Gouveia e Melo: peixe na água

Gouveia e Melo é o coordenador nacional do plano de vacinação contra a covid-19

Um submarinista que gosta de liberdade, de espaço, de largueza, recordações da infância africana. Os colaboradores não poupam elogios, dizem que é o homem certo no lugar certo. Muito racional, tem um lema: treino duro, trabalho fácil.

Nos próximos meses, vestirá o camuflado e assim se apresentará em intervenções públicas, no âmbito das funções de coordenador nacional do plano de vacinação contra a covid-19. Decisão polémica por ser demasiado marcial? Está tomada. Gouveia e Melo não é homem de ceder a pressão, incluindo a mediática, traço de caráter que afirma. “Não me deixo influenciar a não ser pelo sentido de ética e de dever. Ao longo da minha carreira, fui sujeito a muita tensão e ao stresse que possa causar. Pois é nessas alturas que raciocínio melhor. O stresse melhora a minha performance.” A justificação para a escolha de um uniforme de combate é dada por José Ramos de Oliveira, porta-voz da task force. “Porque vivemos uma situação de exceção, uma luta e um combate duros, e porque é a única farda comum aos três ramos das forças armadas, simbolizando a necessidade de a todos envolver neste processo.”

Há muito que o capitão de mar e guerra coadjuva o vice-almirante. Foi seu imediato, que é o mesmo que dizer braço-direito. Sobre a nova missão do superior, é claro: “Não conheço ninguém com melhor perfil para esta tarefa. Sente-se como peixe na água. Porque é de convicções, determinado, não desiste”.

“Dever e desígnio”, afirma Gouveia e Melo. Por isso aceitou o lugar. “Enquanto militar comprometi-me a servir o meu país. E o meu país são as pessoas.” Está preparado para o que vier. “À adversidade reajo com calma, paciência e resiliência.”

Treino duro, trabalho fácil, lembra a si próprio e aos subordinados. “Desafiam-me os desafios”, costuma dizer. Assume a facilidade em adaptar-se ao que vai chegando, a capacidade de organização. A mente dominada pela racionalidade.

De origens europeias cruzadas, nasceu em Moçambique há 60 anos. Guarda dos anos africanos “a vida simples, o amor à largueza e à liberdade”. Chegou a Portugal em 1975, adolescente. “Sentia-me acanhado, faltava-me espaço e eu adoro espaço”, diz o submarinista. Explica a contradição: “Há duas maneiras de ver: ou nos sentimos dentro de um submarino, e aí falta espaço, ou nos sentimos o submarino, e então temos ao nosso dispor toda a largueza subaquática”. Sabe do que fala. Viveu 31 dias submerso, recorde nacional. Num submarino, “máquinas que trabalham no limite da física e local de problemas”, o maior medo é, por isso, “o medo de deixar de ter medo”. Porque ali “é preciso cautela”.

Não há imensidão aquática que substitua o regresso: “A primeira sensação é de ar fresco. A segunda, disso mesmo, de regresso a casa”. E aos filhos, dois – um médico, o outro engenheiro informático. A escola naval deu-lhe “disciplina, foco, sentimento de missão”. Confessa-se viciado em trabalho. “Os prazeres mundanos não me atraem. Os meus hobbies são a física e a matemática, a eletrónica, matérias ligadas à minha formação (Engenharia Eletrotécnica).”

Quanto a prazeres, não será bem assim. José Manuel Constantino, presidente do Comité Olímpico Português, conhece-lhe dois: “A picanha brasileira e o guaraná”. Testemunhou-o durante os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. O dirigente ainda hoje agradece ao vice-almirante ter levado a bom porto o processo negocial e logístico que permitiu à delegação portuguesa ter como sede, no Rio, o Navio-Escola Sagres. “Foi uma negociação muito difícil, um processo muito complicado, até por questões de segurança, cujo sucesso se deve à determinação e resiliência do Gouveia e Melo. Sem ele não teria sido possível.”

Do agrado de Marcelo Rebelo de Sousa e muito próximo do chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas – o almirante Silva Ribeiro -, ninguém nega as qualidades do novo líder da task force e a “reconhecida competência” em logística e planeamento. “Mas é um homem difícil, complicado”, avisam algumas fontes. “Na Marinha, ou o adoram ou o detestam.”

Levanta-se muito cedo, deita-se muito tarde. “Atualmente, adormeço um pouco preocupado”, confessa. “Mas farei o melhor que sei e darei o máximo para estar à altura das minhas responsabilidades”, promete, do alto dos seus 1,93 metros.

Henrique Eduardo Passaláqua de Gouveia e Melo
Cargo:
coordenador nacional do plano de vacinação contra a covid-19
Nascimento: 21/11/1960 (60 anos)
Nacionalidade: Portuguesa (Moçambique)