João de Bragança: em luto e em luta

João de Bragança é presidente da Acreditar - Associação de Pais e Amigos de Crianças com Cancro

Encontrou um sentido para a vida “num grande sofrimento”. Da dor fez uma história. A conversar com amigos: “Não tenho problemas em me expor, em me confessar, em chorar em público”. Aprofundando a relação com Deus. A fé “mais mecânica” transformou-se em fé “mais discernida”. E esse é o milagre em que acredita: “O da transformação das pessoas”.

Em luto ou de luto. “A diferença é enorme. Quem perde um filho será sempre um pai em luto, mas não necessariamente um pai de luto”, diz João de Bragança, passados 20 anos sobre a morte de Madalena, a quem foi diagnosticado um cancro aos 6 anos de idade. Foi em março de 2001, “coincidência ou não” no Dia do Pai. Desde sempre lidara mal com a incerteza, medos que a doença e a morte da filha agravariam. “Nesse mesmo dia, precisei de saber o que podia esperar. Disseram-me que apenas 5% dos pacientes tinha salvação. Acreditei que a minha filha estaria nesses 5%.”

É, porém, “tendencialmente pessimista”. Pai de mais dois filhos – o rapaz tem 34 anos e a rapariga 32 – e avô de quatro netos, a muito custo disfarça a angústia e a ansiedade que o consomem sempre que um deles “tem de fazer análises”.

Encontrou um sentido para a vida “num grande sofrimento”. Da dor fez uma história. A conversar com amigos: “Não tenho problemas em me expor, em me confessar, em chorar em público”. Aprofundando a relação com Deus. A fé “mais mecânica” transformou-se em fé “mais discernida” e esse é o milagre em que acredita: “O da transformação das pessoas”.

Teme a incerteza, resiste e combate a mudança. De uma família aristocrática, assume o conservadorismo “político e de valores”, a convicção monárquica e a educação regrada – na escola alemã, no liceu de São João do Estoril e em casa. O avô, o poeta de fado António José Manuel de Bragança (1895 – 1964), autor, entre outros, do Fado das Horas, e o pai, Segismundo Caetano da Câmara de Bragança, que perdeu recentemente, funcionário da TAP e violista amador de reconhecido mérito, primo de Vicente da Câmara, foram os últimos a usufruir do nome. “Eu não. Não fui educado numa ideia de privilégio material até porque não tínhamos.” Dos antepassados guarda o gosto musical – junta ao fado o tango e a morna – e pelas corridas, tendo sido crítico tauromáquico no desaparecido “O Dia”.

Admite excesso de inflexibilidade para com ele e para com os filhos, de quem é muito próximo. “Resultado da insegurança”, admite, gosta de controlar tudo, porque se controlar “está tudo bem”. Raramente se expõe ao risco. Por isso, apreciador de jogos de cartas, prefere king ao póquer.

Francisco Quintela é há décadas parceiro de jogo. “O João é uma pessoa cautelosa, mas muito profunda, capaz de grande reflexão. Gosta de estar sozinho, de viajar sozinho, é capaz de sozinho se governar numa casa.” Assume o lado conservador do amigo: “Luta pelos valores, pela família, basta ver como lutou para salvar o casamento”, que acabaria por soçobrar dois anos depois da morte de Madalena. Francisco Quintela retrata um “homem nostálgico que vive por vezes do passado, muito próximo dos filhos”.

Madalena morreu a 4 de novembro de 2001. Dois meses depois, foi convidado para a direção da Acreditar. Um homem em luta, pedindo agora 20 dias de luto pela morte de um filho. Porque “uma vida não cabe em cinco dias”, a semana que a lei determina. A posição da Acreditar é antiga, consensual, mas o pedido nunca chegou a bom porto. Por isso, em vez de sensibilizar os legisladores, a associação aposta agora nos portugueses, com uma petição já assinada por 150 mil pessoas.

O convite para a direção da Acreditar partiu do casal Corrêa Nunes, Ana e João. “É muito voluntarioso, inteligente, solidário e com uma grande facilidade de comunicação.” Para João, estas são as principais mais-valias do amigo, reconhecidas em Portugal e no estrangeiro. Eleito presidente da Acreditar em 2007, lidera desde há um ano a Childhood Cancer International, federação que representa mais de 170 organizações de oncologia pediátrica em mais de 90 países, em 5 continentes.

É, frisa João Corrêa Nunes, “um homem contido, alguém que nunca vi irritado”. Nem mesmo quando se confronta com alguma “incompreensão”. “Nesses momentos lembra apenas que nada do que pedimos é para nós.”

João Maria Lencastre de Bragança
Cargo:
presidente da Acreditar – Associação de Pais e Amigos de Crianças com Cancro
Nascimento: 11/01/1958 (63 anos)
Nacionalidade: Portuguesa (Lisboa)