Figuras públicas de cara lavada

Cristina Ferreira, apresentadora de televisão, mostra-se sem maquilhagem

Ana sabe que a política não foge à regra e a avaliação do aspeto físico penaliza sempre as mulheres. Base e batom não devem servir de máscara, defende Carolina. Cristina usa a make-up como um “add-on” para a mensagem que quer transmitir. Cuca crê que o fado se teria perdido se tivesse ficado refém do xaile negro. Joacine denuncia a sociedade que exige perfeição e disciplina às mulheres. Simone lembra que nunca aceitou regras estéticas. Sónia é o que lhe apetece: ruiva, loura ou morena. Num tempo em que a beleza real ganha adeptos, sete mulheres sem filtros.

“Nunca me maquilho durante o dia”

Cuca Roseta
39 anos, fadista

A maquilhagem e o fado têm dois lados: por um, fado nada tem que ver com imagem, sim com o que vem de dentro e é isso que toca as pessoas. Por outro, e porque as gerações mais novas vivem da imagem, se não se tivesse adaptado, o fado tinha-se perdido. Hoje vemos fadistas com vestidos lindos, bem maquilhadas, o que também não deixa de ser uma mais-valia.

Com uma carreira mais consolidada já não acontece, mas no início ouvi alguns comentários menos agradáveis. Criticavam-me por não usar preto, por não gostar de xaile, por não ser de um bairro típico, por cantar com um piercing. Prestavam mais atenção à minha imagem de que à minha voz.

Nunca me maquilho durante o dia. Os meus pais ensinaram-me assim. A minha mãe nunca se maquilhou. Mas aprendi com a minha avó, que sempre se vestiu de maneira impecável. Tinha muito cuidado com o cabelo, com as unhas, com as joias. Herdei dela o gosto pelos anéis. (Para além dos anéis, uso um brinco na parte superior da orelha, uma peça de ouro linda. E uma pulseira na barriga. Dois acessórios que nunca tiro)

A primeira recordação de um gesto de beleza é a de um amaciador que a minha mãe usava. Era caro e, como somos quatro raparigas, não estava ao nosso alcance. Mas quando a minha mãe me deixava usar era uma festa. Com sete anos, adorava aquele cheiro.

Nos concertos, gasto cinco minutos para me vestir e dez para me maquilhar. Pode parecer mentira, mas não é. Hoje, o que é natural é bonito. Eu própria gosto mais do meu rosto sem nada. Muitas vezes pedi a amigas que me fotografassem sem maquilhagem. Esta foi a primeira vez que me fotografaram de cara lavada à séria. Gostei muito do resultado.”

“A maquilhagem pode ser uma máscara, infelizmente”

Carolina Patrocínio
34 anos, apresentadora de televisão

Quando se trabalha numa indústria que vive da imagem, como é o caso da televisão e da moda, existe uma pressão maior para responder aos ditos ‘padrões de beleza’, mas esses padrões têm vindo a mudar com os anos, por conta das mudanças de mentalidade, de novos padrões de consumo e essencialmente de novos estilos de vida que privilegiam o saudável e o bem-estar. Não podemos deixar que os comentários de ‘magra, gorda, celulite, estrias’ nos afetem por si só, pois não é isso que fará de nós melhores ou piores profissionais ou pessoas.

Sinto-me 100% confortável sem maquilhagem. Mas em momentos sociais gosto de me maquilhar, tal como escolher uma roupa especial. E quando trabalho, porque quando é bem utilizada, a maquilhagem pode até ser o mais natural possível e contribuir para reforçar uma imagem de confiança e credibilidade.

A maquilhagem pode ser uma máscara, infelizmente. Atualmente, com as redes sociais vemos cada vez mais isso acontecer e até em faixas etárias mais jovens, o que é mais preocupante. O excesso de maquilhagem para não termos de aceitar aquilo de que não gostamos em nós tem um impacto psicológico enorme, a longo prazo.

Uso a maquilhagem para disfarçar sinais de cansaço, outras vezes para celebrar um momento especial. No meu rosto, prefiro o queixo e gosto menos das sobrancelhas. Realço frequentemente o arco de cupido ou o ‘coração’ da boca, mas nunca usaria batom vermelho. Já nos olhos, arrisco.

Comecei a maquilhar-me com 16 anos. Da infância guardei o cheiro do creme hidratante da minha mãe.”

“Aceitei as rugas com toda a naturalidade”

Simone de Oliveira
83 anos, cantora

A maquilhagem fez parte integrante do meu trabalho durante 60 anos. Na revista, era particularmente pesada. Recordo-me bem das pestanas de cartolina, umas pestanas muito simpáticas, que a Ivone Silva fazia. Tempos em que comprava cremes avulsos numa drogaria da rua do Salitre.

Quando adolescente não me maquilhava. O meu pai e a minha mãe não deixavam. Com 19 anos saí de casa e comecei a aprender com as funcionárias da RTP. Passei a realçar os olhos com pestanas e sombra.

