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Guia para ensinar o bebé a dormir

Um dos fatores cruciais é saber construir uma rotina adequada

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Sim, a genética também dita a probabilidade de noites mais tranquilas. Mas há ferramentas a ter em conta. Saber fomentar o gosto pelo sono, as rotinas e a autonomia é meio caminho andado.

Há expressões que vamos reproduzindo por hábito, sem pensarmos na mensagem errónea que podem encerrar. A de “dormir como um bebé”, tão frequentemente usada como sinónimo de uma noite de sono plena e retemperadora, é uma delas. Porque, ainda que possa acontecer, não é expectável que um bebé durma uma noite completa desde cedo. E esta é uma das primeiras “regras” a ter em conta quando abordamos o sono dos mais pequenos – no fundo, a gestão de expectativas. Isso mesmo sublinha Andreia Neves, cardiopneumologista especialista em sono pediátrico. “Prepararmo-nos para a maternidade é também saber o que esperar em relação ao sono do bebé. Dois bebés de três meses podem ter padrões de sono completamente diferentes e, ainda assim, estarem ambos dentro de um padrão normal. É importante que tenhamos uma expectativa ajustada, para não encararmos como problemas coisas que não o são.”

Os múltiplos despertares noturnos, por exemplo. “Até ao ano, é comum que os bebés não consigam dormir uma noite inteira e que tenham fases em que acordam imensas vezes durante a noite e façam sestas mais curtas durante o dia”, resume a também investigadora da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e autora do livro “O sono do meu bebé”. “Esta irregularidade é algo normal.”

O que não quer dizer que tudo seja aceitável. “Deve existir uma melhoria progressiva, no sentido de os despertares noturnos começarem a diminuir. Mas uma criança de dois anos que não faça noites completas por rotina deve ser avaliada.” Nestes casos, assinala Andreia Neves, há três explicações possíveis: podem estar em causa questões comportamentais (da criança ou dos pais, mas já lá vamos), patologias de sono ou problemas que não sendo de sono o podem afetar. Como o refluxo, a epilepsia, as alergias alimentares ou as doenças respiratórias. Um destes casos entrou-lhe pelo consultório adentro há mais ou menos um ano.

Vivian Santos, bracarense de 41 anos, teve Mariana há quase dois, um sonho a ganhar forma, horas de pesadelo também. “Começou logo muito mal. Chorava muito, dormia muito pouco e por exaustão. E acordava sempre a berrar.” Vivian fartou-se de correr médicos. Até que uma desconfiou que a menina fosse alérgica à proteína do leite de vaca (que ingeria através do leite materno). E acertou na muche. As horas intermináveis de choro eram pois resultado das cólicas que não davam tréguas. Mas Mariana continuou a acordar inúmeras vezes. Até que a mãe recorreu a uma consulta do sono do bebé. E uma actigrafia (dispositivo que mede a qualidade do sono) revelou um número absurdo de despertares e micro despertares. “Uma pediatra passou uma bomba, daquelas para os asmáticos. Na primeira vez que usei, a minha filha dormiu a noite inteira. E desde os 15 meses que vai para a cama pelo próprio pé e dorme 12, 13 horas por noite.” Mas, destaca Vivian, a serenidade rotineira das noites não chegou sem uma série de cuidados.

Os mitos da claridade e do barulho

É aqui que o papel dos pais pode ser diferenciador. Andreia Neves, certificada pela European Sleep Research Society, lembra que a primeira dica passa por “desconstruir um conjunto de mitos enraizados sobre o assunto”. “A ideia de que de dia se deve dormir com claridade e barulho é um disparate total. Só vai resultar num sono de má qualidade e mais fragmentado. Outra ideia errada é a de que se o bebé não dormir de dia vai dormir melhor à noite. É exatamente o contrário. Sendo que tão importante como o tempo que o bebé dorme, é o tempo em que está acordado.” Um bebé de seis meses, por exemplo, não deve passar mais de três horas acordado.

