Ganhar muito dinheiro nunca foi fácil

Os cursos que ensinam a ganhar dinheiro com criptomoedas são, muito provavelmente, inúteis

Cursos para perceber produtos financeiros muito complexos, dicas para enriquecer sem esforço e influenciadores digitais que garantem que está ao alcance de todos. Mas não acredite nas promessas. O mais provável é que estes novos métodos que crescem na Net sejam como os anteriores: uma forma rápida de perder dinheiro.

Não deixa de ser irónico – e esclarecedor – que sites que abrem com promessas pedagógicas sobre uma forma rápida de enriquecer terminem todos com um aviso de formulação comum: 75 a 90% das contas de investidores nestes produtos perdem dinheiro. Mas assim é desde que existem ilusionistas. Há sempre pessoas disponíveis para serem iludidas, mesmo que a magia só funcione sendo o mágico a executá-la e todos saibam que há sempre um truque.

Tudo é mais grave quando a ilusão envolve o dinheiro fácil. A realidade surge mais cedo do que tarde para desfazer o engano e faz normalmente toda a gente cair do palco. Mas isto é a Internet, a tentação é muita e os youtubers não costumam falhar nas polémicas. No final de 2019, a Rádio Renascença revelou que Windoh, Wuant ou sirKazzio – os nomes mais populares da “videosfera” nacional – estavam entre youtubers que promoviam sites de apostas ilegais em território nacional. O YouTube bloqueou os vídeos e os casos desapareceram do radar mediático.

Até ao início deste mês, quando uma petição pública pediu à Polícia Judiciária (PJ) que investigasse alegados “burlões”, que “usam os mercados financeiros como ilusão […] para enganar as pessoas burladas”. As notícias sobre o abaixo-assinado, que referia pagamentos mensais por dicas para apostas desportivas e cursos para ensinar como investir nestes mercados (e, naturalmente, como ficar rico), tiveram reação quase imediata. Tanto o Ministério Público como a PJ fizeram saber que estavam a investigar e a analisar as aulas, de qualidade duvidosa e vendidas por centenas de euros.

Windoh, Numeiro, DavidGYT, Fx_Papi e outros nomes são apontados na petição, que teve ainda outro efeito. O país ficou a saber que existem novas formas de ilusionismo económico. Já tinha ouvido falar em Forex ou CFD’s? E nas empresas FX Thunder, Wevesting ou Trading Jar? Ou que há pessoas com milhares de seguidores que se exibem no Instagram com Rolex, Porsches e mansões, garantindo que é possível ter tudo se se pagar para ter acesso a sinais ou “pdf’s educativos” preparados por especialistas com “vários anos de experiência no mercado”?

Provavelmente não, embora seja importante fazer uma ressalva. Nem estas siglas significam atividade ilegal, nem estas firmas e os influenciadores que as representam operam necessariamente de forma irregular [ler mais ao lado]. O que acontece é que estas plataformas tentam convencer os seus potenciais clientes usando jargão sobre mercados financeiros extremamente complexos e voláteis, onde na verdade só os corretores profissionais conseguem, quando conseguem, lucrar.

499 euros por ano

A empresa de Windoh, a Blvck Network, prometeu ensinar a investir em criptomoeda ou em ações, cobrando 499 euros anuais por cursos e acesso a uma comunidade que fornece “acompanhamento” e “material informativo/educativo em formato vídeo sobre os mercados”. A controvérsia, na semana passada, aumentou de tom depois de o hacker Redlive13 ter entrado no site da empresa e exposto dados sobre clientes que pagaram pelas aulas, motivando uma queixa de Windoh à PJ, por acesso ilícito a informação privada. O pirata informático, que não está identificado, apelidou as aulas como “copy paste da Wikipédia”.

Existem mais métodos para vender estes serviços, mas basta uma pesquisa por todos estes nomes e uma viagem por estes sites e contas de Instagram para, pelo menos, desconfiar de tanta fartura: o dinheiro, real ou virtual, nunca caiu do céu.

O mercado Forex existe mesmo, é legal, mas é um perigo

Um dos nomes mais referidos por estes influenciadores e sites é o mercado Forex, um nome inusitado que, apesar de parecer uma invenção de um vendedor de banha da cobra moderno, é real e totalmente legal. O “Foreign Exchange Market” – Forex – é um mercado onde são negociadas divisas, como o euro, o dólar ou a libra esterlina. Essencialmente, neste mercado, tenta-se ganhar dinheiro a prever se uma moeda vai desvalorizar ou valorizar em relação a outra. É pura especulação. No site da Caixa Geral de Depósitos, explica-se que se trata de um mercado “over-the-counter” (OTC), ou seja, que funciona fora da Bolsa e, por isso, qualquer pessoa pode lá investir sem entraves. Acontece, porém, que o Forex é por isso menos regulamentado e menos transparente. E, avisa a Deco, “palco de propostas desonestas, desde operadores que prometem rendimentos garantidos a corretoras com práticas pouco lícitas, que se aproveitam da menor regulamentação nos países onde estão sediadas”. Para uma pessoa normal, habitualmente o alvo destas propostas dos influenciadores, pode parecer atrativo: é um mercado que movimenta muito dinheiro e fácil de aceder através de plataformas que têm nascido como cogumelos. Mas é um equívoco pensar-se que é fácil ganhar dinheiro neste sistema muito volátil. “A assimetria de informação e a diferença abissal na capacidade dos vários intervenientes em tomar em risco tornam o mercado Forex um terreno muito perigoso para os pequenos investidores que, na ilusão de obterem ganhos elevados e rápidos, acabam por perder grande parte do seu capital”, alerta a Deco.

