Genética, poluição e cidade. Um cocktail chamado asma

Depois de uma infância marcada pelas crises de asma, Renata Ribeiro tem agora a doença controlada e já não toma medicação diariamente

É um mal das sociedades modernas, a crescer nos meios urbanos. A mais frequente das patologias respiratórias crónicas tem grande impacto na qualidade de vida. Falta de ar, pieira, cansaço, pressão no peito - sintomas que é possível controlar.

Renata Ribeiro não consegue precisar o momento, mas arrisca que “teria uns nove ou dez anos”. Foi aí que a jovem descobriu que ia viver o resto da vida de mãos dadas com a asma, a patologia respiratória crónica mais comum no Mundo. “Sentia sobretudo falta de ar, subia as escadas de casa e ficava sem ar. Corria na escola e não conseguia terminar, tinha de parar, sentar-me. Era uma sensação mesmo sufocante.” O diagnóstico pouco ou nada a surpreendeu, mesmo sendo tão miúda. Afinal, o pai e a mãe são asmáticos – e a componente genética pesa na doença.

A asma roubava-lhe qualidade de vida, ainda se lembra. “Evitava esforços físicos, subir escadas, correr, porque ficava muito aflita.” Hoje, tem 22 anos, mora em Fiães, Santa Maria da Feira, está a estudar Psicologia do Comportamento Desviante e da Justiça. Já lá vão os tempos das crises, pelo menos desde que começou a ser seguida em Alergologia, no hospital de Gaia, em criança. “Agora, está muito controlada. Faço com muita frequência testes de esforço. E tomei, há uns anos, vacinas antialérgicas, por via oral. Comecei a melhorar. Sei que nunca vou subir umas escadas sem ficar com falta de ar e, inconscientemente, ainda evito correr imenso. No entanto, nunca tenho crises.”

A bomba de asma, com broncodilatadores, passou a ser a melhor amiga, “permite sentir logo melhorias”. Já chegou a usá-la todos os dias. Agora, só lhe dá uso em SOS. “Quando sinto dores no peito, ou quando estou com falta de ar, tomo antes de sair de casa. Mas nem ando sempre com ela.”

António Morais, pneumologista no Hospital de São João (Porto), reconhece que “uma asma não controlada impacta claramente a qualidade de vida”. A doença é uma inflamação das vias aéreas, crónica, que afeta a respiração. “Provoca falta de ar e aquilo que se chama de pieira. Como gera a diminuição do calibre dos brônquios, o ar ao passar nesses brônquios faz um som que parece um chi e que, muitas vezes, é exuberante à noite.” Ainda traz a reboque tosse, pressão no peito, cansaço. E assume várias expressões. “Há doentes que têm uma asma que é mais intensa com exercício físico. Outros têm asma grave e, mesmo com tratamento, continuam a ter sintomas e episódios de agudização frequentes. Mas a asma alérgica é a mais comum.” Ou seja, a que resulta de uma reação a alergénios, desde os ácaros ao pólen ou até a pelos de animais.

A genética tem dedo numa patologia quase sempre com histórico familiar. “Quando vemos alguém com asma, quase sempre há um familiar que tem. Um pai, um irmão, um avô”, explica o também presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia. E o diagnóstico é feito à base da sintomatologia. “É muito clínico, pelos sintomas, história familiar, episódios de agravamento. Mas também se podem fazer exames de função respiratória, como a espirometria.” Na asma alérgica, o maior objetivo é estudar aquilo a que o doente reage, através de testes cutâneos ou análises. Isto porque o tratamento vai passar por evitar a exposição aos alergénios. “Por exemplo, se é alérgico aos ácaros, evitar viver num espaço com muita acumulação de pó”, refere o pneumologista.

E a poluição também entra nesta equação. Se a incidência se manteve relativamente estável nos últimos anos, “ao mesmo tempo, temos maior expressão nos meios urbanos, exatamente pela poluição, que contribui para aumentar o fenómeno alérgico da asma”. É uma “doença das sociedades modernas”.

