Mais autonomia, mais entusiasmo. A tecnologia não distrai, ensina

O Colégio de Lamas é a primeira (e única) escola em Portugal a ser distinguida pela Apple. Cada aluno, do 1.º ao 12.º ano, tem o seu iPad para usar na sala e em casa. As mesas mudam de disposição consoante os trabalhos e partilham-se ideias e projetos num espaço voltado para o futuro. Estratégia e inovação. Criatividade e espírito crítico. Novas ferramentas ao serviço da educação. E resultados que mostram avanços.

O 2.º ano começa o dia a classificar palavras pelas sílabas, os exercícios estão no iPad, os 24 alunos deslizam os dedos pelo ecrã em mesas dispostas em cinco ilhas, os resultados surgem no aparelho de cada um, dentro de minutos a turma passa para os trabalhos de grupo com a escrita de uma história maluca, a visualização de vídeos sobre segurança rodoviária, e pesquisas sobre dentes, de que são feitos, porque caem, porque não são ossos – e ainda é preciso tratar da língua para colocar na boca de cartão e dentes feitos de caixas de ovos. A escova está feita, em tamanho gigante, com trincha de pintar paredes. O Colégio de Lamas, em Santa Maria da Feira, começa mais um dia, há poucas semanas recebeu a distinção da Apple, Apple Distinguished School, integrando a comunidade de escolas mais inovadoras do Mundo, entrando num grupo restrito de 700 escolas de 35 países.

Caetana Pinheiro, sete anos, tem os auscultadores nos ouvidos e está concentradíssima no filme de 14 minutos que vê no iPad com conselhos importantes. “Para não nos magoarmos na rua, para não cairmos e para não andarmos na rua a brincar”, explica Caetana, que anda a pensar como fará o trabalho sobre segurança rodoviária. Ao fundo da sala, está um cartaz com indicações sobre o tema, levanta-se, vai até lá, junta-se a alguns colegas que passam para o iPad algumas instruções. “Gosto de aprender”, diz.

Enquanto isso, José Miguel, sete anos, segue o guião de aprendizagem e começa a escrever a história maluca. “Era uma vez um menino que vivia numa casa de doces. Um dia de sol, o menino encontrou um tesouro numa ilha que era muito bonita.” A professora Carina anda de mesa em mesa, não pára, avisa que no trabalho da dentição é preciso usar fotografias, que é necessário saber em que zona da língua se sentem os sabores, vê alguns dedos no ar, lê textos, corrige erros, indica que é preciso mudar de linha. Lucas Avelar, de sete anos, teve 100% no exercício das sílabas e começa a história. “Gosto de escrever e de aprender muito”, refere.

Nesse dia, o 2.º ano trabalha com os iPad, fones, auriculares e estojos nas mesas, alguns cadernos e poucos livros, esse material está guardado numa estante por baixo das carteiras. Os alunos usam a tecnologia e o plano curricular é seguido como manda a lei. Carina Carvalho, professora da turma, 16 anos de docência, passou do ensino tradicional para o ensino mais tecnológico e nota diferenças. “São imensas. Alunos mais motivados, autónomos, cada um no seu ritmo. Com esta metodologia, cada aluno é um aluno, os alunos não são todos iguais, e cada um dá o melhor de si.” Se um aprende uma matéria em 20 minutos, há outro que pode precisar de uma manhã ou de um dia. E isso é respeitado. “Muito do trabalho é feito no iPad, fazem testes na escola virtual, escrevem com lápis e caneta, nada é descurado, há momentos para tudo. Não nos podemos esquecer que são nativos digitais. Ponto. As tecnologias existem, eles têm tecnologias, cabe-nos formá-los nessas ferramentas”, sublinha.

O 6.º A faz pesquisas nos livros e nos iPad para os trabalhos de História e Geografia de Portugal. Um modelo pedagógico que assenta na inovação

Às dez e meia é hora do lanche da manhã, as aulas vão continuar, no início de outubro, o 2.º ano analisou a música “O meu cão” de Luísa Sobral, fez revisões das dezenas e das unidades, leu lengalengas, voltou às estratégias de cálculo.

Nessa manhã, o 6.º A tem aulas de História e Geografia de Portugal, o professor Pedro Silva anda pela sala de iPad na mão, os alunos estão em grupos a pesquisar como viviam os portugueses na segunda metade do século XIX. É um projeto de compreensão e a pesquisa é guiada. “Fizemos uma abordagem ao tema, temos questões orientadoras, e depois há espaço para a criatividade, para a inovação. É uma aprendizagem única”, comenta o professor.