Eu era a que cantava “Quem faz um filho fá-lo por gosto”. Em meados do século passado, tinha 20 anos. Comecei a ser mal-afamada desde logo: pintava o rosto, o cabelo, adorava calças, sobretudo com botas. Um dia, no Porto, meteram-se comigo. “Só te falta o cavalo.”

Nunca fui de tailleurs. Tentei sempre ir contra o institucional. E paguei o preço. Quando cantei a “Desfolhada”, a minha filha tinha dez anos e o meu filho oito. “O que vai agora fazer a tua mãe? Um filho por gosto?”, perguntou a professora ao Pedro. Fui à escola: “ou fica o meu filho ou a professora”. Ficou o meu filho. A Eduarda era muito certinha e boa aluna. Disse-me a professora: “Como é que a filha de uma pessoa que se deita tarde, que fuma, que usa decotes tem uma filha assim?”. Chegou a este preparo. Sempre fui uma mulher da noite. Não precisei do 25 de Abril para ser livre. Em casa ando de cara lavada. Mas à rua só com base, blush e rímel. Faço as minhas madeixas. Gosto de echarpes. Nunca ando sem brincos – tenho uns pequeninos, muito bonitos, que me foram dados pelo Júlio Isidro. Mesmo com máscara, uso sempre batom. Uso um anel no dedo mindinho, que me foi dado há muitos anos por um amigo. Tenho dois filhos e quatro netos maravilhosos. Aceitei as rugas com toda a naturalidade. Aos 83 anos tenho um lema: fazer ridículos, não. Costumo dizer que tenho uma saudade lavada.”

“Fundamental é estar e sentir-me bem na minha pele”

Ana Gomes
67 anos, diplomata

O aspeto das mulheres em geral, e em particular na política, é sempre muito avaliado e analisado. É verdade que a maquilhagem pode desviar a atenção do que dizem para a forma como se apresentam. Mas quer se pintem, quer não se pintem – a ausência de maquilhagem é, muitas vezes, olhada como desleixo – é sabido que serão mais avaliadas pelo aspeto exterior do que os homens. Por mim, sigo sempre a regra de que o fundamental é estar e sentir-me bem na minha pele.

Comecei a pintar-me com 14, 15 anos. Na altura, apenas os olhos, com eyeliner e rímel. Hoje, maquilho-me sobretudo para uniformizar a pele e realçar os olhos. Abandonei o rímel desde que aderi às pestanas postiças. Há quatro anos que as uso, são muito práticas, poupam-me muito tempo – e muito olhar esborratado. Passei também a usar batom porque o meu marido gostava.

Fui aprendendo a maquilhar-me. Alguns truques aprendi-os em Nova Iorque, com uma funcionária muito simpática de um balcão MAC, no Bloomingdales.

Tenho bons genes, não me queixo. Mas a pele, seca, por vezes estirava. Por isso, a partir dos 40 anos, passei a hidratar muito bem a pele, de manhã e à noite. O perfume é, também, fundamental. Há uns 40 anos que uso Diorella, presente de um amigo. Por aqui compreendo que, afinal, tenho uma faceta conservadora.

Não noto grande diferença, no que diz respeito a maquilhagem, entre as mulheres portuguesas e as mulheres que vejo na rua em Bruxelas, Nova Iorque ou Madrid. Em todo o lado, o que me incomoda mesmo são as raízes no cabelo. Acho sinistro ver, por exemplo, cabelos loiros com raízes pretas. Por isso, e também por falta de tempo, depois de muitos anos a pintar, deixei vir os cabelos brancos.

Mais do que maquilhagem, e mais ainda do que umas gotas de perfume, há algo que não pode faltar em mim todos os dias e em qualquer situação: brincos. Tenho uma enorme coleção, desencantada pelo Mundo fora.”

“Nesta pandemia já fui loura, ruiva e morena”

Sónia Tavares
44 anos, cantora

A maquilhagem já não é bem uma ferramenta do trabalho em palco. Se por um lado faz sentido usar maquilhagem mais teatral, seguindo a exuberância de Lady Gaga, por outro, vivemos um tempo em que a simplicidade é statement – veja-se Alicia Keys.

No meu caso, gosto de me maquilhar. É um gosto de infância. A minha mãe gostou sempre muito de maquilhagem, tinha uma gaveta cheia de produtos que um dia assaltei e levei num saquinho para a escola, convencida de que passaria despercebido. Claro, não passou. Mas o gosto ficou.

Uso eyeliner desde os 15 anos e realço as sobrancelhas desde a adolescência. Acho, desde miúda, que as sobrancelhas me dão um ar misterioso. Batom, só mais tarde.

Salvo raras exceções, maquilho-me eu mesma. Conheço-me muito bem. Passei grande parte da minha vida a olhar para o meu rosto, desagradada com o que via. Por isso sei exatamente o que corrigir. Melhor, o que realçar: maquilho-me para ficar mais bonita, não para esconder.

