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Herdmar, os talheres que ditam tendências e falam de amor

Maria José Marques e Fernando Castro, mãe e filho, pertencem às terceira e quarta gerações da família na Herdmar. A quarta geração - seis elementos - assumiu em 2020 a administração (Foto: Pedro Correia/Global Imagens)

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Já lá vão 110 anos e quatro gerações da família que viu uma fábrica nascer num moinho nas Caldas das Taipas. Hoje, a Herdmar é uma das maiores produtoras de cutelaria do Mundo. E as facas, garfos e colheres que saem da cidade berço continuam a ser inovadores, ano após ano.

O caminho até chegar aos talheres pretos, pioneiros, e que em 2008 puseram a Herdmar nas bocas do Mundo, foi de tentativa e erro. A tentar encontrar o preto perfeito, a empresa de cutelaria das Caldas das Taipas, Guimarães, tropeçou numa versão arco-íris que acabou a testar, em jeito despretensioso, numa feira internacional. Foi o acaso que levou as facas, os garfos, as colheres “rainbow” da cidade berço a chamarem a atenção de quem gere as lojas do MOMA, em Nova Iorque e Tóquio. Como foi o acaso que levou o comprador de talheres da Casa Branca, no mandato de Barack Obama, a engraçar com os da marca portuguesa.

Mas a história de um dos maiores produtores de cutelaria do Mundo e o mais antigo de Portugal – é Fernando Castro, bisneto do fundador, quem o diz – faz-se mais de amor do que de acasos. Vive da paixão que corre nas veias de uma família inteira. De quem fala de talheres como da vida. Uma marca a celebrar 110 anos e a passar o testemunho da terceira para a quarta geração. Dos netos para os bisnetos de Manuel Marques. O homem que, em 1911, não quis a lavoura e agarrou em 50 escudos para começar a produzir facas num moinho arrendado, nas margens do rio Ave.

“Aproveitava a força motriz da água para fazer as maquinetas funcionar. A água serve para usar na tempera dos aços. É o que lhe dá flexibilidade”, explica Maria José Marques, a neta. As águas termais, como ali há, são denominador comum na cutelaria, permitem o arrefecimento gradual dos aços. Pelo Mundo, onde há zonas termais, há fábricas de cutelaria.

Das facas para os garfos e colheres, foram os filhos de Manuel, José e Abel, a começar a vender de porta em porta. A pé, de carro de bois. Enquanto as filhas cozinhavam para os trabalhadores. Em 1950, já contavam 28 funcionários. Só depois da morte do fundador, em 1959, é que a marca passou a chamar-se Herdmar (Herdeiros Marques) e começou a levar os talheres além-fronteiras. “O meu avô era muito comunicativo e as relações fortes que manteve, na altura por carta, com ex-funcionários que foram para as ex-colónias combater permitiu começar a vender em África”, conta Fernando Castro. Não é à toa que o elefante foi um dos primeiros logótipos da marca.

Sem saber línguas, José Marques ainda se aventurava em feiras no estrangeiro para comprar máquinas e vender produtos. “Fazia negócio com todos os empresários do Mundo, da Alemanha, da União Soviética. Ia sozinho e chegava com os negócios feitos”, lembra a filha Maria José Marques.

Tem 65 anos, é a mais velha de sete. Em miúda, passava as férias da escola a “arrumar talheres nas caixinhas” e a traduzir cartas. José queria mostrar-lhe o que custa a vida e acabou a despertar-lhe a paixão. A ela e aos irmãos que o pai, “muito inteligente”, dividiu por departamentos. A área internacional era de Maria José. Nos anos 1980, já falava inglês, francês, italiano. “Tenho memórias muito caricatas. Desde uma bomba num aeroporto na Índia a um assalto no Rio de Janeiro.” As viagens deram-lhe mundo. Hoje, a Herdmar veste as mesas de mais de 75 países, 90% da produção é para fora. Maria José Marques aprendeu que os asiáticos gostam das peças mais pequenas e dispensam a faca e que os americanos não usam colher de chá nem de café.

