Cheia de disponibilidade e de desejo, é isto que ela faz com o dinheiro que ganha no Only Fans: anima-se e mimoseia-se, brinda-se com extravagâncias a comprazer. Só porque pode e porque sim. Desta vez foi a alugar um quarto num design hotel com banheira de hidromassagem atrás da cama e morangos só para si. Passou uma noite vaporífera e saiu outra. É um ciclo vicioso, a retemperação, é a mesma razão que a levou a entrar na plataforma da exposição digital: “Autoestima. Estares ali faz muito por ti, corta muito a solidão de uma pessoa. Como tens de mostrar aquilo que vales, estás sempre a aprender sobre ti. É isso que eu quero, ter uma forma de me superar”.
Imagem e edição de Sofia Marvão
Flávia tem 22 anos, é minhota, trabalha como chefe de cozinha e entrou há um ano no Only Fans quando se viu em lay-off na pandemia. Nem publica todos os dias, talvez de três em três, nem quer ter mais intensidade, é só um part-time de prazer, mas já juntou 80 fãs que pagam 20 dólares por mês para falar com ela depois de verem as fotografias do que ela esteve a fazer.
“Não publico nus frontais, nada, só nus artísticos, transparências, sugestões, gosto muito de lingerie, gosto muito de seduzir, não gosto de escancarar. Não gosto de coisas esquisitas, mas às vezes pedem-me e eu lambo os meus pés.” É uma coisa de podólatras, que são os ardosos amantes de pés, normalmente femininos, especialmente bem cuidados, de unhas primorosas pintadas como os capôs dos carros velozes. “O fetiche é deles, não é meu, mas eu aceito, não tenho nada a dizer das taras de cada um”, diz Flávia a mirar e mexer os dedos fruitivos dos seus pés, as unhas de verde cítrico a cintilar.
Ela não quer discutir a dicotomia do que é trabalho e do que é prazer. “Sei que sou uma rapariga normal, tenho os meus defeitos, os meus traumas, mas alguma coisa devo ter de especial. É um clichê, mas este trabalho dá-me prazer, não quero saber da moral. Devia ser assim com todos os empregos, ninguém pode ser bom a trabalhar se não trabalhar com prazer.”
A mãe dela foi a primeira a saber, tinha que ser, não quis que ela soubesse porque lhe foram contar, não quer mexericos na sua vida, ninguém tem que bisbilhotar. “Não devo nada a ninguém, ninguém tem nada que abichar da minha vida, só devo respeito, à minha mãe, por isso tinha que lhe contar. Ela entendeu, dá-me a minha liberdade, damo-nos bem assim.”
Tem 41 tatuagens, Flávia, e a maior e a mais pequenina são as de que gosta mais: uma grande deusa Ísis, a divindade do antigo Egito que aprendeu a ressuscitar, de asas abertas no seu peito; e uma pequenina com a palavra Lust (luxúria) incrustada junto à virilha. Também gosta de um beijo vermelho que tem na nádega e dos dois laçarotes nacarados, um em cada coxa, atrás, e de uma rosa, e de um trevo de quatro folhas, e de uma espada, e de um coelhinho da Playboy, e de outra da sua cadela Melissa.
No fim, aprendemos todos uma palavra que só um minhoto é capaz de decifrar: cabaneirar. Vem de cabaneira, isto é, alcoviteira, maliciosa, bisbilhoteira, mulher que faz mexericos e intriga, que é intermediária daquilo em que não se deve meter. “É isso, na minha vida mando eu, não gosto que me venham cá cabaneirar.”