Outro fator crucial é saber construir uma rotina adequada. “Se tenho uma criança que acorda às 6 horas, não a posso deitar à mesma hora que outra que acorda às 9. Se calhar tenho de a deitar às 19 ou às 20 horas.” Cumprir horários é uma regra de ouro, sobretudo a partir dos nove meses. Tal como fomentar a autonomia da criança. Que é, como quem diz, ajudá-la a ter as suas próprias ferramentas para adormecer (ou readormecer), sem uma intervenção direta dos pais. Mas tudo a seu tempo, defende Andreia Neves. “A autonomia deve ser estimulada no momento certo. À partida, quando começam a ter mais mobilidade [a virarem-se sozinhos, por exemplo], estamos numa fase boa para começar a estimular a autonomia do sono.”

“Cada um diz quando está pronto”

Já Helena Cristina Loureiro, pediatra e especialista em sono, advoga que a ideia da autonomia deve estar presente na mente dos pais desde sempre. “Sou muito defensora de que se deve dar todo o colo possível. Mas idealmente, na hora de dormir, a criança deve ser deitada na cama, com sono mas acordada.” A clínica reconhece, no entanto, que os resultados dependerão sempre do bebé em causa. “Cada um diz quando está pronto. É possível que a maioria só responda aos três, quatro meses e que este só seja um processo adquirido aos seis, sete.” Até porque, reforça a também especialista em sono pela European Sleep Research Society, deixar o bebé a chorar na hora de adormecer não é opção.

Depois, há outros pequenos cuidados que podem fazer uma grande diferença. A temperatura do quarto não deve exceder os 21 graus (o sobreaquecimento pode ser altamente prejudicial para o sono), não enfaixar nem tapar demasiado os bebés, não forçar o sono quando não querem dormir. Até porque, enfatiza Andreia Neves, criar uma boa relação com o sono, ter uma criança que gosta de dormir e não o faz por obrigação, é outro princípio fundamental.

Helena Cristina Loureiro, responsável pela consulta de sono pediátrico no Hospital da Luz de Lisboa, chama ainda a atenção para outros dois aspetos, que entende que todos os pais devem conhecer. Um prende-se com as horas e os padrões de sono dos bebés. “Um recém-nascido deve dormir de 14 a 16 horas e tem um padrão de sono polifásico [distribuído pelas várias alturas do dia]. No final do primeiro semestre, já é suposto que o bebé durma uma sesta de manhã, uma à tarde e outra ao fim da tarde e que o sono noturno já esteja consolidado. Depois, a sesta do fim da tarde vai desaparecer, a da manhã vai encurtando e a sesta depois do almoço vai aumentando. Por volta dos 15 meses, já será normal um padrão de sono bifásico.” Releva ainda a questão da qualidade sono. Que, sobretudo no primeiro ano de vida, é muito afetada por múltiplos fatores. Desde o aparecimento dos dentes às viroses, passando pela obstrução nasal e pela própria diversificação alimentar. “São tudo questões que podem perturbar o sono e a que os pais devem estar atentos, porque há casos em que pode ser preciso uma intervenção médica.”

E afinal, nisto dos bebés que dormem melhor e pior, a genética faz ou não ao caso? Faz. “Se há antecedentes na família de alguém que tenha problemas de sono ou um histórico de depressão, ansiedade, doenças mentais ou distúrbios psiquiátricos, há uma maior predisposição para alterações ao nível do sono do bebé. O simples facto de a mãe ter sido trabalhadora por turnos pode influenciar”, exemplifica Andreia Neves. A boa notícia é que esta predisposição genética não é irreversível. “A implementação de uma rotina adequada e de boas ferramentas de sono [como a forma como se resolvem os despertares noturnos, por exemplo] podem ter bons resultados mesmo em bebés com pior prognóstico.”