Ana Margarida, Gustavo Almeida e Dinis Rondon, todos com 11 anos, andam à volta de pessoas importantes da época nos iPad, Bordallo Pinheiro e Gustave Eiffel, preparam o trabalho e a tecnologia é bem-vinda. “É uma maneira diferente e uma forma direta de aprender, dá outra dinâmica”, repara Ana. Gustavo acrescenta com um “já estamos habituados” e Dinis faz uma observação prática. “Nos livros, só podemos virar as páginas, não podemos pesquisar como nos iPad.” É outra coisa, portanto. Ana apresenta outros benefícios. “Cada um pode inspirar-se no que quer, cada um usa a criatividade, há aspetos que nos chamam mais a atenção.” O trabalho começa a ganhar forma, pesquisa-se para escrever sobre os acontecimentos mais relevantes, a apresentação será feita no projetor com animação.

Tomé Oliveira e Carolina Dias, de 11 anos, veem um programa antigo de José Hermano Saraiva, da RTP, seguem para pesquisas de fotografias e textos pelo Google. Tomé Oliveira sabe a história política da altura e que o povo vivia na pobreza. “Os portugueses viviam mal, principalmente no Porto porque havia bloqueio.” Trocam-se ideias e o corpo da apresentação está definido. “Um texto com imagens porque é mais prático e vamos decorar as partes que cada um vai ler.” O professor Pedro Silva vai orientando os trabalhos. “Integramos a tecnologia num processo de aprendizagem que tentamos que seja inovador e em que a inovação e a criatividade sejam estruturantes na sala de aula. É uma confluência perfeita nas aprendizagens e o aluno acaba por estar no centro desse processo.” A aula continua, enquanto, na sala ao lado, os alunos do 6.º B estão em teste, carteiras em fila, umas atrás das outras, alunos com iPad na mão.

Modelo intuitivo, olhos no futuro

A Sala do Futuro fica num outro edifício, ali ao lado, é um espaço multifunções, com biblioteca, um recanto mais descontraído para convívio, cadeiras-secretárias com rodas, ecrã na parede, miniauditório do outro lado da parede. É uma sala para todos os alunos, do 1.º ao 12.º ano. É dia de oficina de trabalho orientado e três grupos do 12.º ano estão prontos para o pitch, apresentação de ideias, partilha dos projetos. Os alunos de Economia e Geografia já sabem o que vão fazer para abordar as desigualdades entre países, questões sociais, economia, pandemia, vacinação. Uma série de cinco episódios, ao estilo Netflix, que será exibida às sextas-feiras no colégio e no YouTube para chegar a mais pessoas. No pitch contam tudo em poucos minutos: selecionaram quatro pessoas de quatro países, Moçambique, Portugal, Estados Unidos e China, que vão abordar os assuntos. O trailer está pronto, as maiores dificuldades, confessam, têm sido os contactos e encontrar informações fidedignas. De qualquer forma, o filme está a andar.

Os mais pequenos aprendem a contar sílabas, veem vídeos sobre regras da estrada, procuram informação sobre dentes

Os alunos de Física e de Aplicações Informáticas debruçam-se sobre a radioatividade, fazem cálculos sobre a massa de urânio necessária para alimentar Portugal durante um ano, querem conversar com cientistas e investigadores, já assistiram a uma conferência da Universidade de Coimbra, tiraram dúvidas com o físico Carlos Fiolhais. A ideia é fazer um programa, semelhante ao Prós e Contras da RTP, em torno das centrais nucleares. O grupo de Biologia e Inglês vai abordar a síndrome de Down, com quatro pessoas que contarão as suas histórias, e quer fazer um jornal digital com o material recolhido.

Os alunos pesquisam, descobrem, aprendem, envolvem-se. Para Fernando Vicente, professor de Física e Química, desenvolver um projeto é desenvolver currículo. “É o desenvolvimento das metodologias ativas. Os alunos trabalham com todas as aplicações e, acima de tudo, desenvolvem a criatividade.” A distinção da Apple traz o selo de escola de inovação, de excelência educacional e de liderança, a única em Portugal e no leque de dez na Península Ibérica. “É um orgulho tremendo, enorme, e veio sustentar as nossas metodologias ativas”, realça.

O Colégio de Lamas apresentou uma candidatura à Apple, a nível mundial, com critérios exigentes, cada aluno ter o seu iPad, um para um, formulário com carateres contados, exigências apertadas. Joana Vieira, diretora do colégio, fala de inovação, colaboração, partilha, sinergias, tecnologias que abrem oportunidades de acesso à informação e ao conhecimento, ao pensamento criativo e crítico dos alunos. “É um projeto integrado, um modelo pedagógico sustentado pela tecnologia que traz mais autonomia, mais interesse, mais entusiasmo e mais integração social.”