O diagnóstico tardio na infância, os internamentos

Mário Morais de Almeida, imunoalergologista e coordenador do Centro de Imunoalergologia do Hospital CUF Descobertas (Lisboa), concorda que as causas da asma são “um balanço entre a genética e o ambiente”. E atira um número: “Afeta quase 10% da população em todos os grupos etários. Desde as crianças aos adultos jovens ou adultos idosos”. É frequentemente detetada na idade pediátrica, mas leva tempo até se chegar ao diagnóstico. “Porque se acha que são bronquiolites, bronquites. Uma em cada três crianças asmáticas tem um internamento na infância. Se não há um correto diagnóstico, não é possível controlar.”

As crises acontecem quando a dificuldade respiratória chega a um nível de inflamação grave que “já não se consegue garantir tratamento sem dar oxigénio”. Controlar é a palavra-chave, para evitar “a criança que não corre, o adulto que não quer subir escadas”.

Morais de Almeida é presidente da Associação Portuguesa de Asmáticos, também ele é asmático. O tratamento, sabe bem, passa por fugir às causas das crises, e aqui não só entram os alérgenos, como o tabaco e as infeções virais, que são fatores de risco. “Depois, passa por medicamentos anti-inflamatórios, vacinas, seja a da gripe ou as antialérgicas.” E os inaladores, a famosa bomba de asma, que ajuda a respirar melhor e que tem corticoides, o anti-inflamatório por excelência. Há doentes que fazem medicação diária, outros há que só lhe recorrem em fases de agudização. E é frequente a conjugação entre a asma e outras doenças alérgicas.

É o caso de Renata. À asma, a jovem junta-lhe a rinite alérgica. Falta de ar, pingo no nariz, espirros, a soma de um sem-fim de sintomas. “Nunca tive só falta de ar. Tenho muitas alergias. Pólen, animais, perfumes. O pior é na primavera”, comenta. Usa sprays, anti-histamínicos. Com o controlo da doença, já não toma medicação todos os dias. Recorre sobretudo na época primaveril. Talvez por isso, hoje, não se sinta limitada pela patologia.

As novas terapêuticas e as dificuldades de acesso

As hospitalizações por asma caíram, mas ainda são muito comuns. “Se a mortalidade é relativamente baixa, os casos fatais em Portugal serão entre cem a 120 por ano, já os internamentos ainda são aos milhares. Muitos por mau diagnóstico ou por fraco programa de controlo”, alerta Mário Morais de Almeida, também secretário-geral da Organização Mundial de Alergia.

Os casos de asma grave entram nestas contas. “Devem ser uns 5% dos asmáticos e consomem mais de 50% dos recursos, em faltas ao trabalho, idas às urgências, reformas precoces. Quando deixamos a doença evoluir, o dano já é grande.” Há terapêuticas biológicas, que bloqueiam os mecanismos da doença. Mas só um número limitado de doentes tem acesso. “Estes medicamentos são os mais eficazes. Só que devíamos tentar fazê-los mais cedo para prevenir a evolução.” O acesso limitado prende-se com o custo. “São 500 a mil euros por mês. É comparticipado pelo Estado, mas depende de autorizações. E um, dois, três anos a atrasar é decisivo no prognóstico.”

Grave ou não, “a doença, quando não está controlada, pode tomar conta da vida das pessoas”. “Basta pensar em alguém que tem um filho e tem dificuldade em fazer esforços físicos, em dormir, em perceber se é preciso mudar a fralda porque não tem olfato”, exemplifica Mário Morais de Almeida. O médico tem asma diagnosticada desde a adolescência. “Tenho um avô que morreu uns 20 anos antes de eu nascer por asma, numa altura em que havia poucos tratamentos. A minha mãe também tinha uma asma grave. Mas a mim já foi possível tê-la completamente controlada.”

Ainda assim, avisa, têm surgido mais casos graves nos últimos tempos. “A pressão das infeções víricas faz-se sentir e a poluição também.”