A saída de uma empresa não é só um ponto final, pode bem ser um momento de personal branding. Guia de boas práticas para se despedir da melhor maneira.
Foi há mais ou menos um ano que o bracarense Kevin Azevedo, 26 anos, deixou a equipa de apoio ao cliente da IKEA, onde trabalhou durante quatro anos e meio. Primeiro, surgiu-lhe uma proposta, num ramo completamente diferente. Ele não comentou no trabalho, tirou um tempo para pensar sobre o assunto, andou a matutar e lá decidiu que queria aceitar. Assim que chegou a uma conclusão, convocou uma reunião com os chefes diretos para lhes comunicar a decisão. “Disse-lhes que era uma oportunidade para mim e que precisava daquilo para dar um passo em frente. Eles concordaram e desejaram-me toda a sorte do mundo.” Fez questão de deixar bem claro que tinha gostado da experiência e que não tinha qualquer problema com a empresa. E, seguindo a lei, deu dois meses à casa, mesmo que para isso tenha andado a conciliar o velho trabalho com o novo. Avisados os chefes, começou a contar aos colegas de equipa, uns dez. Como trabalhavam com horários desfasados, não os pôde juntar. Mas ia contando à medida que se encontravam, sempre presencialmente. Reconhece que, mesmo na hora de adeus, tentou sempre deixar uma boa impressão, para não fechar de vez aquela porta.
Com mais ou menos consciência disso, Kevin seguiu grande parte das boas práticas que se devem adotar na hora de pôr fim a uma experiência laboral. Um momento que está longe de ser um ponto final sem relevância futura. “É preciso ver que a nossa atratividade no mercado decorre do nosso personal branding, uma construção diária que deve ser cuidada também no momento da saída”, sublinha Artur Queirós, especialista em psicologia do trabalho e das organizações e sócio-gerente da Alento, empresa que trabalha na área de gestão de pessoas, nomeadamente ao nível da gestão pessoal de carreira. Por isso, realça o psicólogo, “o modo como a comunicação é feita [no momento da saída] é fundamental”. “Deve ter critério e sentido estratégico, no sentido de perceber o melhor momento. O ideal é que a pessoa faça uma saída que deixe vontade à organização de a voltar a receber”, especifica Artur Queirós, também consultor da Ordem dos Psicólogos na área da gestão pessoal de carreira. Acrescenta ainda que a saída “não deve ser vista como um ato de desligamento, mas sim como um ato natural de gestão de carreira”.
Transparência, sempre
E como se faz isso? Vamos por partes. Primeiro, a comunicação da decisão. Que deve ser feita ao departamento de Recursos Humanos (também designado de departamento de gestão de pessoas) ou às chefias diretas, consoante a lógica das organizações. O especialista dá um exemplo. “Se os motivos da saída forem benignos e houver uma boa relação, fará sentido falar com as chefias diretas. Se houver uma má relação, faz sentido recorrer a essa parte mais instrumental ou operacional da empresa.” Num plano ideal, explica, o departamento de Recursos Humanos da empresa deve promover a chamada “entrevista de saída”. “É um momento em que a empresa ouve e pode tentar demover a pessoa dessa intenção, mostrando as expectativas que deposita nela.”
Mas, claro, em muitos casos não funcionará assim. Há princípios que devem ser transversais a todas as situações. Carolina Santos, business partner da Adecco Portugal, empresa de soluções de recursos humanos, defende que a decisão “deve ser comunicada às chefias com transparência total e indicando os motivos que levam o profissional a sair e a procurar outro desafio”. Chama ainda a atenção para um erro comum. “Frequentemente, as pessoas falam com os colegas antes de comunicarem às chefias a saída da empresa, o que não é de todo desejável, pois pode provocar um sentimento de inquietação e ansiedade nas equipas.” Nesta lógica, a comunicação da saída aos colegas (já lá vamos) deve ser articulada com as chefias.
Há ainda uma outra questão, que se prende com a passagem de trabalho. “Devem evitar-se interrupções em processos ou projetos em curso. Preservar uma imagem de responsabilidade no mercado em que se trabalha é uma mais-valia nas carreiras profissionais. No fundo, deixar a ‘casa arrumada’.” Artur Queirós também enfatiza esse aspeto. “Importa que quem sai garanta que a próxima pessoa tem tudo o que necessita para dar continuidade ao trabalho e que a direção da empresa tem liberdade para falar com ela sobre o que seja preciso.” Quanto ao timing ideal, depende. “Quando é uma relação saudável, quanto mais cedo melhor. Quando há uma relação tóxica, por vezes tem de haver algum sentido estratégico para proteção do próprio trabalhador. Aí, pode fazer sentido aguardar até ao limite legal.”
Emails gerais? Esqueça isso
Voltando à comunicação da decisão aos colegas, também há regras a seguir. A primeira é evitar aqueles emails que seguem para as dezenas de trabalhadores da empresa, desde o colega mais próximo à pessoa que se desconhece por completo. Isso mesmo salienta Carolina Santos, da Adecco. “Enviar emails gerais não é a forma acertada de comunicar a saída de uma empresa, pois podem gerar discórdia, sentimentos negativos, instabilidade ou ansiedade. Organizar um encontro com os colegas mais próximos será uma opção muito mais adequada.” Nota ainda que “depois de comunicar a saída às chefias, pode ser desejável enviar um email aos colegas mais próximos e deixar os contactos pessoais, caso seja essa a vontade do profissional que está de saída.” Também Artur Queirós entende que o ideal é “fazê-lo pessoalmente”, porque isso “tira espaço para o vazio da informação, para que as pessoas se perguntem se se passa algo na empresa”. E em relação aos clientes ou às pessoas externas à empresa com quem lidamos habitualmente, também lhes devemos comunicar a decisão da saída? “A pessoa pode fazê-lo desde que seja com o acordo explícito da organização em que está. Por uma questão de estratégia interna e externa, a empresa pode considerar que não é útil. E se a pessoa que sai o fizer tal pode ser entendido como uma deslealdade. A comunicação deve estar sempre alinhada com a estratégia organizacional da empresa.”
Por fim, há outro princípio fundamental, que deve ser seguido, independentemente dos motivos da saída ou de eventuais relações tóxicas que possam existir. “Seja dentro ou fora da empresa, o que outros devem ver sempre é alguém que está a conviver bem consigo, com a organização e com o seu futuro. Alguém que tomou uma decisão, que guarda coisas positivas, que comunica coisas positivas e gera atração no mercado.” Nunca, portanto, sair a dizer publicamente mal da empresa, dos colegas ou das chefias. “É fundamental lembrar que uma atitude menos correta no processo de saída de uma empresa é suficiente para arruinar uma carreira profissional, por muito meritória que tenha sido ao longo de anos”, remata Carolina Santos. É o tal “personal branding”.