Nos últimos cinco anos, o mercado global dos influenciadores digitais aumentou oito vezes. As marcas veem neles um veículo para passar uma mensagem mais autêntica, um meio de crescer de forma mais orgânica e menos dispendiosa. Eles respondem com publicações e seguidores, com cuidados rigorosos também. Mas já há transformações de fundo a desenharem-se.
Era 2014, final de 2014, quando a portuense Joana Vaz, então a concluir um mestrado em Arquitetura, se deparou com um desafio inusitado. Pela primeira vez, uma marca fazia-lhe chegar roupa, na premissa de ela mostrar nas redes sociais como conjugaria as peças. “Lembro-me que fiquei histérica. Como assim, estavam a oferecer-me roupa para fazer aquilo que eu já fazia no dia a dia há algum tempo, de forma espontânea?”. Até aí tudo não passava de um hobby. Um hábito de partilhar no Facebook os looks do dia, alimentado pelo incentivo das amigas e as muitas peças de roupa que ela própria comprava. 2021. Só no Instagram, Joana Vaz tem mais de três mil publicações e já superou a barreira dos 360 mil seguidores. Há cinco anos que faz da vida de influencer um trabalho a full-time, é rosto de marcas nacionais e internacionais, participa em grandes eventos de moda, é reconhecida e abordada na rua para tirar selfies. A narrativa em jeito de “fast forward” serve de cartão de visita a uma tendência incontornável, que se tem intensificado nos últimos anos: a aposta das marcas nos influenciadores digitais como forma de promoção dos seus produtos.
Ana Roncha, diretora do mestrado em marketing estratégico de moda no London College of Fashion (University of Arts), aponta dados do portal Statista para confirmar isso mesmo. Em 2016, a indústria dos influencers representava globalmente cerca de 1,5 mil milhões de euros. Em 2021, está na ordem dos 12 mil milhões. “Se andarmos um bocadinho mais para trás, conseguimos ver que os bloggers começaram a fazer isso em 2009, 2010 [a nível internacional]. Mas é nos últimos cinco, seis anos que temos notado um crescimento mais acentuado.” Em Portugal, a tendência chegou, como quase sempre, ao ralenti. Joana Vaz conta que, em 2013, quando ousou passar da partilha de looks diários no Facebook para o blogue “Cookies and Trends”, já seguia várias bloggers internacionais, mas no nosso país os exemplos escasseavam. “Cá só seguia a Mafalda Castro e a Vanessa Santos.” O blogue Pipoca Mais Doce, de Ana Garcia Martins, ainda hoje uma das mais mediáticas influencers portuguesas, também já existia fazia tempo. Só que, na altura, até a simples partilha diária de fotos de looks era vista com alguma estranheza. “Recebia várias mensagens e comentários a perguntar de onde eram as peças. Mas, no início, também passei por aqueles momentos de vergonha, de ouvir comentários como ‘olha aquela que tira fotografias para o Facebook’.”
Joana fez ouvidos moucos. Mesmo que, a princípio, a ideia não passasse de todo por fazer daquilo caso sério. “Em Portugal, a ideia de haver pessoas a trabalhar nas plataformas digitais a tempo inteiro ainda era uma realidade muito longínqua. Não havia marcas a investir nisso. Continuavam a preferir a publicidade na imprensa e na televisão.” Mas o blogue foi um sucesso. E a entrada no Instagram também (chegou aos dez mil seguidores quase instantaneamente). A partir daí, foi uma bola de neve a fazer-se maior e maior. Ao ponto de em 2016 se ter despedido do trabalho que tinha – era “buyer” de uma marca portuguesa de acessórios de moda – para se dedicar a tempo inteiro a ser influenciadora. Quando tomou a decisão, as parcerias com as marcas já lhe valiam um extra generoso. Ao fim de três meses, já dava para viver só daquilo. E a trajetória ascendente foi de vento em popa. Cinco anos depois, já perdeu a conta às marcas com que trabalhou. Àquelas a que deu um redondo não também (“se perceber que há algo que não faz sentido para mim, não faço”). E até se orgulha de já ter lançado coleções com assinatura própria, em parceria com várias marcas portuguesas. De óculos de sol, de joias, de linhas de roupa também.
