sim, mas com moderação. A chef Marlene Silva avisa que a malagueta não substitui o sal, são coisas diferentes, e aconselha ponderação. “O picante pode tornar-se um vício, como o açúcar. Quanto mais se consome, mais se gosta.”

 

Escala de Scoville*

Assustador
Mais de 1 500 000

Ardente
500 000 – 1 500 000

Muito Quente
100 000 – 500 000

Quente
50 000 – 100 000

Apimentado
2000 – 50 000

Frio
0

*A Escala de Scoville, que se mede em unidade de calor Scoville (Scoville Heat Units ou SHU), é usada para avaliar o grau de ardência das malaguetas

 

Scotch Bonnet 100 000 a 325 000
Fatalii 125 000 a 325 000
Habanero Orange 150 000 a 350 000
Chocolate Habanero 300 000 a 577 000
Carolina Reaper 1 569 300 a 2 200 000