João Gomes Cravinho: o observador

Percurso académico invejável, preparação dos dossiês minuciosa. Calmo, diplomata. Tem um lado inglês e um lado africano. Traça linhas vermelhas, mas nunca se zanga “à portuguesa”.

Em 25 de abril de 1974 tinha nove anos. Pouco perguntou aos pais, porém passou dias agarrado à televisão, interessado no tumulto revolucionário. “Esses dias definem o meu filho: não fez grandes comentários, nem perguntas, apenas não largou a televisão, a absorver tudo o que podia. O João é assim, alguém que observa muito, desde criança”, conta João Cravinho – que foi ministro em três governos -, pai de quatro, “dois rapazes e duas raparigas, todos diferentes, apesar da mesma educação”.

O percurso académico do mais velho da prole é brilhante e reputado: formação secundária na britânica Saint Julian’s School, em Carcavelos, e bacharelato no Atlantic College, em Gales, instituição patrocinado pelos Windsor e por Nelson Mandela, escola com currículo liberal e progressista que junta alunos com background culturais, económicos e étnicos muito diferentes. Depois de um ano no norte da Índia, a ensinar língua e cultura inglesas, o regresso a casa – a mãe é inglesa. Faz a licenciatura em Relações Internacionais na London School of Economics e segue para Oxford, a universidade em que conclui o doutoramento em Ciência Política.

Um percurso que deixa o pai orgulhoso. “Pode surpreender, mas nunca precisei de me zangar com ele, apesar de eu ter critérios muito exigentes. A seriedade e a decência que demonstrava, a boa-fé, mereceram sempre ser consideradas por mim com igual lealdade.”

Seguiu o exemplo paterno. “Nunca vi o João zangado ‘à portuguesa’, nem a relevar coisas sem importância”. Mas, acrescenta, “é combativo e determinado. Nos princípios e no trabalho traça linhas vermelhas que não podem ser pisadas”.

Seixas da Costa, amigo antigo, realça a “excelente preparação académica e nas aéreas em que presta serviço”: a cooperação para o desenvolvimento – “área complexa sobre a qual tem um pensamento”, diz o embaixador – e a Defesa. “O João estuda todos os dossiês com minúcia académica.”

Quando em outubro de 2018 assumiu o Ministério da Defesa, João Gomes Cravinho, responsável pela reforma das Forças Armadas, estava longe de ser um desconhecido do meio castrense. Fora consultor da Instituto da Defesa Nacional e, enquanto secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e Cooperação (2005/2011), mantivera colaboração regular com as chefias militares.

“Tinha o perfil adequado às funções que foi convidado a desempenhar”, afirma Luís Amado. Ministro dos Negócios Estrangeiros à época, lembra um colaborador de “trato muito fácil, com enormes qualidades de caráter e uma educação irrepreensível”. Tímido numa primeira abordagem, “porém, sempre afável e cordato”.

Depois da experiência governativa, João Gomes Cravinho seguiu o caminho da diplomacia. Primeiro, na Índia (2011/2015), depois no Brasil (2015/2018) como embaixador da União Europeia. Um trajeto natural, tendo em conta traços fortes da personalidade do ministro. Seixas da Costa fala de “um homem fiável, que é excelente conversador”. Uma mente aberta, socialista, “mas com amigos num espetro largo”, acrescenta o pai. “O meu filho não é angustiado nem complexado. É bastante calmo e com uma base multicultural boa”. Por isso, acrescenta, “posso defini-lo como alguém que é muito atento ao que os outros dizem, muito dialogante, admitindo uma enorme variedade de ideias”.

Diversas são também as origens, conciliando o lado inglês com o sangue de Zulmira, mãe do pai, a mulher que transmitiu aos netos o passado familiar africano. “É um homem de família”, sublinha João Cravinho. “Apesar de ter vivido muitos anos no estrangeiro, esteve sempre disponível para as reuniões familiares e para longas conversas comigo”.

Contestado pela reforma que quer fazer na cúpula das Forças Armadas, tem estofo para aguentar a pressão, garante o pai. “É verdade que são situações bastante contingentes e até surpreendentes. Mas ele tem de viver o seu tempo e as suas circunstâncias. Discutimos muito, mas sempre no respeito pela sua privacidade”. Dá um exemplo: “Soube que seria ministro um minuto depois de ele aceitar. E acho muito bem que tenha decidido sem me referir assunto”.

Em Oxford, João Gomes Cravinho conheceu a mulher e mãe dos dois filhos – um rapaz e uma rapariga. Gosta de cozinhar para a família refeições simples. De um bom chá. E de correr.

João Titterington Gomes Cravinho
Cargo: Ministro da Defesa
Nascimento: 16/06/1964 (56 anos)
Nacionalidade: Portuguesa (Coimbra)