Democratizar e amadurecer
Para Rui Catalão, professor de branding no curso de marketing de moda da Lisbon School of Design, o boom dos influencers não é mais do que um passo natural num mundo que, de alguma forma, sempre os teve. “Primeiro eram as editoras de moda, pessoas altamente sensíveis à parte estética. Nas próprias passagens de modelo, esta ideia do influencer já estava muito presente. O mundo da moda tem esta enorme capacidade de estar ‘avant-time’, não só em relação às tendências de moda, mas também em relação às tendências que constroem o Mundo em que vivemos. Só ainda não existiam as ferramentas que permitiam mostrar esta capacidade de influenciar.” É aqui que entra o papel das redes sociais. “Entretanto, o Facebook traz um processo de democratização, abrindo o mundo da moda a pessoas que tinham imenso gosto e perceção sobre o que iriam ser as tendências, dando-lhes voz. E acho que é isso que faz toda a diferença.” É neste contexto que surgem as chamadas “hit girls”. “Miúdas que não são modelos, nem são sequer personagens mediáticas, mas que pelo seu estilo e forma de estar se tornam modelos a seguir, criando legiões de fãs.” O fenómeno não se cinge ao sexo feminino, mas é inegável que o número de mulheres que se destacam nesta área é muito superior.
Também Ana Roncha entende que os influencers surgem numa lógica de massificação. “Surgiram para democratizar o acesso às marcas e a uma indústria que continua a ter uma aura mais elitista. A partir do momento em que sigo uma determinada pessoa e ela me está a mostrar imagens, acabo por viver aquilo através dela. Para as marcas, é uma forma de conseguir crescer de forma mais orgânica e menos dispendiosa, porque os anúncios saem mais caros.” Além de que os influenciadores permitem às marcas colocar o conteúdo de forma autêntica. “Conta-se uma história, de forma mais fluida, e a mensagem passa de forma mais genuína e real. Há uma procura crescente pela autenticidade e eles oferecem isso às marcas.”
O que também tem tudo que ver com um certo “amadurecimento do consumidor”, processo que, como realça Rui Catalão, tem acompanhado a história da publicidade. “A maturidade só aparece com o evoluir dos anos. Nos anos 1990, surge um certo clima de suspeição e os influenciadores acabam por ser o culminar desta tendência. Passa a ser mais importante aquilo que o outro acha do que o que a marca diz. O Tripadvisor [site de viagens que é uma plataforma de partilha das opiniões dos vários utilizadores] é um exemplo claro disto. Valorizamos mais a opinião do outro, o peer-to-peer [pessoa para pessoa, na tradução literal], mesmo que seja desconhecido.”
As próprias marcas reconhecem isso. A Yves Saint Laurent Beauty (segmento da marca francesa que vende perfumes, maquilhagem e produtos de ‘skin care’), de que Joana Vaz é embaixadora, admite que aposta em influencers “numa ótica de proximidade com os consumidores”, escolhendo para isso figuras que tenham “uma voz ativa nas áreas da arte, moda, empreendedorismo e empowerment feminino”. A YSL Beauty acrescenta que estas se têm revelado “um pilar fundamental” no trabalho de divulgação da marca e dos seus produtos junto das respetivas comunidades. Já a Giovanni Galli, marca de referência no panorama nacional da moda masculina, vinca que os influenciadores lhe permitem “chegar mais perto dos seguidores”. “No sentido em que as nossas peças são apresentadas em contextos reais, versáteis e muito mais similares ao dia a dia do homem português.” Por isso, adianta o departamento de marketing da empresa, “o influencer tem autonomia para escolher as peças que mais se identificam consigo e que, por consequência, vão ao encontro dos gostos do seu público, sugerindo, por vezes, combinações inesperadas e com o exato toque de moda”. Habitualmente, trabalham com um influenciador por estação.
Influencer desde o balneário
Na última, o escolhido foi Bruno Martins, 27 anos, natural de Esposende e residente em Braga. Ou outro caso de um anónimo que, à custa das redes sociais e do marketing digital, se fez íman de seguidores e figura apetecível para as marcas. Para Bruno, influencer em part-time, a outra parte do tempo vivida como barbeiro, o destino começou a desenhar-se algures entre o balneário das equipas de futebol de formação do Sporting de Braga e a queda da avó para a costura. “Desde muito novo que ela me fazia peças exclusivas e que tinha pessoas a abordarem-me a perguntar de onde eram as peças que eu usava.” O facto de sempre ter tido um fascínio por roupa também fez ao caso. E a pontinha de vaidade também. “Se calhar foi por isso que não fui mais longe no futebol”, brinca. Primeiro, foi então uma espécie de influenciador do balneário. “Os meus colegas costumavam pegar comigo e dizer que não ia treinar, ia para uma passarela.” Ainda chegou a ser profissional pelos bracarenses (na equipa B), mas logo percebeu que “o futebol é um mundo um bocado complicado, afunilado”. Foi então tirar o curso profissional de barbeiro.
