Apesar de na maior parte dos casos passar despercebida, a bactéria listeria pode ser particularmente preocupante para grupos de risco. Saiba os cuidados que deve ter.
Por vezes, vem nos vegetais, quando crus ou mal lavados. Ou nos leites e queijos não pasteurizados. Noutros casos, pode estar nos crustáceos, nos mariscos, nos moluscos. Quiçá numa lata de salsichas. Por vezes, está até na carne. Como aconteceu há dois anos, em Espanha, na região da Andaluzia. Na altura, a carne contaminada deu origem a um surto que atingiu mais de duas centenas de pessoas. Três delas morreram. E cinco grávidas tiveram de abortar.
Um episódio incomum (pelo menos nesta escala), mas que serve de alerta para os riscos de uma bactéria extraordinariamente resiliente e versátil. Dissimulada até. Falamos da listeria monocytogenes, que está na origem da listeriose. Ou que pode estar. Porque, como aponta Luís Tavares, coordenador do serviço de Infecciologia do Hospital Lusíadas Lisboa, na maior parte dos casos a pessoa que a contrai fica assintomática. E só podemos falar de listeriose no caso de haver doença.
Mas a ausência de sintomas pode ser traiçoeira, sobretudo nas grávidas. “Nalguns casos, a infeção pode ser transmitida ao feto e causar sépsis no recém-nascido, partos prematuros ou mesmo morte in utero”, alerta o especialista. As grávidas representam, por isso, um dos grupos de risco da doença. Mas não são o único. Pessoas imunodeprimidas ou acima dos 65 anos também correm maior risco de doença grave. Que pode passar por uma encefalite, uma meningite, uma pneumonia, uma sépsis. Eventualmente, conduzir à morte.
Sandra Sousa, investigadora do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (i3S), da Universidade do Porto, que se dedica ao estudo desta bactéria há 20 anos, lembra, a este propósito, que, segundo dados do Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças (ECDC, na sigla inglesa), cerca de “20% dos doentes infetados com doença sistémica [que acontece quando a bactéria ultrapassa as barreiras do intestino e se espalha por outras partes do corpo] morrem”.
E quanto à prevalência? Há boas e más notícias. As boas são que os números são, de uma forma geral, baixos. Os mesmos dados, relativos a 2017, apontavam para um total de 2500 casos confirmados e 220 mortes reportadas nesse ano. As más são que, como vinca o ECDC, os números recolhidos entre 2013 e 2017 dão conta de uma tendência crescente. O que, como salienta Sandra Sousa, pode ser particularmente inquietante tendo em conta o envelhecimento da população. “Porque obviamente o número de pessoas em risco aumenta.”
A investigadora realça ainda que os mais recentes dados evidenciam que, entre as infeções de origem alimentar, as provocadas por esta bactéria são as que têm “um maior custo associado”. Isto porque a doença obriga a antibioterapia – que pode durar semanas, nalguns casos meses – e, por consequência, a hospitalização.
Confunde-se com gripe
Claro que agir precocemente poderia ser uma ajuda importante. O problema é que se trata de um diagnóstico que não é fácil. Porque, à primeira vista, a listeriose dá todos os ares de uma gripe corriqueira. Dores no corpo e febre. Eventualmente, sintomas gastrointestinais como vómitos e diarreias. “É um diagnóstico difícil, sobretudo quando falamos de casos isolados.”
Em caso de surto, a associação torna-se mais óbvia. Luís Tavares recorda, por exemplo, um que ocorreu “há muito tempo” na margem sul do Tejo e que, percebeu-se algures, teve origem num queijo não pasteurizado vendido numa feira no Monte da Caparica.
Mas, então, há forma de escapar à listeriose? Há, pois. Sabendo-se que a infeção se deve à ingestão de alimentos contaminados, o infecciologista elenca alguns princípios preciosos. “Os cuidados na preparação dos alimentos, como a lavagem dos mesmos e a utilização de superfícies limpas, a higiene das mãos, o respeito pelos prazos de validade.” Sendo certo que a higienização na preparação dos alimentos tem vindo a aprimorar-se com os anos.
Sandra Sousa vai mais longe, sugerindo que, para os doentes de risco, a solução pode mesmo passar por evitar certos alimentos: “Fumados, enchidos, salmão fumado, saladas pré-feitas, queijos de pasta mole e as alheiras só se forem muito bem cozinhadas”. Mesmo o fiambre deve inspirar precauções. “No caso das grávidas, é preferível que seja consumido apenas quando embalado por vácuo. Porque as máquinas de fiambre, se não forem muito bem limpas, podem ser um veículo de propagação da bactéria.”
Esta é uma das características perversas da listeria monocytogenes: o facto de ter “propriedades superinteressantes do ponto de vista da microbiologia”, que a tornam particularmente resistente. Daí que as bancadas da indústria alimentar, quando não desinfetadas corretamente, possam constituir um fator de risco acrescido. Mas não só. “Normalmente, as bactérias gostam do quentinho. Conseguem crescer numa gama de temperaturas que vai dos quatro aos 45 graus. O que significa que, se um dado produto estiver contaminado e o pusermos no frigorífico, a bactéria vai continuar a multiplicar-se.” Pode mesmo sobreviver em produtos congelados.
Sandra Sousa, que anda há uma vida a debruçar-se sobre as peculiaridades desta bactéria, assinala outras características que têm tanto de fascinante como de preocupante. “Uma das vantagens da listeria é o facto de conseguir progredir no nosso organismo. Consegue passar [nos casos graves] do interior do nosso intestino para as células, para o sangue, para o fígado e o baço, até para o cérebro. Consegue ir ganhando novas etapas”, explica a especialista, que se tem dedicado precisamente a tentar perceber “o que acontece em cada uma destas etapas”.
E até já tem havido conclusões bem interessantes. “Num passado mais recente, a descoberta mais importante foi o facto de termos [referindo-se à equipa de investigação do i3S que integra] conseguido mostrar que a bactéria não é a mesma, do ponto de vista fisiológico, no início e no fim da infeção. Consegue adaptar-se muito rapidamente aos diferentes órgãos, o que significa que, em diferentes momentos da infeção, os alvos não são necessariamente os mesmos.” Daí que, no caso dos doentes de risco, o ideal seja mesmo mantê-la à distância.