O design: um passo à frente

Mais do que utensílios, a Herdmar vende complementos de moda para a mesa. A nova geração, de que Fernando Castro, filho de Maria José, faz parte, tem dedo nisso. Entrou na fábrica na segunda-feira seguinte a acabar a formação em Gestão e em Marketing. Tem 31 anos. O sangue novo somou design. A sobrevivência, a tentar competir com os asiáticos, obrigou-os a serem criativos. “Era impossível ombrear com aqueles preços. Então, arranjámos uma nova forma de nos distinguir.”

Já em 1968 a marca tinha sido pioneira em talheres estampados, mas os tempos forçaram-nos a estar sempre um passo à frente. Talheres pretos, dourados, com cristais Swarovski, cortiça, glitter, com cabo em cerâmica. A cada ano, três novas linhas, um investimento que pode chegar aos 200 mil euros. Ditam tendências. “Ninguém apresenta a nível mundial tantas tendências como nós.” E acumulam prémios. O German Design Award, o European Product Design Award, o Tableware Awards of Excellence.

O foco da anterior geração era produzir e vender. Em casa dos pais de Fernando, os talheres são dos mais baratos que saem da fábrica da família. Na casa dos avós, chegava a encontrar talheres da concorrência. A gaveta dele já é diferente. “Tem mais de 30 modelos, levo para casa para experimentar.” Testa os que podem vir a estar nos novos aviões presidenciais Air Force One dos EUA e os que levaram a Louis Vuitton a ligar para os ter nas suas lojas. Ou os que produzem para gigantes como a H&M e Zara Home.

A loja online depois da luta de gerações

Daquela fábrica, na freguesia de Barco, onde trabalham 110 colaboradores, saem entre 50 a 60 mil peças por dia. E ainda se abrem as portas à academia. Universidades do Minho e de Aveiro, Faculdade de Belas Artes de Lisboa vão ali beber da criatividade que vem de fora. Na Herdmar, a alma é o segredo do negócio. E o sangue. Nem tudo é bom. Saturam-se uns dos outros, discutem. Maria José ainda se lembra de irem todos almoçar a casa da sua mãe. “Um dia, ela zangou-se por estarmos sempre a falar de trabalho e disse que não dava mais de comer a ninguém.”

Mas a família segura-se, unida, ao fim de 110 anos. Mesmo com lutas de gerações, como aquela que os mais novos travaram para abrirem a loja online. Conseguiram, em 2018. A primeira vez a vender diretamente ao público, sem distribuidores pelo meio. A nova geração sabia que o caminho era por aqui. E tudo é possível. Comprar à unidade, costumizar. Há faqueiros clássicos, para o dia a dia ou modernos. Dos 60 aos milhares de euros.

A quarta geração assumiu a administração em novembro. Fernando, o irmão Manuel e os primos Clara, João, Carolina e José Pedro estão a espremer todo o conhecimento antes de a terceira largar de vez. Maria José vai embora, 44 anos depois. Ela e os irmãos José, Abel e Mário. Mas bem sabe que “isto está nos genes” e que vai continuar a lá ir. Os mais novos só querem fazer a Herdmar chegar aos 150 anos.

Manuel Marques fundou a empresa que é hoje uma das maiores produtoras de cutelaria do Mundo
(Foto: DR)
A Herdmar começou a sua atividade, em 1911, num moinho, instalações rudimentares onde funcionou durante oito anos
(Foto: DR)

(Foto: DR)

(Foto: DR)
A fábrica das Caldas das Taipas foi pioneira a nível mundial nos talheres de cor preta, que levam uma camada de titânio sobre o aço, sendo muito resistentes. O modelo Grace é o mais recente
(Foto: DR)
Maria José Marques e Fernando Castro, mãe e filho duas gerações da mesma família na Herdmar, empresa portuguesa de cutelaria a comemorar 110 anos
(Foto: Pedro Correia/Global Imagens)