Pelo meio, começou a investir no Instagram. “Ia partilhando os meus looks diários, tirava fotos ao espelho, nada de especial”. Até que várias páginas onde se partilham ideias de outfits começaram a reproduzir as publicações dele. E o número de seguidores a crescer. Enquanto isso, fazia questão de estar a par das tendências. Pesquisava imenso sobre tudo o que dizia respeito ao ex-futebolista David Beckham. Ou sobre feiras de moda. Como a Pitti Uomo, em Florença. Até que uma marca de relógios estrangeira lhe enviou um email a propor uma colaboração. Remunerada. Era o início de uma nova fase. A partir daí, a preocupação em criar conteúdo de qualidade foi uma constante. Primeiro, com a máquina que a mãe usava para lhe fotografar os jogos de futebol. Depois, com um amigo que é fotógrafo. E sempre com algumas premissas de que não abdica: a máxima de só aceitar trabalhar com marcas de produtos com as quais se identifica e que lhe dão liberdade criativa na produção de conteúdos, a aposta nas cores neutras, o cuidado com a imagem, a preocupação com a qualidade em detrimento da quantidade.
Tudo fatores que vão impactar na forma como os marcas (ou os estilistas) o veem. Gio Rodrigues, designer português de 46 anos que volta e meia “veste” este influencer, atesta isso mesmo. “Não me interessa tanto o número de seguidores, mas mais a qualidade dos seguidores. O tipo de seguidores que consome mais a qualidade da fotografia, por exemplo. Um influencer que tenha cuidado com tudo o que publica, um registo sempre equilibrado, que trabalhe com marcas de qualidade. Porque à partida os seguidores dele vão ter o mesmo perfil.” Para “As Coisas pelo Nome, Lda”, distribuidora e importadora em Portugal da marca italiana Fracomina, que tem uma colaboração anual com Joana Vaz, “a influencer tem acima de tudo de transmitir credibilidade, dentro do perfil de marcas que comunica”. “Ou seja, ser fiel a ela própria, tendo um ADN coerente em toda a sua comunicação e não comunicar marcas com as quais não se identifica ou que sejam concorrentes entre si.” Na perspetiva da Kaoâ, marca de roupa portuguesa que garante dirigir-se a “mulheres modernas e independentes”, os critérios que ditam a seleção dos nomes que trabalham com a marca “estão em constante evolução”. “Procuramos trabalhar com influencers que a nosso ver transmitem aquilo que nós, enquanto marca, também defendemos, com conteúdos e linguagem muito autênticos e que atinjam públicos que sejam vantajosos para a marca”.
O futuro é “micro”
A questão da autenticidade promete, de resto, desempenhar um papel cada vez mais decisivo. “Vamos chegar a um momento em que a veracidade do influencer vai ser posta em causa”, antecipa Rui Catalão. “Porque cada vez se tem mais a noção que o influencer recebe para promover um dado produto. Os influencers que serão valorizados no futuro são os que assumem verdadeiramente a sua storytelling [a arte de contar histórias]. Isso vai ser totalmente definidor.” Uma previsão que está em linha com algo que já está a acontecer noutros países e que é destacado por Ana Roncha, há nove anos a trabalhar em Londres. “Neste momento, estamos já a assistir a uma inversão. As marcas que têm parcerias com influencers optam cada vez mais por trabalhar com microinfluencers, em vez de trabalharem com as megainfluencers. Têm menos seguidores, mas uma rede mais fiel, muito por causa desta questão da autenticidade. E conseguem engagement rates [taxa de interação com os conteúdos] melhores. Atualmente, no Instagram, esta taxa é de 3,4% nas microinfluencers e de 1,3% nas macro. No TikTok, onde este fenómeno também tem crescido, ainda se nota mais a diferença: 18% nas ‘micro’ e 5% nas ‘mega’.”
A especialista salienta ainda que em grandes mercados como o inglês ou o americano já há uma tendência para apostar menos em “pessoas que cresceram como influencers” e mais em “pessoas com outros backgrounds, como stylists, jornalistas, DJ’s”. “O termo influencer começa a ser curto. Em breve surgirá outro nome para designar estas pessoas.” Apostas que, analisa Ana Roncha, têm muito que ver com uma certa “overdose” destas figuras. Tanto mais quanto a profissionalização é cada vez maior. Hoje, já há agências que trabalham unicamente com influencers (tendência que de resto já chegou a Portugal) e plataformas de matchmaking entre influenciadores e marcas. E até já começa a ser possível comprar os produtos das marcas através das páginas destes produtores de conteúdos digitais. Não acredita, por isso, que “a bolha vá rebentar”. “Está é a assumir contornos diferentes.” Rui Catalão concorda. “É um caminho sem volta.”
* A “Notícias Magazine” contou com a colaboração do hotel InterContinental Porto – Palácio das Cardosas na realização da produção fotográfica com os influencers Joana Vaz e Bruno Martins