Carolina Marinheiro tem 17 anos, está no 12.º ano, chegou ao colégio este ano. “Dá para notar muito a diferença, sempre gostei de trabalhar com tecnologia, tenho todos os cadernos e apontamentos no iPad que uso como ferramenta.” Iniciou o ano letivo assim e a dar asas ao seu lado mais criativo. “Já fizemos imensos trabalhos de grupo, o que me ajudou imenso a estudar para os testes”, revela. O feedback dos colegas é importante, admite, ajuda a melhorar. Rafael Campos, 17 anos, está no colégio desde o 6.º ano, está agora no 12.º, quer ser engenheiro zootécnico, vê na distinção da Apple “um reconhecimento do nosso trabalho.” A tecnologia é essencial. “Ajuda muito, vamos um bocadinho mais além, é preciso gerir muito bem a sua utilização, ter força mental. Tem mais vantagens do que desvantagens.” E a oficina de trabalho orientado está a correr bem, depois de alguns bloqueios iniciais. “É bastante interessante, aprendemos muito, há uma transmissão de conhecimentos entre nós.”

Bruno Rocha tem 17 anos, está no 12.º ano em Ciências e Tecnologias, e sente-se satisfeito com o pitch do seu grupo. “Esta apresentação ajuda-nos nas relações interpessoais, a descobrir outras capacidades, a falarmos em público.”

Corrigir, melhorar, aperfeiçoar

No miniauditório, outro grupo apresenta o trabalho feito em laboratório sobre a velocidade de uma esfera e o seu tempo de queda, atividade filmada para ser vista em câmara lenta e que deu origem a um relatório de duas páginas com vídeos. Ricardo Almeida, do 12.º ano, fala do método. “Nós é que descobrimos as coisas, os professores orientam, não dão a resposta. Temos de pesquisar, saber escolher a informação, utilizamos o iPad como outras ferramentas.”

Os alunos do 12.º ano apresentam ideias e projetos que estão a desenvolver, como uma série de cinco episódios sobre desigualdades sociais, um programa sobre centrais nucleares ao estilo Prós e Contras, da RTP, e um jornal digital sobre a síndrome de Down. Metodologias ativas em primeiro plano no Colégio de Lamas

O aluno é protagonista, as metodologias são ativas e nunca fechadas, a inovação digital é suportada pelos iPad e pelos recursos da Apple Education. Fazer parte da comunidade Apple permite partilhar experiências e práticas com o Mundo, o colégio já participou num encontro à distância com professores da Índia, do Brasil, da Irlanda do Norte.

As métricas usadas são, segundo Joana Vieira, “evidências do sucesso educativo”. Usar o bloco de notas do iPad para aprender a escrever mostra mais motivação e empenho no 1.º ano, trabalha-se a motricidade fina ao usar os indicadores e os polegares no Zoom. Usar o iPad aumenta o entusiasmo pela escrita, não só no número de frases, mas também na complexidade. No 3.º ciclo, antes e depois da utilização do iPad, o colégio constatou “uma evolução em todos os domínios da língua materna” e a possibilidade de combinar palavras, imagens e vídeo foi destacada pelos alunos que começaram a escrever textos mais extensos e 70% passaram a considerar os momentos de escrita como os seus preferidos, quando antes eram apenas 20%. “Relativamente à correção linguística, os alunos, gradualmente, passaram a apresentar menos falhas, especialmente ao nível da ortografia e da acentuação (em média, o número de incorreções baixou de 16 para oito, em cerca de 300 palavras)”, lê-se no relatório feito.

O desempenho da leitura também melhorou, ao ouvirem gravações da própria voz, os alunos têm melhor perceção do que corrigir, do que aperfeiçoar, e os vários indicadores analisados mostram uma evolução de “65% para 80%”. Na Matemática, identificar e construir lugares geométricos não eram tarefas fáceis, o guião de aprendizagem passou então a incluir vídeos tutoriais e filmes com a resolução de casos ligados ao quotidiano. E as melhorias na resolução de problemas matemáticos verificaram-se num salto de 58% para 79%. Os resultados dos exames nacionais do 11.º ano também demonstram que usar iPad, e aplicações associadas, na sala de aula não distrai. Os alunos do colégio alcançaram os “melhores resultados de sempre nestas provas e com uma média superior em pelo menos 20%” relativamente à média nacional.

O Colégio de Lamas perdeu o contrato de associação, o financiamento público a colégios e escolas privadas, em 2017, de 2500 alunos passou para 580 mais 80 em cursos profissionais, depois disso abriu o pré-escolar e o 1.º ciclo, investiu na inovação tecnológica. O que poderia ser um obstáculo foi encarado como uma oportunidade. No ano seguinte, em 2018, o colégio reformulou o projeto educativo com consultadoria da Universidade Católica, a ideia era abandonar o modelo tradicional, que a direção considera “obsoleto e que não responde às necessidades”, para se posicionar na vanguarda, de olhos no que está para vir. “Este modelo pedagógico foi desenhado a pensar nos futuros cidadãos e no impacto que as suas ações terão na construção de um mundo mais sustentável e humanista”, destaca Joana Vieira. Os frutos estão à vista.