CFD’s, sinais e muitas palavras em inglês

Ao primeiro olhar, os sites que prometem caminhos fáceis para o paraíso monetário quase parecem credíveis: falam em criptomoeda (que existem e são legais), em CFD’s, contratos também regulares, e usam nomes e termos em inglês como “stocks” (ações) ou “trades” (operações de mercado). Os CFD’s, ou “Contract for Differences”, são os contratos que estão na base de uma operação de compra e venda no mercado. Num contrato deste tipo, não há bens ou ações trocados. São apenas compromissos de curto prazo, que estabelecem que os investidores se comprometem a pagar a diferença entre os valores inicial e final dos produtos financeiros associados. Já os sinais, outras das promessas muito alardeadas, são dicas, supostamente muito bem informadas, sobre como se investir no momento em que são enviadas.

Como ganham dinheiro os angariadores e influenciadores?

Em geral, há quatro formas de os angariadores ganharem dinheiro: vendendo cursos especializados que supostamente ensinam como lucrar facilmente com estes produtos financeiros; cobrando por acesso a plataformas com relatórios, sinais e pistas sobre o andamento dos mercados; levando os clientes a depositarem dinheiro (valor mínimo entre os cem e 300 euros) nas corretoras que representam, ganhando uma comissão sobre o depósito inicial; e cobrando uma taxa sobre cada operação que deu lucro (que pode chegar aos 5%).

A CMVM tem lista com as corretoras não autorizadas

A perspetiva de ganhos fáceis e a utilização de influenciadores ou angariadores bem apresentados, muitas vezes autoapelidados de especialistas em finanças, atraem os mais distraídos ou necessitados. Acabam a negociar em plataformas não autorizadas em território nacional e internacional, perdendo o dinheiro que investiram e a capacidade para reclamarem. Muitos, nota a Caixa Geral de Depósitos, “acabam envolvidos em esquemas de pirâmide, ilegais em Portugal”. A CMVM tem uma lista de intermediários financeiros não autorizados em todo o Mundo. Vá ao site, entre em “Sistema de difusão de informação” e escolha “Intermediários financeiros”. Ainda assim, é importante saber que, mesmo que não constem dessa lista, a utilização destes serviços é extremamente arriscada.

As criptomoedas são regulares mas um investimento arriscado

O Banco de Portugal sublinha que “a atividade de emissão e de comercialização de moedas virtuais não é ilegal ou proibida, sendo, contudo, apenas regulada e supervisionada para efeitos de prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo”. Quer isto dizer que “não existe qualquer proteção legal que garanta direitos de reembolso ao consumidor que utilize ativos virtuais para fazer pagamentos”. Em caso de desvalorização “parcial ou total dos ativos virtuais, não existe um fundo que cubra eventuais perdas dos seus utilizadores”. E como tem um valor totalmente sujeito aos muitos humores do mercado especulativo, não é necessariamente um bom investimento nem funciona como reserva de valor, como, por exemplo, o ouro, apesar da atual valorização astronómica. A primeira e mais valiosa criptomoeda é a “Bitcoin” e uma unidade vale, neste momento, cerca de 47 mil euros. “A maior parte dos ativos virtuais está sujeita a uma enorme volatilidade”, alerta ainda o supervisor. Portanto, os cursos que ensinam a ganhar dinheiro com criptomoedas são, muito provavelmente, inúteis.

Há uma lista com os sites de apostas devidamente registados em Portugal

As regras para um site de apostas obter licença para atuar em território nacional são apertadas e há uma entidade do Estado, o Serviço de Regulação e Inspeção de Jogos (SRIJ), que tem “funções de controlo, inspeção e regulação da exploração” deste tipo de atividades. No site do organismo, estão listadas todas as empresas com autorização para exploração do jogo online. São apenas 15, atualmente, e a lei exige que tenham “situação contributiva e tributária regularizada em Portugal”, possuam “idoneidade, capacidade técnica, económica e financeira” e apresentem um projeto com as melhores práticas em termos de arquitetura de software e tecnologia nos termos da lei. Se for aliciado, vá ao site da SRIJ e verifique se a empresa tem a devida licença.

Leia aqui a entrevista a Windoh