Sou muito inconstante na imagem. Mudo de visual tão rapidamente. Nesta pandemia já fui loura, ruiva e morena.

Com a idade, não sei o que tenciono fazer. Mas reconheço que, a partir de certa altura, estar com ou sem maquilhagem faz diferença: hoje, noto mais as imperfeições, tenho algumas manchas e, sobretudo, mais olheiras.

Sou casada com um homem que já se pintou e, portanto, que percebe do assunto. Mas não dá conselhos, confia completamente no meu gosto. Se estiver com pressa, pinto-me em 15 minutos. Com mais cuidado, levo meia hora. Nunca mais do que isso.

A tratar e cuidar de mim, sou péssima. Raramente uso cremes e mesmo a desmaquilhar-me a paciência é pouca. Por regra lavo a cara mais ou menos, e já está.

Tenho uma regra: um bom cabelo, uma boa maquilhagem, um bom casaco, bons sapatos e a festa está feita.”

“A imagem é e continuará a ser uma arma política”

Joacine Katar Moreira
39 anos, deputada

Vivemos numa era caracterizada pelo virtual e pelo seu enorme escrutínio, pelas selfies e pela procura da imagem perfeita. Lutamos hoje contra a calcificação das caras e corpos padrão na sociedade, procurando abrir espaço para a aceitação da grande diversidade de mulheres e das suas respetivas belezas.

Enquanto política tenho consciência do grande poder da imagem, e, pela minha experiência, a fotografia e a imagem – que inclui fotografia, pensamentos e gestos – podem ajudar a elevar-nos ou a desumanizar-nos. A imagem é e continuará a ser uma arma política importante de inclusão e de exclusão e é por isso que ela é altamente valorizada no nosso meio. Contudo, a avaliação pela sua imagem é feita sobretudo às mulheres, a quem a sociedade exige perfeição e disciplina. Os homens na política têm lugar para a excentricidade, embora em Portugal optem por não usufruir dessa liberdade, coisa negada às mulheres. No meio dessa exigência, ainda temos o problema de ter de dosear o investimento que fazemos na nossa imagem, para não sermos consideradas ocas.

Gosto de me maquilhar, mas comecei a usar base já com quase 30 anos. Ainda hoje procuro usar o mínimo de produtos possível. No meu rosto não mudava nada e aquilo de que mais gosto são dos meus olhos e do meu olhar e talvez por isso gosto de maquilhá-los, mas nestes tempos custa-me não poder pintar os lábios por causa da máscara. A covid-19 definiu outra estética.

Sobre o que nunca usaria, não tenho bem a certeza porque há muitos produtos que nunca experimentei, mas nunca consegui colocar um eyeliner, por exemplo. Por outro lado, dificilmente me consigo ver sem acessórios. São parte essencial da minha autoimagem. Gosto mais de acessórios do que de roupa. Uso sobretudo brincos. Para mim, são o que faz a diferença.”

“Sempre me senti confortável sem maquilhagem”

Cristina Ferreira
43 anos, apresentadora de televisão

Aprendi a esquecer tudo aquilo que não são críticas construtivas. Quando se trabalha com a imagem há um peso maior na avaliação, mas a imagem não faz o trabalho todo sozinha. É essencial olharmos para nós e estarmos bem connosco porque isso impacta tudo o resto à nossa volta – e todos os outros.

Os movimentos de beleza real não significam que de repente tenhamos que deixar de usar maquilhagem, de ir ao cabeleireiro, de cuidar do nosso corpo. A mensagem é muito mais profunda do que isso. Trata-se de conseguir viver em tranquilidade connosco mesmas, no nosso interior, viver felizes e confiantes com a pessoa que somos e podermos continuar a maquilharmo-nos diariamente, a ter as nossas rotinas de beleza, a escolher as roupas que mais gostamos porque nos sentimos bem.

Sempre me senti confortável sem maquilhagem. Gosto de pensar na maquilhagem como uma forma de realçar os nossos pontos fortes, não ser usada com o objetivo de nos transformar em outra pessoa. Não me maquilho quando estou em casa, quando faço exercício físico ou quando faço programas mais descontraídos de fim de semana. No trabalho e em ocasiões sociais não prescindo. Claro que também é preciso saber adaptar a maquilhagem à circunstância.

Comecei a maquilhar-me na brincadeira aos 12 anos com a minha mãe. No meu rosto não mudava nada nem disfarço nada. Para mim cada traço, cada marca conta a minha história e o meu percurso de 43 anos.

Gosto de realçar os olhos, que revelam a paixão pelo meu trabalho. Mas entrego o rosto à mesma maquilhadora desde que me lembro. Ela conhece cada contorno, o que gosto e o que não gosto, o que resulta ou não. Da mesma forma como escolho a roupa, gosto que a maquilhagem seja um ‘add-on’ ao que pretendo transmitir. Nada está completo sem um par de sapatos. Nada como um bom par de saltos altos para nos trazer um pouco mais de garra e confiança para aquele dia.”